2007/03/21

O estado, sempre amigo dos consumidores

Online music store CD-Wow has been found in contempt of court for selling illegally imported cheap CDs in the UK.

[...]

Record companies complained that the site broke a deal not to buy cheap CDs in places like Hong Kong and re-sell them in the UK without permission.

The music industry trade body, the British Phonographic Industry (BPI), said the ruling sent a warning to other companies that imported CDs from outside Europe.

"The BPI will be using this judgment to ensure that no other company unfairly undermines legitimate retailers in the UK that are trading successfully and respecting the law," BPI lawyer Roz Groome said.

BBC News.
Os produtores de conteúdos de áudio e video exploram há muito um esquema de cartelização geográfico da venda dos seus produtos. Desde as zonas dos conteúdos em DVD, passando por edição de produtos com timings específicos em cada um dos mercados, não se vá estragar o negócio de clubes de vídeo, da venda directa ou dos cinemas. Além disso, as próprias assimetrias de níveis de vida fazem com que essas empresas optem por vender nas várias regiões do Mundo produtos com preços adaptados aos mercados locais. É sua opção.

Já grave é os estados patrocinarem mecanismos legais que defraudam a própria noção de aquisição de um produto, da concorrência e do direito de autor, numa clara estratégia de protecção dos interesses comerciais dessas empresas e de penalização dos interesses dos consumidores.

Quando essas empresas optam por vender o seu produto em Hong-Kong, fixam o preço que acham legítimo e justo e que recompensa os direitos autorais que optam por licenciar. Não poderão depois argumentar, pelo facto de que esse CD ou DVD é transportado para outra paragem, ou de que este é subsequentemente vendido, que passam a ter direitos de limitar o seu uso pelo último comprador (salvaguardando-se naturalmente que não há cópias privadas intermédias).

O facto de eu comprar uma máquina fotográfica num país, de a vender a um terceiro e de este a trazer para o Reino Unido, salvaguardando eventuais despesas alfandegárias, não confere direitos à marca, que porventura seja representada no Reino Unido, sobre esse produto. Porque é que tal acontece nos CD e DVD?

O que se assiste, portanto, é a um mecanismo de agressão da concorrência, legítima, nos circuitos de distribuição, com o claro e frontal patrocínio do estado.

6 comentários:

SMP disse...

Não é bem como dizes, nem no que diz respeito ao direito de autor, nem no que diz respeito às marcas. O problema a que te referes é tratado sob a designação de esgotamento dos direitos de propriedade intelectual. Grosso modo, responde (ou, no caso concreto, mais vezes não responde) ao problema de saber se a primeira venda do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou o primeiro uso da marca, com o consentimento do titular, esgota o direito de controlar a revenda de tal objecto (em que s eincorpora o direito de autor ou em que é usada a marca) dentro de uma determinada região.
Os tratados internacionais deixam na maioria dos casos aos próprios países a opção pelo modelo de esgotamento que querem seguir, justamente porque a questão é das mais polémicas da PI e nunca conseguiria reunir consenso.
Grosso modo, a tendência actual no seio da UE é para defender o esgotamento comunitário (o titular do direito não pode controlar a revenda depois do primeiro acto), mas para contrariar o esgotamento internacional (mal passe as fronteiras da UE reganha esse direito).
Não é uma questão fácil e nem sequer estou certa de estar em condições de a explicar convenientemente. A primeira vez que ma expuseram, achei que este esquema em "semáforo" ajudava muito.
É claro, as considerações substanciais do teu post mantêm-se defensáveis; mas a lei suporta a visão contrária.
Além de que, a este esquema legal acresce tudo o resto que venha a ser definido contratualmente...

JLP disse...

Sandra,

Eu não digo que acho que a lei está a ser violada pelas empresas. O que digo é que os estados dão cobertura legal a esta situação, claramente previlegiando as empresas em deterimento dos consumidores, e quanto a mim pervertendo o espírito quer do direito de propriedade (principalmente em relação ao princípio de first sale), quer o próprio espírito do direito de autor.

Eu não acuso as empresas por estarem a defender os seus direitos. Acuso sim os estados de lhes dar cobertura.

O endereço que mandastes é bastante interessante. Também demonstra, quanto a mim, o nível de proteccionismo às empresas que é feito.

Quanto a mim, a perspectiva de que a importação fora dos "canais da marca" de produtos que foram adquiridos legitimamente e em que foi pago o preço legitimamente estabelecido por essas empresas possa ser apresentado como situação de diluição da marca, é absolutamente surreal.

SMP disse...

A questão é que os Estados não estão a dar cobertura às empresas, pelo menos não só, estão a fazer cumprir os direitos que a lei dá àquelas. Qualquer crítica tem por isso que ser dirigida à lei (ou se preferires ao Estado, mas apenas como legislador - e isso é que não ficou claro no post), a menos que prefiramos um Estado que faça ou não cumprir a lei consoante critérios de oportunidade.

JLP disse...

Clarifico então: estava a referir-me ao estado como legislador! ;-)

SMP disse...

:) Está clarificado! Todavia, um destes dias ainda podemos ter aqui uma interessante discussão sobre algumas razões ponderosas que podem ser utilizadas para defender o princípio do não esgotamento em determinados casos...

JLP disse...

Venha ela! :-D