2007/04/10

Reputado hoje, reputado para sempre

O referido prestígio coincide com a consideração social, ou seja, o merecimento que as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, têm no meio social, isto é, a respectiva reputação social. É irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o crédito ou a reputação do visado.
Sobre o tema do dia, relativo à condenação do jornal Público pelo Supremo Tribunal de Justiça a uma indemnização de €75000 por danos não patrimoniais devidos ao facto de ter publicado um facto verdadeiro relativo a uma dívida fiscal do Sporting, consumando a perspectiva do direito ao bom nome e reputação expressa na nossa lei (no seguimento dos termos do acórdão até sobrepondo-se à liberdade de expressão e de imprensa), surge-me uma dúvida (para além da bizarria da ordem de valores do nosso direito):

- Se, no seguimento da argumentação apresentada, a "reputação social" e o "crédito" do visado são superiores à liberdade de revelar a verdade dos factos, pergunto-me então como poderá legitimamente essa reputação ser alterada e como poderá essa reputação evoluir, fruto da intervenção e do comportamente desse visado. Por tentativa e erro pessoal?

13 comentários:

Anónimo disse...

Quanto mais penso no assunto, mais me convenço que este acórdão tem tudo a ver com o Sporting ser o que é: um clube de gente fina e distinta, o clube da classe alta lisboeta. Parece-me claro que os juizes são do Sporting, e acabou-se. Só dessa forma, através do clubismo de três senhores da classe alta, consigo explicar esta aberração. Mas, dessa forma, ela fica perfeitamente explicada, a meu ver. É que o clubismo é um fanatismo que obnubila até as mais preclaras mentes masculinas, em Portugal.

Luís Lavoura

Mentat disse...

"Parece-me claro que os juizes são do Sporting, e acabou-se."

E pronto, assim se destroi a reputação social de Juizes...
Lendo uma consideração destas, até começo a pensar que se calhar o tal acordão não é tão absurdo como isso.
Publicar uma verdade (supostamente) evidente, pode não ser inocente e merecer castigo.
Publicar verdades sobre a vida privada intima duma pessoa, pode prejudicar a sua reputação social.
Não deverá isso ser punido ?

.

Anónimo disse...

1- É verdadeira a notícia da dívida do Sporting
2- É falso que o Sporting estivesse em incumprimento.
3- É falso que os seus dirigentes cometido o crime de abuso de confiança fiscal.
4- O Sporting informou o Público (antes da notícia ser publicada) que não estava em incumprimento.
5- A divulgação de uma dívida fiscal regular não revela especial interesse público (aliás, não me recordo de ver nos jornais que a empresa A ou B tem uma dívida fiscal em situação regularizada - afinal, é o caso da maioria das empresas).
6- Por terem dado a entender o ponto 2 e 3, prejudicaram injustificadamente o bom nome do Sporting e seus dirigentes. Logo, os jornalistas foram condenados a indemnizar o Sporting pelos danos sofridos na sua imagem.

Anónimo disse...

Os cidadãos devem estar protegidos de ataques arbitrários (repito, arbitrários) à sua reputação.

Para que os media não sejam instrumentalizados para a destruição pública de pessoas, e fiquem impunes.

JB disse...

Sobre o tema do dia, relativo à condenação do jornal Público pelo Supremo Tribunal de Justiça a uma indemnização de €75000 por danos não patrimoniais devidos ao facto de ter publicado um facto verdadeiro relativo a uma dívida fiscal do Sporting - JLP

Este post parece assentar numa avaliação errada do acórdão.

1) O facto da existência da dívida foi considerado provado. Não foi, no entanto, considerado provado que a dívida fosse exigível e que o Sporting estivesse em incumprimento. Não foi ainda provado nada que pudesse indiciar que os dirigentes do Sporting tivessem cometido o crime de abuso de confiança fiscal como foi noticiado pelo jornal. Das 4 alegações contidas nas notícias originais, o jornal só conseguiu provar 1 (a existência da dívida).

2) Cabia ao jornal provar que a dívida era exigível, que havia incumprimento e que havia razão para crer que um crime tinha sido cometido. Cabia-lhe o ónus da prova, porque a verdade dos factos importava para saber se, de facto, o jornal tinha exercido legitimamente o direito de informar e se, por isso, se estava perante uma causa de justificação que afastaria a ilicitude do acto. No entanto, ao não provar as alegações feitas nas notícias, o jornal não provou minimamente que estivesse a exercer legitimamente um direito. Publicar afirmações não consubstanciadas em factos(e, portanto, presumivelmente falsas) não é, nem pode ser considerado um exercício legítimo do direito de informar.

3) Não havendo de um lado o exercício legítimo de um direito de informar, a balança só poderia pender para o lado do Sporting. Afirmações gratuitas que não servem qualquer fim útil e legítimo e que, para além disso, ao mancharem a reputação de uma pessoa, causam prejuízos patrimoniais e não patrimoniais têm de ser consideradas ilícitas por violação do art.484º. Ergo, quem as faz fica obrigado a indemnizar o lesado.

Nota: aquilo que os leigos acham estranhíssimo (que o direito ao bom nome seja protegido, que a verdade das afirmações não afaste obrigatoriamente a ilicitude do acto), é normalíssimo na generalidade dos direitos europeus e americano. Não se trata de nenhuma especificidade lusa.

Claro que a solução não à prova de bala. É natural em casos de colisão de direitos haver opiniões jurídicas diferentes. São normalmente os casos mais difíceis de resolver...

JLP disse...

José Barros,

Grande parte da discussão passa não só pelos factos em concreto, mas também pelo comentário valorativo feito no acórdão, em termos de "bom nome" vs. liberdade de expressão e de imprensa. Ou seja, dá a entender que a decisão seria a mesma caso se dessem como provadas as 4 alegações.

E isso é que é grave. O facto de a divulgação de uma realidade factual poder ser sancionada em nome de um suposto direito de reputação perene.

"Nota: aquilo que os leigos acham estranhíssimo (que o direito ao bom nome seja protegido, que a verdade das afirmações não afaste obrigatoriamente a ilicitude do acto), é normalíssimo na generalidade dos direitos europeus e americano. Não se trata de nenhuma especificidade lusa."

O que não inviabiliza que sejam todos criticáveis, e que ache que todos estão errados!

Anónimo disse...

E isso é que é grave. O facto de a divulgação de uma realidade factual poder ser sancionada em nome de um suposto direito de reputação perene.

Caro JLP,

1) Isso não invalida que o teu post seja factualmente errado. A verdade é que a notícia do Público fazia outras afirmações, cuja veracidade não foi por meio nenhum demonstrada. E era ao jornal que cabia fazer a prova da mesma. Era esse o meu ponto.

2) É óbvio que o que mancha a reputação e viola o direito ao bom nome do Sporting não é o dizer-se que existe uma dívida (o que é factualmente correcto), mas dizer-se que o clube é incumpridor e que os seus dirigentes incorriam
em responsabilidade criminal. Ora são estas últimas afirmações que não foram corroboradas por quaisquer factos que tenham sido alegados, muito menos, provados pelo jornal no referido processo.

3)A frase que citas do acórdão é perfeitamente correcta. Não é só correcta em termos éticos, como também em termos jurídicos. Aquilo a que, em linguagem duvidosa, o tribunal considera "a estrutura e o circunstancialismo" envolvente é a finalidade do acto: por exemplo, e abstraindo deste caso, se alguém noticiar um facto verdadeiro, mas irrelevante do ponto de vista jornalístico e tratando-se apenas de causar prejuízos patrimoniais e morais a outra pessoa, então deve incorrer em responsabilidade. O direito de informar, como todos os direitos, não é absoluto. Até por lei (ver código deontológico dos jornalistas) está sujeito a limites éticos e jurídicos.

4) Ainda a dita frase aparece na fundamentação do acórdão. É habitual os tribunais tecerem considerações em abstracto sobre as questões jurídicas em discussão. Nesse sentido, acho que estás errado em crer que se todas as afirmações do jornal fossem provadas verdadeiras, o tribunal, ainda assim, o condenaria a indemnizar. Essa tua conclusão é infirmada noutras passagens do acórdão. Parece-me óbvio que se as afirmações fossem todas verdadeiras, haveria interesse público na sua divulgação e, ergo, haveria uma causa de justificação que afastaria o ilícito.

Ps: concordo com a decisão do tribunal. Acho que teria sido possível fundamentar melhor a decisão.

Pps: quanto às leis dos outros países, sucede o mesmo que no domínio das ciências naturais. Quando as leis (ou teorias) subsistem no espaço e no tempo é porque, até prova em contrário, são boas...

Abraço,

Anónimo disse...

mentat

a vida privada íntima (sexual) de uma pessoa nada tem a ver com o caso. Essa vida privada íntima é um caso à parte, e deve estar como tal referida na lei. (Se não está, devia estar.) Quando se fala de difamação ou de atentado ao bom-nome, não se está a referir a divulgação da vida sexual de uma pessoa, mas sim outras coisas, como dizer que a pessoa rouba, foge ao fisco, etc. São coisas diferentes.

Divulgar que X tem uma amante ou tem um filho ilegítimo é uma forma de difamação completamente diferente de divulgar que X comprou um diploma universitário ou não paga as dívidas na mercearia. Não é comparável.

De qualquer forma, no caso estamos a falar do Sporting, que é uma instituição e uma empresa. Uma empresa não tem vida íntima nem sexual. Logo, o caso não se põe.

Luís Lavoura

JLP disse...

José Barros,

Poderá efectivamente estar factualmente errado. Mas a minha principal crítica é em relação à argumentação do acórdão transcrita:

"É irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o crédito ou a reputação do visado."

A afirmação não deixa dúvidas, quanto a mim, sobre o que é prioritário.

Além disso, há sempre a questão do "interesse jornalístico". O que é "interesse jornalístico"? Quem é que o define?

Interesse jornalístico é em vender jornais. Tudo o resto é, em grande parte, uma grande treta e hipocrisía. E é legítimo, salvaguardando a verdade dos factos relatados (e a capacidade de o provar), e não quaisquer juízos de "bom nome" ou "reputação".

Anónimo disse...

Poderá efectivamente estar factualmente errado. - JLP

Acho que, de qualquer forma, devia haver o hábito neste e em todos os outros blogues de as pessoas reconhecerem erros nos posts. Em adenda, ficava bem. Quando se é tão enérgico na crítica, também deve haver a humildade de se dizer que errou.

Quanto ao resto, acho que já respondi num outro comentário no post em que se cita as minhas perguntas ao JM.

Anónimo disse...

A afirmação não deixa dúvidas, quanto a mim, sobre o que é prioritário. - JLP

Esqueci-me deste pormenor.

Já tinha dito e volto a dizer: acho que a frase que citaste no post é a paráfrase do que se lê no Código Civil Anotado do Prof. Antunes Varela. O STJ achou por bem parafrasear a doutrina sobre o artigo 484º. Não foi muito feliz, porque no caso a afirmação, ainda que em geral e em abstracto, não quadrava bem com a situação a decidir. A notícia continha falsidades e por isso não era necessário dizer que, em abstracto e em geral, uma notícia verdadeira pode, ainda assim, constituir um facto ilícito. É nesse sentido que a paráfrase é feita um pouco a despropósito, mas, do meu ponto de vista, correcta.

JLP disse...

"Acho que, de qualquer forma, devia haver o hábito neste e em todos os outros blogues de as pessoas reconhecerem erros nos posts. Em adenda, ficava bem. Quando se é tão enérgico na crítica, também deve haver a humildade de se dizer que errou."

Geralmente não tenho problemas em assumir os meus erros. Aliás, fi-lo nesta caixa de comentários, em relação aos factos em concreto deste caso. Mas, quanto a mim, neste caso em particular, a tónica do artigo sempre foi colocada na questão de princípio que decorria da citação que constava do acórdão, e é essa que tenho vindo a discutir.

Como tal, não vejo necessidade de retractação ou de correcção do artigo, uma vez que acho que as considerações que presidiram e que motivaram a sua escrita se mantêm plenamente, para lá dos desmentidos e esclarecimentos.

JB disse...

Geralmente não tenho problemas em assumir os meus erros. Aliás, fi-lo nesta caixa de comentários, em relação aos factos em concreto deste caso. Mas, quanto a mim, neste caso em particular, a tónica do artigo sempre foi colocada na questão de princípio que decorria da citação que constava do acórdão, e é essa que tenho vindo a discutir - JLP

Percebo o teu ponto, mas ainda assim...

Não acho que tenha a ver com a tónica do artigo. Uma falsidade repetida mil vezes torna-se verdade. E esta falsidade em particular foi transmitida por inúmeros blogues e jornais. Não fui suficientemente corrigida e a ideia que paira é que a notícia do Público era verdadeira, o que é falso. O problema é o de se estar a transmitir uma falsidade.