2006/12/11

Estado de Direito



Escreve Luis Lavoura, no Speakers Corner Liberal Social, sobre a problemática do "lixo processual", ou seja, ao facto de os tribunais se encontrarem entupidos de causas relativas à cobrança de dívidas por parte de empresas e instituições financeiras:

É, pois, altura de o Estado exigir que as empresas concedam crédito de forma responsável, apenas quando os clientes apresentem provas sólidas de que podem pagar, ou em troca de colateral. As empresas têm, naturalmente, a liberdade de gerir os seus negócios - mas a liberdade exige tambem a responsabilidade de não terem que recorrer sistematicamente ao Estado quando as coisas correm para o torto.
A posição de Luis Lavoura revolve em torno de um problema generalizado do nosso estado, bem como de outros "estados sociais", em que sucessivamente, em face de se começar a não conseguir sustentar financeiramente os desvarios de um estado metido em todo o lado e em todas as relações sociais, começa a cortar nas diversas funcionalidades e "direitos". A tendência seria boa, porque redundaria possivelmente num downsizing da dimensão do estado, não fosse o facto de, na ânsia (ou melhor, no desespero) de cortar, não se começasse a entrar na carne das funções essenciais de um estado mínimo, e desse modo perverter o próprio contrato mais simples e espontâneo com o estado. É este o caso do "lixo processual" ou das bagatelas jurídicas.

Umas das funções básicas e consensuais do estado, na materialização de um Estado de Direito, é o de ser o garante dos contratos, através do seu monopólio do poder coercivo. Ora os contratos de crédito ou de prestação ou fornecimento de serviços não podem ser contratos de segunda. Aliás, num estado de direito, não deverá haver contratos de primeira e de segunda. No nosso caso, através do Código Civil, foi por iniciativa do estado consagrado um conjunto de requisitos e de preceitos relativamente aos contratos que este não se pode agora demarcar de fazer cumprir, só porque não consegue garantir a operacionalidade desse cumprimento. Se não o consegue fazer, isso é um problema funcional que terá que resolver, não sacrificando para isso as questões de princípio que estão por detrás.

Além disso, no caso concreto do sector financeiro, este trata-se de um dos sectores da economia mais fortemente regulados, quer por legislação avulsa, quer pela intervenção regulatória do Banco de Portugal. Foram impostas aos bancos condições para ter uma porta aberta e nos termos em que podem fazer negócio para as quais não se querem dar as respectivas contrapartidas em termos de segurança jurídica para poderem exercer o seu trabalho.

É que, quando o Luis Lavoura refere que o crédito deveria ser assegurado por garantias reais dos seus titulares, esquece-se que um dos problemas jurídicos levantados é exactamente o da execução dessas garantias caso o titular do crédito não consiga vir a cumprir para com as suas obrigações contratuais. Está o Luis Lavoura disposto (e principalmente, ciente de onde se está a meter) a transferir competências de processo executivo do estado para privados? É que, mesmo passando a parte da decisão relativa ao processo para o domínio do direito privado e dos tribunais arbitrais, a competência executiva (ou a fiscalização das garantias) é uma tarefa que julgo dificilmente será defensável que saia da alçada do estado.

Também se esqueçe que o problema (ou, nas suas eventuais palavras, o "abuso") será tanto das empresas que recorrem aos tribunais para defenderem os seus interesses, como será daquele que sistematicamente fogem aos compromissos que estabeleceram no passado, protegidos por um véu de impunidade patrocinado pelo estado. De quem faz crédito com "prazo extra", com a noção do tempo que aquele com que negociou passará em tribunal até conseguir ser justamente ressarcido (se o chegar a ser).

Mas, porventura mais grave do que tudo o que foi enunciado, são as repercursões espectáveis do que o Luis Lavoura está a sugerir. Basicamente, a consequência principal seria o aumento do risco da actividade bancária. Ora, face a este aumento, os cenários espectáveis seriam vários. Um seria a transferência (face à confirmada dificuldade em cobrar dívidas) do risco para os "clientes seguros", ou seja, o conjunto de "eleitos" que fossem capazes a partir dessa altura de conseguir um crédito, com os associados aumentos das margens e generalizado aumento do custo do dinheiro Outro seria a natural redução da disponibilidade de crédito, limitado aos poucos que conseguissem dar as garantias solicitadas, perdendo-se o efeito multiplicador do dinheiro que os bancos têm na Economia. Além disso, uma vez que a apetência pelo consumo e pelo risco é intrínseca ao ser humano, a apetência pelo crédito não iria desaparecer. Antes, assitir-se-ia a um crescimento de mecanismos informais (e eventualmente mais ou menos criminosos) de concessão de créditos, aqueles em que as garantias são muitas vezes cobradas recorrendo aos utensílios acima e às rótulas dos devedores.

Não sei se o Luis Lavoura prefere uma sociedade de agiotas ao presente cenário relativo ao crédito, mesmo que as repercurssões desse facto só digam respeito ao "próximo", dada a informação de que não recorre (aliás, como eu não recorro) ao crédito.

Eu, por mim, prefiro uma sociedade em que os compromissos estabelecidos entre as pessoas valem alguma coisa, e em que o estado zela pela defesa dos interesses associados a esses compromissos. Quaisquer que sejam.

Afinal, são estas as prerrogativas de um Estado de Direito.

27 comentários:

Anónimo disse...

"foi por iniciativa do Estado consagrado um conjunto de requisitos e de preceitos relativamente aos contratos que este não se pode agora demarcar de fazer cumprir"

Certamente que não.

Mas pode a qualquer momento alterar esses requisitos e preceitos, tornando-os mais restritivos, isto é, deixando de dar cobertura legal a certo tipo de contratos.

E isto nada tem de novo. Ainda recentemente o Estado, que tinha os tribunais afogados em processos de cheques sem cobertura, fez uma coisa muito simples: diminuiu as garantias legais dos cheques.

Mas, em minha opinião, ainda não diminuiu o suficiente. Nos EUA, por exemplo, os cheques não têm, basicamente, garantias legais absolutamente nenhumas. Se há um cheque sem cobertura, esse cheque não é pago e quem deu um recibo em troca dele fica a arder, para aprender a não dar recibos antes do tempo.

No Reino Unido há pessoas que, para terem água quente em casa, têm que meter uma moeda num contador colocado à entrada da porta - mais ou menos como se mete moedas nos telefones públicos, ou nos parquímetros. Só têm gás enquanto o tiverem pagado. Se não meterem mais moedas, o gás não sai e as pessoas têm que tomar o duche frio. É claro que, nessas circunstâncias, as pessoas não ficam a dever dinheiro à companhia do gás e, consequentemente, esta não tem que pôr processos em tribunal.

Eu não faço chamadas de telemóvel que não estejam previamente pagas. Não vejo porque é que há pessoas com dívidas às companhias de telemóveis: estas podem perfeitamente, se o desejarem, cortar a conexão a quem não tiver previamente pagado por ela. O Estado deveria pois deixar de dar cobertura a dívidas de clientes de telemóveis.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

"Está o Luis Lavoura disposto a transferir competências de processo executivo do estado para privados?"

Certamente que não.

Mas suponhamos uma pessoa que vende um frigorífico a crédito em troca de nada.

Se a dívida não é paga, tem que ser o Estado a ir à procura dos bens do devedor e a penhorá-los.

Ou seja, o esforço e o trabalho é todo transferido para o Estado.

O que se exigiria seria que a pessoa que vende o frigorifico exigisse algum compromisso real em troca. Por exemplo, um compromisso da parte da entidade patronal de quem compra em como essa entidade patronal pagará diretamente ao vendedor, em prestações, o frigorífico, descontando esse dinheiro do salário do comprador.

Caso contrário, não vendia o frigorífico.

O Estado não pode dar cobertura a contratos de crédito que são feitos apenas em troca da assinatura do comprador, sem qualquer garantia mais - por exemplo, uma empresa fiadora.

Luís Lavoura

SMP disse...

No Reino Unido há pessoas que, para terem água quente em casa, têm que meter uma moeda num contador colocado à entrada da porta - mais ou menos como se mete moedas nos telefones públicos, ou nos parquímetros. Só têm gás enquanto o tiverem pagado. Se não meterem mais moedas, o gás não sai e as pessoas têm que tomar o duche frio.

Eu até ia comentar o comentário mas, tendo chegado a esta pérola de parágrafo, e compreendido que isto é um vislumbre do mundo em que o LL gostaria de viver, acho que não vale a pena.

Anónimo disse...

SMP,

eu em minha casa, tal como, aliás, a maior parte dos portugueses, tenho um esquentador e um fogão que funcionam com gás de garrafa. Se a garrafa se esvaziar e se eu não tiver outra em casa, fico sem água quente para o duche e sem gás para cozinhar.

Eu, e a maior parte dos portugueses, vivem assim. E não me queixo. E não nos queixamos.

Como é evidente, nem eu nem a maior parte dos portugueses tem dívidas à companhia do gás. Só gastamos gás que já foi pago.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

E mais: vivo com uma família e filhos pequenos nestas condições. E sobrevivemos!!!

Portanto, se a Sandra tem alguma coisa a comentar ao meu comentário, comente por favor. A falar é que a gente se entende.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

A Sandra também não pode ir a uma bomba de gasolina e comprar gasolina a crédito. Nem lhe aceitam, creio, pagamentos por cheque. Se a Sandra quer ter gasolina para andar de carro, tem que, previamente, pagar dinheiro por ela.

Não vejo porque é que o mesmo regime não se há-de aplicar para o gás com que cozinha, para a eletricidade com que aquece o quarto, para o telemóvel e para a internet que usa, etc.

Tudo aquilo que, tecnicamente, pode ser pago antecipadamente, deve sê-lo.

Luís Lavoura

SMP disse...

Dessa sua última asserção, tenho muitas dúvidas, especialmente em questões de cunho ideológico. Mas vamos lá…

O seu exemplo do gás não me maravilhou: uma coisa são as limitações decorrentes da própria natureza do bem em causa, ou da sua forma de apresentação, outra muito diversa é introduzir limitações artificiais com o fim de assegurar que um contrato sinalagmático (contrato bilateral em que a prestação de uma das partes é correspectiva directa da prestação da outra e só por causa dela se justifica) se reduz a um momento único no tempo.
O Direito é uma bela construção mental: é uma abstracção do espírito humano que visou, com o seu aparecimento, justamente evitar que eu só pudesse utilizar gás na minha casa se tivesse trocos para meter na máquina à porta. Na minha esfera jurídica, em vez de desaparecer a moeda, aparece uma obrigação cujo conteúdo é a entrega daquele valor a quem me fornece o gás. E sim, isto sucede para conveniência das partes. De ambas – não apenas da empresa de gás, mas também minha, por isso, e desde logo, sempre seria descabida a sua construção, que imporia às empresas fornecedoras todo o incómodo resultante do modelo de negócio que ambas as partes escolheram.
Mas não é só por isso que o seu modelo me aparece como absolutamente soviético, na falta de melhor expressão. A função de justiça que cabe ao Estado não deve nem pode ser reduzida ao Direito Público. O monopólio do uso da força que o Estado pretende reservar vem com óbvias contrapartidas, sendo a principal delas o dever de assegurar um sistema de mecanismos de compulsão ao cumprimento das obrigações assumidas entre privados. Para que o Estado deixasse de assegurar um tal sistema seria necessário que permitisse aos cidadãos recorrer à justiça privada.
Porque, meu caro, por muitas garantias que sejam dadas, há a pura e simples possibilidade de cada um de nós, na altura X, se recusar a cumprir. A menos que nos queira pôr a todos a efectivar garantias reais no notário de cada vez que quisermos celebrar um contrato banal, pois que só estas asseguram na prática alguma coisa. E mesmo aí, nada garante que o tribunal não tenha de entrar em acção. Escusado será dizer quão prejudicial seria isto para a fluidez da economia. E a fluidez da economia, por muito que se diga, é uma coisa boa.

SMP disse...

Não vejo porque é que o mesmo regime não se há-de aplicar para o gás com que cozinha, para a eletricidade com que aquece o quarto, para o telemóvel e para a internet que usa, etc.

Porque as partes não querem. Porque o normal funcionamento das coisas levou a que os contratos se modelassem tal como hoje são.

Tudo aquilo que, tecnicamente, pode ser pago antecipadamente, deve sê-lo.

Muito liberal, sem dúvida. Mas deve porque as partes querem, ou porque o Luís pensa que deve ser assim?

Mário Almeida disse...

Luis,

Eu também tenho que comprar a garrafa de gás, mas preferia não ter que. :-)

As empresas já compram gasolina a crédito (dado pelas gasolineiras) e se os particulares ainda não (não tenho a certeza que alguma gasolineira não tenha um cartão qualquer, mas fico-me pelas suas palavras) foi porque os cartões de crédito dados pelos bancos fazem o "serviço". Eu apostava que se a emissão dos cartões de crédito fosse reduzida, de imediato as gasolineiras emitiriam elas os seus cartões.


"É, pois, altura de o Estado exigir que as empresas concedam crédito de forma responsável,"

De resto, como é que legislava isto sem recorrer à ingerência na gestão das empresas ?
Os telemóveis teriam que ser todos pré-pagos ?
Os bancos teriam u limite de empréstimo ? Ou as pessoas teriam um limite de endividamento ? Como diz, e muito bem, o JLP, lá viriam os agiotas ...
E a Via Verde, ficava de fora ?

E este discriminação de actividades, seria sequer constitucional ? Quer dizer, pode o estado regular actividades diferentes de forma diferente ?

Anónimo disse...

SMP

"E sim, isto sucede para conveniência das partes. De ambas"

Claro que é para conveniência de ambas as partes. Evidentemente que, se os clientes pedem crédito, e se as empresas o concedem, isto é porque ambos acham que isso é da sua conveniência.

Resta saber se não há custos incomportáveis para terceiros.

E, neste caso, há. Quando o crédito fica malparado, quem suporta os custos daí decorrentes é, em boa parte, o Estado - isto é, os contribuintes na sua totalidade.

Porque é o Estado quem vai ter que ir limpar a merda que outros fizeram.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

SMP

"O monopólio do uso da força que o Estado pretende reservar vem com óbvias contrapartidas, sendo a principal delas o dever de assegurar um sistema de mecanismos de compulsão ao cumprimento das obrigações assumidas entre privados."

Sem dúvida. Mas o Estado não põe esse mecanismo compulsório, nunca o pôs, ao serviço de todo e qualquer contrato, de toda e qualquer obrigação assumida entre privados.

Tal como a SMP, que estudou Direito, sabe muito melhor do que eu, o Estado tipifica na Lei certos contratos a que dá cobertura, e quais as penas inerentes à violação de cada um deles.

O Estado tem todo o direito, tem de facto o dever - porque aquilo que se trata, é da boa administração do dinheiro dos contribuintes - de se recusar a dar cobertura a certos contratos, quando sabe por experiência que se trata de contratos imprudentes.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

"o normal funcionamento das coisas levou a que os contratos se modelassem tal como hoje são"

Não é nada "normal". Se os contratos são como são, é porque o Estado lhes dá cobertura legal.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

SMP

"deve porque as partes querem, ou porque o Luís pensa que deve ser assim?"

Não tem que ser assim. A Sandra pode, se o quiser, emprestar o seu dinheiro a quem quiser. Ninguém tem nada a ver com isso. Desde que se comprometa a, em caso de não lhe devolverem o dinheiro, tratar ela do assunto em privado, sem fazer gastar o dinheiro dos contribuintes para reaver o seu.

Se o Estado deixar de dar garantias a certos contratos, as pessoas poderão, evidentemente, continuar a utilizá-los. Mas fá-lo-ão apenas por sua conta e risco.

Luís Lavoura

SMP disse...

Tal como a SMP, que estudou Direito, sabe muito melhor do que eu, o Estado tipifica na Lei certos contratos a que dá cobertura, e quais as penas inerentes à violação de cada um deles.

De onde é que tirou essa ideia? O Estado tipifica certos contratos, é certo, mas o princípio da liberdade contratual assegura que qualquer contrato pode ser modelado ao gosto das partes, sem que isso implique que deixe de ser enforced pelo Estado.
Não me diga que andava convencido do contrário!

Desde que se comprometa a, em caso de não lhe devolverem o dinheiro, tratar ela do assunto em privado, sem fazer gastar o dinheiro dos contribuintes para reaver o seu.

Tratar eu do assunto? Essa é boa. Pois se eu não posso fazer nada que
não caia da definição de justiça provada proibida por lei! Excepto, talvez, chamar o Coelho Pacifista...

SMP disse...

Se o Estado deixar de dar garantias a certos contratos, as pessoas poderão, evidentemente, continuar a utilizá-los. Mas fá-lo-ão apenas por sua conta e risco.

Isso prova o quê? A teoria do posso, quero e mando? É evidente que as pessoas farão sempre o que encontarem vantagem em fazer, e era suposto o Estado servir a sociedade nessas conveniências.

Anónimo disse...

"era suposto o Estado servir a sociedade nessas conveniências"

Pois, essa é a mentalidade das empresas. Dizerem mal do Estado, mas exigirem que ele as sirva em todas as suas conveniências...

"qualquer contrato pode ser modelado ao gosto das partes, sem que isso implique que deixe de ser enforced pelo Estado"

Muito bem, então suponhamos o seguinte. A Sandra, de cada vez que encontra um pedinte na rua, empresta-lhe 1.000 euros. Assina um contrato com ele em como ele se compromete a devolver-lhe o dinheiro em suaves prestações mensais. E faz isso, dia após dia, com cada pedinte que encontrar.

Quando as prestações começarem a não ser pagas, a Sandra vai com os contratos a um advogado e pede ao Estado que arranje maneira de ela ser ressarcida.

Acha que o Estado fará muito por si? Duvido. O Estado deve ter mais que fazer do que andar a gastar tempo e recursos a ajudar uma pessoa que teve um comportamento obviamente e reptitivamente leviano e imprudente.

No entanto, é isso mesmo que o nosso Estado presentemente faz. Gastar sem cessar recursos e tempo a ajudar empresas que têm um comportaento repetitivamente e obviamente imprudente.

E isto não pode continuar, em minha opinião.

Porque há pessoas que precisam de recorrer ao sistema de justiça porque, sem culpa delas, foram metidas em encrencas. E essas pessoas não podem ficar com os seus casos por resolver porque o sistema está entupido por empresas que se meteram elas mesmas, voluntariamente, em encrencas.

Falo com conhecimento de causa. Infelizmente.

Luís Lavoura

SMP disse...

As empresas, esse bicho papão sem o qual seríamos todos infinitamente mais felizes... já lhe disse que as conveniências neste caso não são só das empresas, também são dos consumidores. São dos operadores económicos. Todos. E que mal é que existe em cada agente pretender que os seus interesses sejam satisfeitos?


Quanto à questão do pedinte, o Estado fará o mesmo por mim que por qualquer outra pessoa na situação de credora. E ainda bem que assim é. A circunstância de eu saber que, em última análise, nenhum bem haverá a penhorar e que eu não chegarei a ser ressarcida do meu crédito porque os trabalhos forçados são proibidos é que me deve levar a ter juízo, não uma política de oportunidade nas escolhas pelo Estado dos contratos que vai sancionar.

De qualquer forma, o Luís toma uma posição incoerente: ora afirma que há uma discriminação das situações na própria lei, de acordo com um wishful thinking muito seu, ora barafusta porque o Estado, afinal, faz enforcement de todos os contratos.

SMP disse...

Quanto à justiça do entupimento dos tribunais, quem o ouvir há-de pensar que as empresas não contribuem para o Estado... ou a actividade deve ser taxada, mas nunca apoiada, nem sequer na base de funções primárias do Estado que, ademais, os privados estão PROIBIDOS de exercer?

Anónimo disse...

»» O Estado não pode dar cobertura a contratos de crédito que são feitos apenas em troca da assinatura do comprador, sem qualquer garantia mais - por exemplo, uma empresa fiadora.««

Ainda bem que o vencedor do Prémio Nobre da Paz deste ano, não se preocupou com isso...

»»»A Sandra, de cada vez que encontra um pedinte na rua, empresta-lhe 1.000 euros. Assina um contrato com ele em como ele se compromete a devolver-lhe o dinheiro em suaves prestações mensais. E faz isso, dia após dia, com cada pedinte que encontrar.«««

Bem... foi mais ou menos isto que o vencedor do Prémio Nobre da Paz deste ano fez.
Não me parece que se tenha dado mal com isso.

Conclusões a tirar das opiniões do Luis Lavoura :

O vencedor do Prémio Nobre da Paz deste ano, que não venha cá para Portugal com essas ideias malucas, que por cá somos todos uns caloteiros e o Estado não tem nada a ver com isso.
.

Anónimo disse...

"...um comportamento obviamente e reptitivamente leviano e imprudente."

Tirando o MacDonalds e similares isto aplica-se a todos os donos dos restaurantes sem pré-pagamento...
.

Anónimo disse...

Prémio Nobel...
Prémio Nobel...
Prémio Nobel...
Prémio Nobel...

....

Anónimo disse...

O mentat leia o livro de Muhammad Yunus (está à venda em Portugal uma tradução) e verá que a sua prática nunca foi a de emprestar dinheiro absolutamente sem garantias nem triagem. Ele triava muito bem, muito cuidadosamente, as pessoas a quem empestava. Grande parte das pessoas que vão pedir um micro-crédito são recusadas, seja por apresentarem projetos inviáveis, seja por não estarem integradas num grupo de apoio, etc.

Luís Lavoura

SMP disse...

Como acaba de reconhecer, LL, o mercado resolve o seu problema... não é do interesse de quem concede o crédito dispensar a triagem. Então de que reclama?

Anónimo disse...

Não, SMP. Muhammad Yunus emprestava o seu dinheiro sem garantias nenhumas do Estado. E, então, como não tinha garantias nenhumas do Estado, triava. Triava muito. Triava as mulheres durante meses a fio antes de lhes emprestar.

Muhammad Yunus fazia o mesmo que a generalidade dos merceeiros que vendem fiado em Portugal fazem: triam.

E, se são enganados, desenrascam-se. Não recorrem aos tribunais. Queixam-se aos vizinhos, fazem o devedor passar vergonhas, afixam-lhe o nome na porta da venda, até conseguirem o seu dinheiro de volta.

E isto está muito bem. Eles são livres de emprestar o seu dinheiro, mas aceitam as responsabilidades e o risco dessa prática.

As empresas não triam. Não fazem como Yunus. Qualquer empresa de telemóveis lhe dá um telemóvel para as mãos e aceita que você comece a fazer telefonemas a torto e a direito sem ter pagado nada por eles. Qualquer stand de automóveis lhe vende um carro a prestações sem saber quem você é.

E fazem isso porque têm o Estado, isto é, todos nós, para as ajudar em caso de a coisa dar para o torto.

E quem se lixa com isto? Cidadãos vulgares, como eu, que nunca se meteram em práticas arriscadas mas que, para mal dos seus pecados, têm que esperar anos para que a justiça resolva os problemas em que, sem ser por sua culpa, estão metidos, e que não têm absolutamente forma nenhuma de resolver.

Oxalá nunca lhe aconteça a si, SMP.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

O que reclamo é que a intromissão do Estado elimina o liberalismo. Efetivamente, liberalismo é liberdade e responsabilidade. Mas, a partir do momento em que o Estado assegura, sem quaisquer restrições e a preço de saldo, a prossecução da justiça, elimina-se esse binómio, porque as pessoas ficam com a LIBERDADE de emprestar mas sem a RESPONSABILIDADE de ter cuidado com a quem emprestam.

Ou seja, as empresas têm a liberdade de conceder crédito, nas quem tem a responsabilidade de tratar dos casos malparados é a comunidade.

E isto não é liberalismo.

Luís Lavoura

JLP disse...

"No Reino Unido há pessoas que, para terem água quente em casa, têm que meter uma moeda num contador colocado à entrada da porta - mais ou menos como se mete moedas nos telefones públicos, ou nos parquímetros. Só têm gás enquanto o tiverem pagado. Se não meterem mais moedas, o gás não sai e as pessoas têm que tomar o duche frio. É claro que, nessas circunstâncias, as pessoas não ficam a dever dinheiro à companhia do gás e, consequentemente, esta não tem que pôr processos em tribunal."

"Tal como a SMP, que estudou Direito, sabe muito melhor do que eu, o Estado tipifica na Lei certos contratos a que dá cobertura, e quais as penas inerentes à violação de cada um deles.

O Estado tem todo o direito, tem de facto o dever - porque aquilo que se trata, é da boa administração do dinheiro dos contribuintes - de se recusar a dar cobertura a certos contratos, quando sabe por experiência que se trata de contratos imprudentes."


Acho que ficámos todos esclarecidos da perspectiva que o Luis Lavoura tem da liberdade contratual na sua almejada sociedade "liberal".

Faz-me lembrar uma expressão que diz que os tipos de bolos que estavam disponíveis nas pastelarias soviéticas eram os de ontem e os de hoje...

"Porque há pessoas que precisam de recorrer ao sistema de justiça porque, sem culpa delas, foram metidas em encrencas. E essas pessoas não podem ficar com os seus casos por resolver porque o sistema está entupido por empresas que se meteram elas mesmas, voluntariamente, em encrencas."

Meu caro, afinal, as empresas até têm todo o direito a exigirem uma atenção especial por parte do estado. Afinal, as empresas são os únicos actores sociais que podem recorrer aos tribunais que contribuiram duplamente para o estado, nomeadamente pelo pagamento de IRS pelos seus proprietários (e principais interessados em resolver o problema), e no pagamento de IRC pela própria empresa.

Mesmo adoptando o discurso (quanto a mim errado) do "abuso" por parte destas, este comportamento do estado para com elas só legitima as pretensões das empresas.

"As empresas não triam. Não fazem como Yunus. Qualquer empresa de telemóveis lhe dá um telemóvel para as mãos e aceita que você comece a fazer telefonemas a torto e a direito sem ter pagado nada por eles. Qualquer stand de automóveis lhe vende um carro a prestações sem saber quem você é."

Sim, porque existe um princípio que, além de reger o enquadramento jurídico, deve também presidir às relações sociais numa sociedade saudável, que é a presunção de inocência.

Além de que, legalmente, na maioria das situações uma empresa que tenha a porta aberta não pode optar discricionariamente por não vender, adoptando critérios internos de discriminação.

A perspectiva de que um indivíduo é bem intencionado por omissão é um património social e jurídico que não deve ser abandonado, quanto a mim. Adicionalmente deve ser conferida a todos, de um ponto de vista liberal, a capacidade de discriminar, no que a si e ao que é seu diz respeito, sem dar cavaco a ninguém. Por mim, essa situação não me repugnaria, mas já não sei o que o Luis Lavoura teria a dizer.

SMP disse...

As reclamações de Luís Lavoura contra o estado de coisas do país começam e acabam sempre na sua situação pessoal: eu tenho gás à garrafa, logo toda a gente pode ter gás á garrafa; eu estou encravado com uma questão judicial, logo desimpeçam-me os tribunais dessas coisas capitalistas para ver se a minha situação desanda finalmente.
Ou seja: em última análise, também o Luís Lavoura modela as soluções desejadas de acordo com os seus interesses, como num post mais acima criticava severamente as empresas por fazer.
A ameaça velada do «oxalá nunca lhe aconteça a si» é o tipo de coisa que costuma dizer aquele que me pede uma moeda e a quem eu, por uma série de razões que agora não interessam ao caso, não a quero dar. É o apelo último ao terror interno de cada um para que se coteje com quem fala. Só que, meu caro Luís Lavoura, não o vejo a si muito interessado em pôr-se nos sapatos do empresário que, espoliado pelo Estado, duplamente como fez notar o JLP, e até ao penúltimo cêntimo, dos lucros ganhos à custa de uma boa gestão, ainda se visse privado pelo mesmo Estado dos meios coercivos que, paradoxalmente, nem sequer pode deter, porque lho proíbem.
Quanto a essa de a justiça ser “a preço de saldo”, pense melhor. Ou só se começassem a cobrar à entrada dos tribunais (quiçá com uma máquina de moedinhas como o gás) é que seria adequado?