2006/11/29

Eminent domain

Sobre a problemática das expropriações, no seguimento da sequência de artigos do António Amaral na Arte da Fuga (1, 2, 3) e das decisões recentes da Justiça americana, aqui fica transcrito um artigo meu da altura em que a decisão mais recente relevante ao estatuto passou no Supremo Tribunal dos EUA (relativa ao caso também referido pelo AA Kelo v. City of New London), e que inclui ligação para as declarações de voto dos seus membros:

O Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos, de acordo com notícia no Plastic (com links para as declarações de voto dos juízes) e no Slashdot, decidiu tangencialmente com uma votação de 5 contra 4 que é legítimo ao poder local expropriar propriedade privada de modo a abrir caminho à iniciativa comercial privada, alegando na sua interpretação que tal comportamento previligia o interesse público pelo incremento de receitas fiscais potencial e pelos serviços adicionais prestados ao público.

Tal decisão é sem dúvida um dos atentados mais graves que conheço nos últimos tempos ao direito à propriedade, ainda mais vindo de um país supostamente civilizado, e um alegado Estado de Direito que sempre publicitou o seu respeito pela iniciativa e propriedade privada como um dos seus principais bastiões.

Sem dúvida que procedimentos semelhantes, na prática, são conhecidos cá pelo nosso pequeno burgo, em que propriedade é muitas vezes expropriada pelos nosso municípios a "preço de ocasião", alegando interesse público, por exemplo a construção de infrastruturas como escolas e equipamentos, e que acabam principescamente vendidos e ocupados com desde centros comerciais a estádios de futebol, com dúvidas e rumores sempre prevalecentes em relação aos contornos desses negócios, nomeadamente quem lucra o quê. Mas se isso, de acordo com o nosso enquadramento legal, pelo menos na teoria, seria somente motivação para possíveis pedidos de indemnização e/ou casos de crime de tráfico de influências e de apropriação indevida de dinheiros, o conferir num Supremo Tribunal de um poder de intervenção destes a autoridades públicas, em última instância como veículos de interesses privados, ainda mais em oposição com outros interesses privados estabelecidos é, quanto a mim, simplesmente escandaloso.

Algumas questões que me ocorrem em relação à decisão:

  • O que é o "interesse público"?
  • Arrasar propriedade privada que já rende impostos e providencia serviço publico por outra que renda mais é legítimo?
  • Que mecanismo é que impede que haja corrupção do poder local (estamos a falar de um país onde o lobbying é legal e onde todo o político que se preze tem a sua "fundaçãozinha..."), na tomada das respectivas decisões arbitrárias de "interesse público"?
  • O que é que impede que o poder local não estabeleça acordos por baixo da mesa para arrasar alguns bairros eleitoralmente mais "difíceis"?
  • Afinal existe "propriedade de 1ª" e "propriedade de 2ª"?

1 comentário:

Anónimo disse...

A Economist traz um artigo sobre o assunto. Como de costume,há "unintended consequences" dignas de registo. Se até essa decisão, o americano comum pouco se preocupava com os problemas do Estado vizinho, este caso tornou-se nacional e 34 (julgo) Estados já passaram Leis para travar o ataque à prop. O Senado e o Congresso parecem estar em povorosa com isto e os media não largam o assunto.
Recomendo o artigo.