2006/12/28

Complicadex

Os contratos-promessa de compra e venda de imóveis vão ficar condicionados à existência de um seguro entregue pelo promotor imobiliário ao adquirente, para garantia de ressarcimento de danos materiais.

(...) para além de condicionar a actividade da promoção imobiliária a empresas que estejam elencadas num registo nacional, estas terão de prestar garantias e cauções para poderem exercer a actividade, para além da obrigação de ter o imóvel segurado.

Público Última Hora.
Aparentemente, as vontades enunciadas no publicitado Simplex no que toca à simplificação e desformalização do processo de compra e venda de imóveis já começam a sofrer os seus reveses. Além disso, parece que os responsáveis já se começam a aperceber dos problemas de segurança jurídica que podem originar das intenções inicialmente publicitadas.

Basicamente, passou-se de uma situação em que a compra e venda era um processo largamente livre e isento de formalismos obrigatórios e de pré-requisitos nos seus actores, e em que a transferência da propriedade ficava registada por escritura pública feita em notário, classe que, apesar de ser pública, gozava de alguma margem de autonomia face ao poder central (e que se encontrava até em processo de privatização), e que era um acto em grande parte autónomo do registo e das considerações fiscais (pelo menos até às mudanças operadas na sisa e na contribuição autárquica), para a sitação actual em que se anuncia a despensa da escritura pública, e em que as conservatórias (orgão tipicamente administrativos na alçada do estado) concentram a grande parte dos actos relativos à compra e venda. Todas estas alterações (e outras) tiveram origem no presente governo e esvaziaram praticamente de competências os notários, classe que se arrisca a ser varrida do mapa.

Poder-se-ia dizer que a desburocratização seria algo de positivo a assinalar, e sem dúvida que seria bem-vinda. O que se passa é que neste caso, e noutros que provavelmente aparecerão na evolução da implementação das medidas do Simplex, é que o estado, e concretamente este governo, tem uma grande dificuldade em abrir mão dos seus poderes passados, e não perde a perspectiva de que tudo na sociedade tem que passar por ele.

Senão vejamos: o argumento da segurança jurídica vence e tem consistência, sem dúvida. Mas seria sem dúvida assegurado com uma classe de notários privados, dotados de fé pública, e tornando os seus actos facultativos, mas atribuindo peso jurídico à sua existência. O que vamos passar a ter neste caso é que perdemos em burocracia num lado, ou seja, na burocracia associada ao negócio propriamente dito, mas vai-se criar uma nova burocracia a sustentar todo o mecanismo. Vamos ter um registo nacional de promotores imobiliários, cujas empresas registadas serão as únicas a poder exercer esse papel, reduzindo-se desse modo a liberdade de entrada no mercado, e vão ser necessários tanto a prestação de garantias como a cobrança de taxas por parte destes, assim como a necessidade da inclusão de um seguro no negócio. Ou seja, o risco deixa de ser algo que está em cima da mesa na negociação desse contrato, e passa a ser tabelado pelo estado, sabe-se lá com que critérios. Como se ignoram quais serão os critérios de quantificação das referidas "garantias" e "taxas".

Ou seja, chegar-se-à ao fim e ter-se-à cumprido o círculo fechado da burocracia, com a transferência de papelada tão somente de um sítio para o outro. E com habitação mais cara para sustentar todos estes devaneios, já que, em última instância será o consumidor a pagar taxas, seguros e os custos associados às "garantias".

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