Saudosismo
Os advogados e os consultores poderão ser obrigados a divulgar às Finanças o planeamento fiscal que desenvolveram para os seus clientes, independentemente do sector de actividade.Eu ainda sou do tempo em que havia aquela prática deontológica démodé denomidada "sigilo profissional", nalguns casos até protegido com força de lei. Outros tempos.
A intenção foi incluída pelo PS na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, que está a ser discutida na especialidade pelos deputados da Assembleia da República.
De acordo com as edições de hoje do "Jornal de Negócios" e do "Semanário Económico", o objectivo é que aqueles profissionais informem o fisco das situações que indiciem a obtenção de vantagens fiscais para os seus clientes.
[...]
A proposta prevê que quem não cumprir as regras fica sujeito a uma coima de cem mil euros.
Público Última Hora.
E vá-se lá pensar que porventura alguém possa arranjar expedientes legais para contornar as megalomanias do nosso estado. Afinal, a primeira obrigação desses funcionários até é para o estado (que até nem lhes paga salários) e não para os seus clientes.
Adenda: boas perspectivas de novo negócio para as seguradoras, para a introdução de um novo seguro de "responsabilidade civil". Cem mil euros, para quem gere negócios que se movimentam nas esferas a que se destina a iniciativa não me parece muito. O seguro, a contratar no âmbito da prestação de serviços de advogados e consultores aos seus clientes, pagaria a coima na eventualidade de esta ser aplicada (o que será sempre um fenómeno estatístico e dependente da eficiência do estado, com largas provas dadas). A Economia não pára!
14 comentários:
Isso é que não pode ser... a responsabilidade pelas coimas, como pelas multas, é pessoal. Claro que ninguém adivinha se te emprestam dinheiro para a pagares, mas um tal contrato de seguro seria inválido.
A responsabilidade civil também não é individual, e não há tantos seguros para isso?
Acho que dependeria sempre da maneira como o eventual "seguro" fosse descrito.
Além de que imaginação não faltará para arranjar outras soluções económicas para o "problema".
Não poderia ser por exemplo uma garantia estabelecida por uma entidade mutualista, e dada como responsabilidade contratual num acordo de direito privado entre os consultores e o cliente?
"Os advogados e os consultores poderão ser obrigados a divulgar às Finanças o planeamento fiscal que desenvolveram..."
Eu gostava de perceber qual o alcance desta medida.
Se esse planeamento fiscal não se traduz em nenhuma acção ilegal, porque que é que os que quem o faz tem que o revelar ?
Por exemplo :
Uma vez expliquei a um cliente que se atrasasse, dentro do prazo da lei a entrega das telas finais e do pedido de licença de utilização dum edifício, tendo em atenção o prazo previsto para a CM despachar, conseguiria nesse ano não pagar IMI.
Isso quer dizer que tenho que ir denunciar-me a mim e ao meu cliente ?
Denuncio também o funcionário da Repartição de Finanças que me ensinou o "truque" ?
Isto é patético...
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E se os advogados forem empregados da propria empresa também são obrigados a revelar o trabalho que fazem ?
Ou isto é apenas um ataque aos profissionais liberais ?
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Um PPR constituido em 31/12 não é uma forma de planeamento fiscal ?
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Exigir ao Canalizador que separe a componente Mão de Obra da componente Materiais para só pagar 5% de IVA sobre a primeira, também é planeamento fiscal ?
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Em conclusão :
Haverá alguém com um mínimo de senso que não faça planeamento fiscal ?
Vamos todos denunciar-nos uns aos outros ?
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Caro Mentat,
"Eu gostava de perceber qual o alcance desta medida."
Pessoalmente, as intenções são para mim essencialmente duas:
- Fazer "controlo de qualidade" (de borla) à legislação fiscal, permitindo a este aperceber-se rapidamente dos "buracos" criados.
- Dar ferramentas de "engenharia fiscal" ao governo, que poderá ter ideia dos expedientes e situações mais comuns e deste modo alterar a legislação à medida da realidade, maximizando a cobrança.
"Vamos todos denunciar-nos uns aos outros ?"
Se vamos ou não, não sei. O futuro o dirá.
Mas que os sucessivos governos (e este não é excepção, sendo até um particular "bom aluno") não resistem à tentação de criar uma cultura de "bufos", é uma verdade que julgo indesmentível.
Aresponsabilidade civil também não é individual, e não há tantos seguros para isso?
A responsabilidade penal e contra-ordenacional, ao contrário da civil, têm um cunho de perosnalidade mais marcado. Ninguém se pode substituir a outrem no pagamento de uma coima ou de uma multa, mais do que poderia cumprir por ele o tempo de prisão.
Acho que dependeria sempre da maneira como o eventual "seguro" fosse descrito.
Eu acredito na criatividade dos advogados, mas confesso que neste caso custa-me a crer que pudessem redigir um contrato com esse efeito útil e válido a um tempo.
Além de que imaginação não faltará para arranjar outras soluções económicas para o "problema".
Não poderia ser por exemplo uma garantia estabelecida por uma entidade mutualista, e dada como responsabilidade contratual num acordo de direito privado entre os consultores e o cliente?
A meu ver, não. Teria como efeito directo a alienação de uma responsabilidade inalienável aos olhos da lei, e seria por isso nulo; ou fá-lo-ia indirectamente e seria frause à lei.
E se os advogados forem empregados da propria empresa também são obrigados a revelar o trabalho que fazem ?
Ou isto é apenas um ataque aos profissionais liberais?
Sem me pronunciar sobre a substãncia, uma correcção: um advogado é sempre um profissional liberal. Mesmo que inetgrado numa empresa, mesmo que com um contrato de trabalho. O que queria perguntar, talvez, era sobre o jurista de empresa, que não está inscrito na ordem e por isso não é, em bom rigor, advogado.
A substância do comentário anterior, para além de não pronunciada, foi mal acentuada... fica corrigido.
"O que queria perguntar, talvez, era sobre o jurista de empresa, que não está inscrito na ordem e por isso não é, em bom rigor, advogado"
Exactamente.
E também o licenciado em economia, gestão ou engenharia.
Todos esses técnicos de uma forma ou outra fazem planeamento fiscal.
E se não fazem, bem... ou são "nabos" ou as margens de lucro da sua entidade patronal são tão altas que lhes permitem essas "frescuras"...
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Caro JLP
As condições do meu seguro de responsabilidade civil profissional, são bem claras :
Pagam as custas da defesa judicial, mas não pagam multas nem me substituem na cadeia.
Por isso tenho pena, mas não me parece que tenha descoberto um novo nicho de mercado.
Acho que o único nicho de mercado que esta legislação vai incrementar é a dos "bufos" e dos invejosos.
Caracteristica, que como toda a gente sabe não é nada comum entre os portugueses...
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"As condições do meu seguro de responsabilidade civil profissional, são bem claras :
Pagam as custas da defesa judicial, mas não pagam multas nem me substituem na cadeia.
Por isso tenho pena, mas não me parece que tenha descoberto um novo nicho de mercado."
Não estava a pensar na utilização dos seguros vigentes de responsabilidade civil, mas sim em novos produtos dedicados. Mas, face às explicações da Sandra, fiquei convencido.
Pode ser que, à semelhança dos negócios feitos em off-shores, também esse género de acordos transite para países com enquadramentos jurídicos mais adequados e "flexíveis".
Quanto aos bufos e invejosos, estamos sem dúvida de acordo. Aliás, enquanto a generalidade das pessoas estiver mais preocupada com os vizinhos do que com ela própria, continuaremos a ter um terreiro pródigo para o estado esplorar esse género de atitudes.
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