Resposta à dúvida do Carlos
1. A descriminalização do aborto antes das 12 semanas pressupôe que, no confronto de interesses em causa, o legislador considera que devem prevalecer os interesses da mulher; depois das 12 semanas, continuarão, como até agora, a prevalecer os interesses do feto, sendo este, a partir dessa data, digno de protecção penal.
2. A protecção penal do embrião/feto exige que as mulheres que pratiquem o aborto depois das 12 semanas sejam condenadas em penas de prisão. Com efeito, os bens jurídicos só são devidamente protegidos se a sanção aplicada a quem os infrinja for suficientemente dissuassora para evitar, no futuro, a sua violação. Assim sendo, não fará sentido nenhum os tribunais aplicarem sistematicamente a figura da suspensão do julgamento às mulheres que abortem depois das 12 semanas. Se o fizessem estariam a prejudicar a função preventiva do direito penal e, implicitamente, a reconhecer uma suposta injustiça na criminalização do aborto depois dessa data, desrespeitando, desse modo, a opção do legislador. Pondo as coisas de outras maneira, das duas uma: a) ou o embrião/feto, a partir das 12 semanas, é um ser digno de uma tal protecção que justifica a criminalização da prática do aborto com a consequente possibilidade de as mulheres que o pratiquem serem condenadas em penas de prisão; b) ou o embrião/feto não merece, depois das 12 semanas, uma protecção que acarrete consequências tão graves para a mulher e, nesse caso, não se justifica, de todo, criminalizar o aborto.
3. Como o legislador, mantendo a criminalização depois das 12 semanas, opta pela hipótese a), cabe ao Ministério Público continuar a investigar as mulheres que pratiquem o aborto depois das 12 semanas e cabe aos tribunais, uma vez provada prática do crime, condenar, em princípio, as mulheres à pena de prisão prevista na lei. A outra hipótese seria o legislador vir a estabelecer na lei uma outra sanção para o crime do aborto. Esta última solução teria a minha crítica porque o direito penal não se compadece com meias tintas. O aborto só pode ser crime se a protecção do embrião/feto for tão importante que justifique a aplicação de penas de prisão a quem o pratique e, ainda aí, só se a criminalização for o único meio de prevenir a prática de um acto considerado moralmente desvalioso.
Mais precisamente, e independentemente de, no caso concreto e atentas as circunstâncias, o tribunal poder optar por outras sanções previstas na lei, a pena de prisão tem de continuar a ser a consequência lógica e provável da prática do aborto, enquanto e nas circunstâncias em que este continuar a ser crime.
4. Cabe ao legislador explicar por que razão opta pelas 12 semanas e por que razão resolveu ou não resolveu descriminalizá-lo antes dessa data. Por outras palavras, cabe-lhe explicar por que razão a data das 12 semanas é ou não é decisiva na diferente valoração jurídico-penal do acto em causa. Mas é precisamente porque o legislador resolveu demitir-se das suas funções, fazendo a sua opção depender de um referendo, que terá enormes dificuldades em justificar etica e juridicamente qualquer solução que venha a tomar. Tal decisão dependerá tão só da vontade da maioria e não dos critérios ético-jurídicos que devem presidir à decisão de criminalizar ou descriminalizar um comportamento. É sinal evidente da falta de respeito que a liberdade merece em Portugal que uma decisão de limitação de liberdades negativas esteja sujeita a referendo.
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