2007/04/11

Da liberdade de imprensa

Deverá ser permitido a um jornal publicar a descrição detalhada de um acto sexual entre duas pessoas, identificando-as, se conseguir provar a sua veracidade?

23 comentários:

Vítor Jesus disse...

depende: há alguma diferença entre dois indivíduos e um clube de futebol?

Anónimo disse...

depende: há alguma diferença entre dois indivíduos e um clube de futebol? - Vítor Jesus

Quanto ao post do Carlos, é óbvio que tem toda a razão. Não se percebe por que razão a veracidade de uma notícia afastaria por si só a ilicitude de um acto que mancha a reputação de uma pessoa física ou colectiva.

Quanto ao comentário do Vítor:

- são atribuídos direitos de personalidade às pessoas colectivas por razões diferentes daquelas que levam à protecção dos direitos de personalidade de pessoas físicas. A verdade é que pela protecção do bom nome de uma sociedade comercial, por exemplo, se protege a sua viabilidade como empresa. Se um jornal pudesse publicar notícias que noticiassem a insolvência de uma empresa quando esta até estava a pagar aos credores e se encontrava de boa saúde financeira, então ninguém mais emprestaria dinheiro ou celebraria contratos com essa empresa. Proteger o bom nome de uma pessoa colectiva é proteger a sua finalidade: a de satisfazer interesses legítimos (fazer lucros, fazer caridade ou o que quer que seja) de pessoas físicas, nomeadamente de sócios, administradores, fundadores, etc...

É por isso que os ordenamentos jurídicos da generalidade dos países protege o bom nome, quer de pessoas físicas, quer de pessoas colectivas.

JLP disse...

"Deverá ser permitido a um jornal publicar a descrição detalhada de um acto sexual entre duas pessoas, identificando-as, se conseguir provar a sua veracidade?"

Deve. A obrigação de zelar pela privacidade (contra poderes e meios não coercivos) é de cada um.

Fora do domínio da propriedade de cada um, e mesmo nesta se o indivíduo não usar dos meios que ache necessários e suficientes, todos estão expostos à devassa, quanto a mim legítima.

Se eu decidir ter relações sexuais na Avenida da Liberdade, é uma decisão livre minha (apesar de provavelmente ir preso ;-) ), assim como qualquer um deve ser livre de a relatar e de publicar informação sobre ela.

Em casa, se eu tiver sexo de janelas abertas, qualquer pessoa tem o direito de me fotografar e publicar as fotos.

Anónimo disse...

Claro que não deve ser permitido.

A liberdade de imprensa tem limites, como se sabe. Um desses limites é a reserva da vida privada - familiar e sexual - dos indivíduos. Outro é o respeito do segredo de justiça. E assim por diante.

Mas a vida financeira não faz parte da vida privada. São coisas diferentes. E, além disso, empresas não são indivíduos.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Há outros limites, como o direito à imagem. Em geral, as pessoas têm o direito a que fotografias delas não sejam publicadas sem sua autorização, exceto quando se trate de figuras públicas e quando a imagem tenha sido colhida numa ocasião pública.

Isto a mim parece-me a modos que elementar, e não vale a pena ser discutido. São casos diferentes.

LL

Anónimo disse...

"Em casa, se eu tiver sexo de janelas abertas, qualquer pessoa tem o direito de me fotografar e publicar as fotos."

Curiosamente, está em propriedade privada, não pública...



Carlos: pelo menos desta vez, estamos de acordo ; )

Anónimo disse...

"A liberdade de imprensa tem limites, como se sabe. Um desses limites é a reserva da vida privada - familiar e sexual - dos indivíduos. Outro é o respeito do segredo de justiça. E assim por diante."

Curiosamente, ontem o Luis Lavoura afirmava:
"Liberdade de dizer mal implica liberdade de prejudicar. Não há liberdade de expressão enquanto as leis anti-difamação não forem abolidas"

Qual a posição então? Liberdade de expressão é um direito absoluto ou não?

Anónimo disse...

"Vítor Jesus said...
depende: há alguma diferença entre dois indivíduos e um clube de futebol? "


Há uma: um clube de futebol não pode ser fotografado a ter sexo!!! : )

Anónimo disse...

snowball,

a liberdade de expressão e de imprensa não são direitos absolutos. Aquilo que eu escrevi foi que contesto a existência concreta das leis anti-difamação como forma de limitar essas liberdades. Não contesto outros limites às liberdades de expressão e de imprensa. Nunca contestei a necessidade do segredo d justiça - justificado pela necessidade de proteger e permitir o progresso da investigação, nunca pela "necessidade" de proteger o bom-nome dos arguidos. Também não contesto o direito à imagem, nem o direito à privacidade sexual e familiar. Contesto, sim, o "direito" ao bom-nome. Considero que esse "direito" é classista, na medida em que na prática só serve para proteger os poderosos, isto é, é um "direito" que não se aplica uniformemente a toda a gente. E considero que esse "direito" serve na prática de forma intolerável para impedir todo um conjunto de expressão de relevante interesse público e político.

Luís Lavoura

JLP disse...

""Em casa, se eu tiver sexo de janelas abertas, qualquer pessoa tem o direito de me fotografar e publicar as fotos."

Curiosamente, está em propriedade privada, não pública..."

Sim, mas quem tira a foto está em local público. Quem quiser privacidade fecha a janela.

Anónimo disse...

"Contesto, sim, o "direito" ao bom-nome. Considero que esse "direito" é classista, na medida em que na prática só serve para proteger os poderosos, isto é, é um "direito" que não se aplica uniformemente a toda a gente." Luis Lavoura

Ok, compreendo o que diz, mas nesse caso acho que é apenas uma confusão de conceitos, e de perceber quando se aplica a lei actual. Porque a lei actual apenas diz que ainda que um facto seja verdadeiro, é preciso mostrar que existe um interesse em comunicá-lo que não seja o puro desejo de destruir a reputação do outro.

E esse interesse avalia-se de acordo com as condicionantes. Se o Sr. tiver uma amante, é aceitável que eu conte isso à sua mulher, amigos, conhecidos. Mas não sendo uma figura pública (e particularmente não sendo a sua vida alvo de qualquer comentário público), qual a justificação para partilhar o mesmo facto no "Jornal Nacional". Há imensa gente com amantes, porque denunciá-lo especificamente?

Se fosse ao José Castelo Branco era diferente. Ou ao Sócrates.

Mas que sentido faria o Público publicar uma reportagem sobre a minha licenciatura acusando-me de ter aldrabado tudo?

A lei protege contra ataques arbitrários (ver tb o meu comentário na caixa acima).

P.S. De qualquer forma, gostaria de justificar que a minha intervenção no comentário anterior teria por objectivo criticar a forma como por vezes somos demasiado radicais na forma como expomos as ideias, correndo o risco de não ser compreendidos e, pior, não conseguir fazer passar a mensagem pretendida

Anónimo disse...

"Sim, mas quem tira a foto está em local público. Quem quiser privacidade fecha a janela." - JLP

E se só fosse possível tirar a foto com uma câmara telescópica e com infravermelhos?

E se bastar infravermelhos para conseguir perceber o que se passa dentro do quarto? E se em vez disso o jornalista estiver a escutar às paredes (usando ou não meios tecnológicos).

Ou seja, e se as pessoas tomarem todas as precauções razoáveis (fechar janelas e persianas, fazer pouco barulho, ...) e ainda assim o jornalista conseguir a informação. Deve esta poder ser publicada? Não terá esta informação sido "roubada"? Deve a nossa vida privada poder ser exposta como pornografia? Ou a a vida privada é pertença de cada um?
E em público, terá alguém o direito de nos seguir, de nos espiar (bem diferente de obter a informação porque estava de passagem)? Terá alguem o direito a perseguir-nos de forma contínua, vendendo o conteúdo da nossa vida privada a terceiros,e sendo tudo o que fazemos em público registado, tornando a vida de cada um insuportável?

Não será isso uma "nacionalização" da vida privada?

E terá alguém o direito de expor apenas as nossas falhas, omitindo as nossas qualidades?

E não teremos qualquer mecanismo (legal) para parar com isso?

Não pertence a vida de cada um, a si próprio?

E se for um menor, também pode ser perseguido da mesma forma?

É o voyeurismo um direito? E pelos vistos inafastável?

Ou estaremos a recusar-nos a pensar?

Anónimo disse...

Boas perguntas do Snowball. Penso que estas "posições de força" que muitas vezes são assumidas na blogosfera são tributárias da ideologização do pensamento. Mesmo em relação às coisas mais comezinhas há uma certa falta de razoabilidade que atribuo a esse fenómeno. Qualquer dia discutimos que cereais é que um liberal ou um socialista podem comer sem atraiçoar a respectiva ideologia...:)

JLP disse...

"E se só fosse possível tirar a foto com uma câmara telescópica e com infravermelhos?"

Cada um valoriza o valor (passo o pleunasmo) que dá aos seus segredos e à sua propriedade, optando pelos meios necessários para a proteger. Se acha que vai ser "lido" termicamente, tem que precaver os locais onde acha que tal o vai comprometer para que essa leitura seja dificultada ou impossível.

Assim como se o snowball tiver uma joia preciosa não a põe em cima de uma mesa em casa e a colocará provavelmente num cofre, ou achando que tal não é seguro na sua casa, a porá num cofre de um banco, assim compete a cada um zelar e investir na preservação da sua privacidade e do que não quer partilhar.

"Terá alguem o direito a perseguir-nos de forma contínua, vendendo o conteúdo da nossa vida privada a terceiros,e sendo tudo o que fazemos em público registado, tornando a vida de cada um insuportável?"

Quanto a mim sim. As pessoas, fora do domínio da sua propriedade, não têm (na minha opinião, naturalmente) direito absoluto à privacidade. Compete-lhes zelar pelo nível de privacidade que desejam. Se não querem ser seguidos ou fotografados nos trajectos, contratam limusines com janelas fumadas, e/ou várias idênticas para servir de engodos, e/ou reservam os seus actos comprometedores para os seus domínios. Naturalmente, salvaguardando os excessos que se possam manifestar por violação da integridade física e de movimento, que poderão ser enquadradas na tipificação de assédio.

"Não será isso uma "nacionalização" da vida privada?"

Não. É tão somente uma consequência da delimitação da esfera de influíncia de um indivíduo.

"E terá alguém o direito de expor apenas as nossas falhas, omitindo as nossas qualidades?"

Sim. Ninguém deverá ter o direito de condicionar o a maneira como terceiros nos representam (baseando-se em factos).

"Não pertence a vida de cada um, a si próprio?"

Sim. E como tal é também o principal responsável em preserval os moldes em que a quer viver.

"E se for um menor, também pode ser perseguido da mesma forma?"

No caso de um menor, a única diferença será que a responsabilidade funcional de implementar os meios que limitam a visibilidade dos seus actos recairá sobre os sues tutores legais.

JB disse...

Não. É tão somente uma consequência da delimitação da esfera de influíncia de um indivíduo - JLP

O que é que impede então o Big Brother?

JB disse...

Sim. Ninguém deverá ter o direito de condicionar o a maneira como terceiros nos representam (baseando-se em factos). - JLP

Porquê só se baseado em factos? Por que não em mentiras? Se se trata de condicionar a maneira como terceiros nos representam, então o direito não deve existir tout court.

JLP disse...

"O que é que impede então o Big Brother?"

Tudo o que referi até agora é somente válido para indivíduos, não para o estado.

Este último, pelo facto de ter o monopólio do poder coercivo e de poder, portanto, agir para além dos limites que referi anteriormente não deve poder ter essa liberdade e capacidade.

JLP disse...

"Porquê só se baseado em factos? Por que não em mentiras? Se se trata de condicionar a maneira como terceiros nos representam, então o direito não deve existir tout court."

Porque as verdades são válidas por si só, enquanto as mentiras poderão depender da maior ou menor capacidade que o seu destinatário tenha de as desmentir. Enquanto a verdade serve como mecanismo nivelador de quem a afirma e de quem é alvo dela, a mentira pode ser fonte de mecanismos de coacção encapotada.

JB disse...

Este último, pelo facto de ter o monopólio do poder coercivo e de poder, portanto, agir para além dos limites que referi anteriormente não deve poder ter essa liberdade e capacidade. - JLP

Basta teres uma organização qualquer privada que tenha o poder de o fazer (i.e, vigiar toda a gente constantemente) para já viveres numa sociedade totalitária.

Caro João, não obrigado...:)

JLP disse...

"Basta teres uma organização qualquer privada que tenha o poder de o fazer (i.e, vigiar toda a gente constantemente) para já viveres numa sociedade totalitária."

Pois. Mas a questão é que nenhuma organização privada deve ter esse género de poder coercivo.

O estado, por ter esse poder, não o deverá poder fazer. Os privados, podendo-o fazer, não deverão ter esse poder coercivo.

Snowball disse...

"Pois. Mas a questão é que nenhuma organização privada deve ter esse género de poder coercivo."

Não há qualquer poder coercivo. É só dinheiro para câmaras.

"assim compete a cada um zelar e investir na preservação da sua privacidade e do que não quer partilhar."

É portanto, meu dever, comprar um bunker para poder ter privacidade? E se não tiver dinheiro para isso. Ah, nesse caso não tenho direitos, ok.

"Se não querem ser seguidos ou fotografados nos trajectos, contratam limusines com janelas fumadas, e/ou várias idênticas para servir de engodos, e/ou reservam os seus actos comprometedores para os seus domínios."

Mais uma vez, parece-me que estou a falar com um multi-milionário.

Sinceramente, esta discussão já chegou claramente ao nível da imbecilidade. Que tal reler tudo o que foi escrito.

JLP disse...

"Não há qualquer poder coercivo. É só dinheiro para câmaras."

O que estou a dizer é que o estado, por ter esse poder coercivo (por exemplo, de invadir a propriedade privada, ou de impor judicialmente a divulgação de chaves criptográficas) não deve dispor dessa capacidade de o usar para vigiar os cidadãos. O que não inviabiliza, quanto a mim, que quem não tenha esses poderes, tenha a legitimidade de o poder fazer.

"É portanto, meu dever, comprar um bunker para poder ter privacidade? E se não tiver dinheiro para isso. Ah, nesse caso não tenho direitos, ok."

Pode sempre mudar-se. Cada um dá o valor que dá à sua privacidade. Como lhe disse acima, se tiver algum objecto valioso, se calhar já acha que merece a construção desse bunker. A privacidade deve ser valorizada desse exacto mesmo modo.

Além de que, como lhe disse acima, não considero o "bom nome" ou a "reputação" direitos.

"Sinceramente, esta discussão já chegou claramente ao nível da imbecilidade. Que tal reler tudo o que foi escrito."

Não estou a ver por quê. O caro snowball é que me parece algo mal preparado para ela. Afinal, nem sabia que a injúria e a difamação são crimes...

Snowball disse...

"Além de que, como lhe disse acima, não considero o "bom nome" ou a "reputação" direitos."

Também não. Mas considero que, em certa medida, a vida de uma pessoa
constitui propriedade privada. Pelo que deve ser defendida.
Aliás, como o jlp disse, a privacidade tem valor. Esse valor deve ser respeitado, e não destruido por terceiros de forma arbitrária.

Comparo a exposição pública a uma expropriação. Só pode ser feita quando houver justificação suficiente.

"Pode sempre mudar-se."
Também pode o meu perseguidor.

"Afinal, nem sabia que a injúria e a difamação são crimes..."
É verdade, mas isso não invalida qualquer dos meus argumentos.
O meu ponto é que o jlp defende um mundo onde alguém poderia tornar a minha vida insuportável, e eu não teria nenhum meio (legal, porque o espancamento é ilegal, mesmo nessas situações ;)) para me defender. O que não me parece sensato ("insensato" é uma palavra mais adequada que "imbecil"...)