2006/12/18

Desonestos?

Um cartaz da campanha do não no referendo sobre despenalização do aborto insurge-se contra um alegado financiamento do aborto pelos impostos. Ora, a questão do financiamento público da IVG não consta do referendo, que se restringe à questão da despenalização. Poder ou não ser praticado no SNS e ser ou não financiado pelo orçamento da saúde, eis uma questão que fica em aberto para a lei, se o referendo aprovar a despenalização.
O excerto reproduzido é de um artigo de Vital Moreira.

Efectivamente, a questão de o aborto poder vir a ser praticado no âmbito do SNS ou a ser financiado pelo Orçamento de Estado não consta da pergunta do referendo que se aproxima. Contudo, seria importante questionarmo-nos todos (assim como o fazem afinal, os que colocaram o referido cartaz) sobre os motivos pelos quais esta questão não consta da pergunta, ou seja, que decisão terá presidido ao proponente da pergunta para deliberadamente eliminar essa questão do referendo. Será que foi a intenção de não ferir a susceptibilidade dos que voam no doce embalo das boas intenções, distanciando-se do inoportuno discurso relativo aos custos inerentes à decisão que se pretende seja tomada em referendo?

É que a informação, contrariamente ao que alega Vital Moreira, não é para mim algo que se pode desprezar neste ponto da tomada de decisão. Afinal, essa informação pode levar a que neste referendo estejam duas coisas substancialmente distintas que estão na mesa. Numa perspectiva, a de que se asseguraria que o estado não poderia ter participação no financiamento dos custos do aborto, o que estaria a ser votado seria uma liberdade, no caso, a liberdade de fazer aborto nos termos enunciados. Uma liberdade que, como qualquer liberal perceberá, implica as naturais responsabilidades individuais de quem opte por exercer essa liberdade, nomeadamente a responsabilidade de arcar com os seus custos. Ora o que se parece avizinhar, pela omissão do proponente da pergunta e pelo discurso dominante dos apoiantes do "Sim", é uma decisão relativa a um direito, não a uma liberdade. Subjacente à distinção, reforça-se, fica a ideia do carácter positivo do que está em apreciação, ou seja, o facto de, passando esse direito universal a estar assegurado, incorre ao estado como garante último da fruição desses direitos (e como tal a todos o que o sustentam pelos seus impostos) zelar para que todos possam dispôr dele.

Ora, assim como não aceito um referendo sobre a "liberalização da droga" que estabeleça um "direito à droga", ou seja e comparativamente, que o estado deveria então disponibilizar droga a todos os que não consigam pelos seus meios dispôr dela, não posso pactuar com uma pergunta de referendo que claramente desde a sua génese se escamoteia da clareza que seria desejável para a tomada de decisão, optando por referendar uma questão sem contornos e mandado bem definidos e cujo desfecho pode acarretar a violação de outras liberdades, nomeadamente a associada à propriedade de todos os contribuintes.

5 comentários:

AA disse...

muito bem...

Anónimo disse...

Percebo que o que está em causa é o princípio da coisa (com o qual, aliás, estou perfeitamente de acordo) e não propriamente as consequências previsíveis da descriminalização do aborto até às 10 semanas. Em todo o caso:

1) Se a pergunta contivesse todos os aspectos relevantes para formar uma opinião a respeito da descriminalização do aborto, então os eleitores responderiam a, pelo menos, 10 perguntas e não apenas a uma.

2) O que se deduz da ausência da questão de saber quem paga os abortos na pergunta a ser referendada é que a questão será resolvida pela AR. Estará, como tal, sujeita ao jogo da democracia representativa. Não se poderá ler na aprovação da descriminalização qualquer sinal quanto à resposta do financiamento da prática do aborto. E mesmo que fosse esse o caminho seguido pelo legislador, teriam de ser os partidos da oposição e os cidadãos através deles a acabar com ele.

Não creio, por isso, que a ausência da questão do financiamento seja censurável. Como todos os outros factores importantes na questão do aborto e que não constam da pergunta, trata-se de um elemento que terá peso ou não na escolha do eleitor, consoante a importância que ele lhe der.

Eu vou votar "sim" sem grande problemas de consciência. Mas reservo-me o direito óbvio de não concordar que o aborto seja pago com o dinheiro dos contribuintes e protestarei se tal for o caso. Como o devem fazer todos.

JB

Ps: Isto agora está diferente. Não vejo automaticamente reconhecido o meu Blogger account.

Anónimo disse...

"os motivos pelos quais esta questão não consta da pergunta"

Há dois bons motivos:

1) O pagamento ou não pagamento de certas intervenções médicas pelo SNS é coisa que (que eu saiba) não está na lei nem depende dos poderes da Assembleia da República. É o governo quem, ano a ano, vai definindo aquilo que o SNS comparticipa, e em que medida. E aquilo que um governo decide num ano, pode o governo seguinte desdizer no ano seguinte.

2) Uma coisa ser ou não ser permitida nada tem, em princípio, a ver com saber quem a paga. O facto de ser permitido beber álcool nada nos diz sobre quem paga o álcool. O facto de ser permitido uma pessoa fazer uma cirurgia estética nada nos diz sobre quem paga essa cirurgia. O facto de ser permitido fazer um aborto nada tem a ver com quem o paga. A imensa maior parte das coisas que são permitidas, são pagas pelos seus utentes.

Dito iso, eu concordo com o JLP que seria altamente conveniente o atual governo dizer claramente quais são as suas intenções em matéria de pagamento de abortos, no caso de o Sim vencer.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Entretanto, parece-me desajustado um liberal votar contra uma determinada liberdade com o argumento de que teme que essa liberdade se transforme em direito. Porque, de acordo com tal posicionamento, o liberal poderia defender que muita coisa fosse proibida. Deveria ser proibido por lei aplicar quimioterapia a cancros (não vá o governo ter a ideia de pagar a quimioterapia!) ou ir à escola primária (teme-se que o governo decrete que a escola será paga pelo erário público). Mais vale proibir tudo, não vá algum governo alguma vez ter a ideia de pagar isso do erário público...

Luís Lavoura

Anónimo disse...

o vital, como é burro, pensa que os outros são parvos.