2007/03/26

Rescaldo da Grande Noite Lusitana

Interpretação de resultados versão naif:

Os portugueses continuam a ser excessivamente saudosistas e sebastiânicos.
Perdemos a memória e o respeito pelos mártires da ditadura e da pobreza.
A educação democrática tem sido um rotundo falhanço.

Interpretação de resultados versão literal:

60% dos votantes escolheu dois seres execráveis como seu português favorito.
População assim merece os políticos corruptos que tem.
Salazar até pareceu um homem impoluto, ao passo que Cunhal era um grande artista.

Interpretação de resultados versão conspiracionista:

Há aqui um voto de grande revolta contra o paraíso prometido e não cumprido.
A insegurança do capitalismo global evoca saudade da paz, da tranquilidade e do respeito de outros tempos.
Caíram as máscaras da direita autocrática disfarçada de conservadora.

Interpretação de resultados versão alterglobalizadora:

A promoção do fascismo é crime. Falar de Salazar é uma nódoa indelével.
Este tipo de concursos é uma palhaçada, que permite um tipo de resultados muito distante da realidade.
É uma vergonha a televisão pública desviar as atenções dos portugueses dos assuntos realmente importantes como o aquecimento global, o combate ao imperialismo americano, as alternativas ao neoliberalismo selvagem.

Interpretação de resultados I don't give a damn, and you fuckin' analists don't know shit about what you're talking about:

A infinita sabedoria popular não resiste a molestar a classe política e mediática, sempre que surja uma oportunidade para tal.
O melhor exemplo de superação de um trauma reside na possibilidade de rir, fazer rir e embaraçar o próximo à custa dele.
A competição tende a arregimentar diferentes sensibilidades em torno de um objectivo comum, mesmo que medíocre.

E, gostava de acrescentar, em tom pessoal, que me choca e enoja a escolha de Salazar per si. Não me surpreende que seres esclarecidos tenham nele votado a fim de impedir a vitória de Cunhal. Aristides reflecte bem o nacional porreirismo - desprovido de sentido global, recheado de fogacho humanista.

8 comentários:

Anónimo disse...

gostei do comentário pessoal! e o resto da análise também estava interessante.

SMP disse...

Não concordo quanto a Aristides de Sousa Mendes; o nacional porreirismo é uma instituição portuguesa, é certo, mas muito mais português é o salvar da pele. Então na função pública, essa outra instituição toma foros de vaca sagrada. Contam-se entre os dedos das mãos aqueles funcionários públicos que, desde o tempo de Aristides, seriam capazes de cumprir um ditame da consciência (ou afrontar de qualquer forma a ordem vinda de cima, mesmo por razões menos nobres que a consciência ou a justiça) correndo o risco de perder o lugarzinho seguro que o Estado lhes assegura.

Pedro Javier Mazzoni disse...

Mas será que já ninguém neste país entende de estatística?
Será que em vez de debater quem é para os portugueses o maior português, ninguém fala em amostras auto seleccionadas?
É que este método usado neste caso, nada de científico tem...

Pedro disse...

O texto está interessante e com graça, mas realmente, como bem já noutou a SMP, acho completamente desajustado o comentário a Aristides de Sousa Mendes. O nacional porreirismo nada tem a ver com o salvar de milhares de vidas, em plena consciência de uma desobediência grave cujas consequências (mais que sabidas) seriam a plena miséria.

Pedro disse...

Já agora acrescento que a mim nem me enoja nem choca a vitória do Salazar. Aliás nem surpreende muito, tendo em consideração o que têm sido estes 32 anos de "democracia". O que me vai enojando é estes concursos imbecis, de voto via SMS, promovidos a sugfrágio universal.

JB disse...

Concordo com a Sandra.

No resto, gosto do post.

Cirilo Marinho disse...

PJM:
Eu entendo o necessário. Mas, para já, discuto sobre o que me apetece, sem solicitar chancela académica.

Pedro:
Estava consciente das fragilidades do concurso, comentei com base nessa premissa. Em certa medida o post tenta relativizar as interpretações excessivas de um mero passatempo.

Para mim, Salazar será sempre enojante, seja em que contexto for. Mas concordo que a votação não surpreende.

Sandra (e Pedro):

Nacional-porreirismo não é termo pejorativo. E referia-se quer ao diplomata e quer aos seus votantes.

Em relação a Aristides S.M.: Deve-se ao erro de regressar a uma vida miserável (previsível), sem participação pública, sem denúncia, sem constância nesse desapego e nessa coragem que voçês focaram.
Andava muita gentinha pelas prisões e a apoiar Humberto Delgado, por exemplo. Claro que o contexto era difícil. Mas Cunhal também esteve 11 anos em Peniche.
Contudo, esta constatação não desmerece a grandeza do gesto.

Em relação ao público:
Deve-se ao facto de ter exagerado a relevância do gesto referido, à luz do contexto e dos números (vergonhosos) de refugiados e de mortos na WWII, e em comparação com a dimensão histórica da nação portuguesa.
Acho que acaba por ser uma condescendência piegas, mesclada de desconhecimento e de falta de sentido da proporcionalidade.

Cirilo Marinho disse...

Sorry Zé.

Já tinha respondido.