2007/01/16

Leviatã em roda livre

O Governo alemão anunciou hoje que vai propor legislação da União Europeia contra actividades e símbolos neonazis.

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Entre as medidas defendidas por Berlim conta-se a proibição, por directiva europeia, em toda a UE, da utilização e exibição de símbolos nazis, como a cruz suástica, à semelhança do que acontece na Alemanha.

Público Última Hora.
Quando a Lei se tenta meter com a liberdade de expressão, com a crítica, e com os revisionismos históricos, dá nestas coisas. A Alemanha, que aparentemente ia em direcção de uma efectiva paz com a sua história e com os seus erros do passado (veja-se o excelente A Queda ou a recente sátira feita por um realizador judeu alemão a Hitler), mete travão a fundo e pretenda extender a sua lei interna que proíbe a negação do holocausto e a exibição de simbologia nazi a uma proibição a nível europeu desses símbolos. Pior do que a perpetuação de uma cedência ao politicamento correcto, que apesar de tudo seria compreensível mas não aceitável no seio da Alemanha, a medida insere-se numa tendência generalizada de, subtilmente e com passos contidos, se limitar por uma ou outra razão a liberdade de expressão.

A ideia de condicionar a liberdade de expressão e a opinião das pessoas por via legislativa é um erro grave que não faz mais do que alimentar a fogueira dos revisionistas, subitamente transformados em arautos da liberdade ou em defensores de dúvidas metódicas. A refutação desses argumentos, simbologias e comportamentos não se faz por via da Lei, mas sim por demonstração e por defesa das diversas provas e testemunhos das suas consequências e dos seus factos. A ilegalização dessas temáticas pura e simplesmente remove da esfera do público a discussão e a possibilidade de se esmagarem os revisionistas no campo da História, dos factos e dos argumentos, criando uma nova simpatia de muitos pelos que engrossam essas fileiras, subitamente tranformados em opositores do "sistema", em defensores de "verdades inconvenientes" e, no fundo, criando plataformas mediáticas para a projecção dos comportamentos e simbologias que se tentam eliminar por via administrativa.

Além disso, fica a dúvida de sempre: será que os proponentes alemães da medida defendem a reciprocidade, ou seja defendem também que seja banida a simbologia e a negação da História da extrema-esquerda e do Comunismo? É que não faltaram, concerteza, entre os países agora membros de pleno direito da União e antes inquilinos da Cortina de Ferro, uma vontade semelhante em banir a mensagem dos herdeiros do passado que os teve em jugo de rédea curta, com danos aos seus em tudo semelhantes aos que se anunciam como motivadores da iniciativa alemã.

Mas, também grave é o constatar de outra tendência, que é a de conferir à União Europeia um poder no domínio criminal que esta não tem, e que muitos dos seus membros não lhe reconhecem. A tentação de extender o domínio da UE, e nomeadamente da Comissão, ao domínio criminal não é uma tentação de hoje. Já foi encetada e é o prelúdio de um futuro ao qual parece que não conseguimos fugir, que é o de uma UE com vida própria e, principalmente, em rédea solta e perdida numa espiral progressista. Uma Comissão que há muito abdica da sua função de gestão corrente e herdeira de uma legitimidade intergovernamental para ditar de sua vontade, mesmo quando esta, à semelhança do que aconteceu no caso concreto, vá contra, mais do que a vontade de um grande número de países, à propria perspectiva que estes têm do seu mandato e das suas competências.

O sonho napoleónico e centralista de alguns corre a pleno vapor. Os erros da História vão-se repetindo. Enquanto vamos cantando e rindo, observando um projecto originário de Liberdade e de remoção de fronteiras tornar-se num novo projecto totalitário de subjugação feita nas costas dos cidadãos europeus à imagem das mentes iluminadas do directório.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Uma Comissão [Europeia] herdeira de uma legitimidade intergovernamental"

Numa democracia, a legitimidade deve sempre emanar do povo.

A legitimidade da Comissão Europeia não pode, numa democracia, emanar de governos. Tem que emanar do povo.

Luís Lavoura

JLP disse...

Caro Luís Lavoura,

A União Europeia não é um estado. É uma organização supra-nacional, constituida no interesse dos signatários dos tratados que lhe deram origem e colocada ao seu serviço, enquanto este aprouver aos signatários.

Como tal, a representatividade democrática não é nada chamada ao barulho. Existem diversas outras instituições internacionais nas quais Portugal participa em que nem os orgãos que as presidem têm qualquer legitimidade democrática, nem há representação democrática de Portugal para além de uma relação inter-governamental.

A Comissão Europeia não deveria ter por si só, qualquer legitimidade, limitando-se a ser um gestor corrente das decisões dos estados membros. Quando esta se assume como um orgão de poder, e se arroga de agir à revelia dos estados que acordaram no seus estatuto, e quando se arroga a intervir em questões fora da mera relação entre estados ou no cumprimento de compromissos assumidos por estes, passamos a falar de uma clara usurpação de poder.