2006/10/11

Política internacional

Article 39

The Security Council shall determine the existence of any threat to the peace, breach of the peace, or act of aggression and shall make recommendations, or decide what measures shall be taken in accordance with Articles 41 and 42, to maintain or restore international peace and security.

Chapter VII of the United Nations Charter.
O recente (alegado) ensaio nuclear feito pela Coreia do Norte veio novamente lançar em pulvurosa a generalidade da "comunidade internacional", e grande parte da blogosfera, lusa e estrangeira. Da minha parte, entrego-me a uma reflexão sobre legitimidade, ao nível do direito internacional (e - constatadas as minhas limitações técnicas para tal - estando aberto a correcções e esclarecimentos) e de um ponto de vista de moral (ou falta dela) no que toca aos intervenientes concretos e outros que os acompanham em polémicas recentes.

A reacção da generalidade da "comunidade internacional", e nomeadamente dos EUA, ao sucedido foi particularmente violenta. A situação foi qualificada como desde um "desafio intolerável". Até, materialmente, como justificando intervenções no âmbito das Nações Unidas, desde a aplicação de sanções económicas, até á propria invasão. A pergunta será: existe algum compromisso, ou foi dada alguma garantia pela Coreia do Norte a essa "comunidade internacional" que tenha sido violada pela sua acção?

Pela minha observação, há essencialmente duas peças de direito internacional que poderão ter aplicação na situação em causa: a Carta das Nações Unidas, nomeadamente nas suas provisões que estabelecem os conceitos de "guerra justa" e o direito de ingerência do Conselho de Segurança (e dos estados, sob mandado desta), em resposta a actos dos estados que dela são signatários (e, numa daquelas curiosas esquizofrénicas jurídicas, também nos que não o são); o Tratado Para a Não-Proliferação Nuclear (TNPN).

Em relação à Carta, que já vai sendo invocada, nomeadamente o "famoso" artigo 42 do Capítulo VII, é verdade que é um documento do qual a Coreia do Norte é signatário. Mas também são verdade, à luz do direito internacional, dois outros factos.

O primeiro, de que a Coreia do Norte, tecnicamente, é um país ainda em guerra, uma vez que nunca foi assinado um tratado de paz resultante da Guerra da Coreia, sendo a situação presente derivada somente de um cessar fogo. Foi aliás essa situação, a da Guerra da Coreia, que justificou as únicas 3 resoluções ao abrigo do capítulo VII que sancionaram a Coreia e que justificaram a intervenção com mandado da ONU das tropas em apoio do Sul, sob um comando unificado americano. Ora, numa situação de guerra declarada (ou pelo menos, não encerrada) que persiste (o mandato da ONU que suporta as tropas estacionadas na Coreia do Sul, por exemplo, ainda se mantém), não me parece que existam razões para que seja visto como algo de particularmente novo um investimento da Coreia do Norte no reforço do seu armamento, mesmo que seja nuclear, até porque a Carta das Nações Unidas não diferencia em nenhum lado que a posse de armamento não-convencional, por si só, constitua uma particular ameaça incremental à posse de armamento convencional. Não é, à luz da Carta, a posse de determinados tipos de armamento que permite presumir de qualquer intenção beligerante em particular. Aliás, os americanos, bem como outras potências presentes sobre a alçada das Nações Unidas possuem, e no caso dos americanos fizeram uso, dessas armas. Não me parece que hajam motivos, portanto, para achar que tenha havido uma particular evolução da situação à luz das regras aceites pelos intervenientes. Fica também por clarificar os termos (e actualidade) do mandato da ONU que legitima a presença de tropas na região.

O outro é bem mais claro: a Coreia do Norte, conjuntamente com a Índia, o Paquistão e Israel, não é actualmente parte do TNPN. Tendo sido seu signatário, saiu no ano de 2003, de acordo com uma provisão prevista no próprio tratado. Ou seja, não há presentemente, em relação à generalidade da "comunidade internacional", qualquer compromisso por parte da Coreia do Norte no que toca à posse de arsenais nucleares. A própria existência de uma convênção sobre o nuclear, separada da Carta e com signatários diferentes, deveria permitir concluir que as obrigações contraidas numa não deveriam em nada ter a ver com a outra.

No que toca concretamente à genese do tratado, foram neste observados três princípios, ou pilares: um princípio de não proliferação, em que a posse de arsenal nuclear se limita (entre os signatários) aos países actualmente com assento permanente no Conselho de Segurança, e em que estes se comprometeram a não passar a outros estados tecnologia militar nuclear; o do desarmamento, em que os signatários (concretamente, obviamente os que as possuem) se comprometiam a reduzir os seus arsenais; o do direito ao uso pacífico de energia nuclear.

Ora os próprios signatários deste tratado, e nomeadamente os seus membros com particulares responsabilidades por deterem um arsenal nuclear efectivo, tém sido os primeiros a retirar credibilidade e validade ao mesmo tratado. Senão vejamos: factores como o estacionamento de arsenais nucleares detidos pelas potências nucleares em países co-signatários do tratado, por exemplo no âmbito da NATO, a recente parceria americana com a Índia (estado, como já referido, que não é signatário do tratado) para a tranferéncia de tecnologia nuclear (e o facto reconhecido de esta já ser uma potência nuclear) ou a tolerância para com o Paquistão, também não signatário mas confirmada potência nuclear, só fazem com que a credibilidade do próprio tratado e, por conseguinte, de grande parte do discurso moralizador dos seus signatários esteja sériamente em causa. Bem como o incumprimento da promessa de desarmamento, limitada em grande parte ao desmantelamento significativo do arsenal da ex-URSS (com a paralela distribuição de material e tecnologia para proveniências duvidosas), que tem sido coberta com um manto de não-relevância.

De uma vez por todas as potências ocidentais têm que decidir, como Estados de Direito que são (ou deveriam ser, proclamada que é a sua "superioridade moral"), o seu papel em relação às Nações Unidas e ao próprio direito internacional, bem como em que termos se regem os famosos "valores morais ocidentais" que tantos se oferecem para defender. O mero lip-service, quando a prática e os actos falam em contrario, só subverte e compromete progressivamente as mais básicas regras de convivência estabelecidas a muito custo, ao longo de processos negociais complexos, em muitos casos, centenárias. O Direito não deve ser uma ferramente de política internacional e ser uma verdade de adesão, rapidamente substituído pela política de interesses quando tal passa a ser mais benéfico. O Estado de Direito e os compromissos internacionais estabelecidos voluntáriamente pelos países não devem ser parte de estratégias de mercado de influéncia.

Digo "devem" e não "têm que". Aliás, parece ser o caminho de o "não dever" que está cada vez mais em voga. Mas depois não podem os mesmos que dessa situação se aproveitam vir queixar-se ou reclamar de estatutos que já tornaram vazios.

11 comentários:

Anónimo disse...

Correndo o risco de reencetar uma discussão antiga, não posso deixar de pôr os pontos nos iis de jurÍdIco: o direito de ingerência não é um qualquer instituto enquadrado no sistema das Nações Unidas. É um instituto, uma figura, o que queiras chamar-lhe de Direito Internacional geral, e não convencional. E, evidentemente, precisamente porque segue uma lógica geral e não convencional, não requer o prévio assentimento do Estado sujeito à ingerência; aliás, se assim fosse, não se poderia falar com propriedade de uma ingerência, não é verdade?

JLP disse...

"Correndo o risco de reencetar uma discussão antiga, não posso deixar de pôr os pontos nos iis de jurÍdIco"

:-D

"É um instituto, uma figura, o que queiras chamar-lhe de Direito Internacional geral, e não convencional."

O que, para mim, significa que não existe.

Por falta de legitimidade ( (pré-)acordo do país visado) de qualquer entidade que dele faça enforcement, qualquer acção de ingerência é para mim, do ponto de vista do país cuja soberania é violada, equivalente e confundível a uma declaração de guerra por parte dos países que se propõe tomar essa acção.

"aliás, se assim fosse, não se poderia falar com propriedade de uma ingerência, não é verdade?"

Não vejo porque não.

Um estado que se comprometa voluntariamente, por via de um tratado, a definir e reconhecer critérios justificatívos de ingerência (num tratado que poderá impôr penalizações pela saída de um signatário), mesmo que posteriormente mude de ideias e não aceite uma determinada atitude em retaliação da violação de uma dessas cláusulas (ou que por exemplo internamente a lei nacional superior ao direito internacional para desvirtuar a validade interna dos compromissos do tratado), continuará a opôr-se à ingerência, mas esta estará em toda a linha justificada internacionalmente.

É um pouco à semelhança do que acontece com os presentes signatários da Carta. Esta não legitima a ingerência, mas previne que possam ser utilizados meios militares (o que será naturalmente uma ingerência, já que irão naturalmente contra os desejos e a soberania do país visado, que até se poderia querer demarcar da Carta nessa altura) caso ele agrida outro país signatário (ou não, dada a "esquizofrenia" referida no texto).

JoaoMiranda disse...

JLP,

O direito internacional é um caso prático de direito privado. Não existe nenhum estado mundial que o suporte.

JLP disse...

"O direito internacional é um caso prático de direito privado. Não existe nenhum estado mundial que o suporte."

"Mas, a ser direito, o direito internacional teria de ser direito público ou não fosse um direito de Estados. Mesmo que só se admitisse os tratados como fonte de direito internacional, ele não deixaria de ser direito público, porque os contratantes são Estados."

Acho que o que o JM pretende estabelecer (se percebi bem) é uma analogia em relação à questão do direito privado e da arbitragem, no seguimento dos comentários que se têm trocado em relação à privatização da Justiça. A ideia será transportar o raciocínio para mecanismos arbitrais voluntários em que as partes não fossem indivíduos ou organizações, mas estados. Ou seja, se bem compreendi, a discussão coloca-se na perspectiva de "direito privado" vs. "direito público" e não na perspectiva "direito internacional privado" vs. "direito internacional público".

Posto isto, concordo essencialmente com o que diz o JM. Principalmente como defensor do direito positivo sobre o direito natural. Quanto a mim:

- A perspectiva de levar as obrigações entre países para além do que estabeleceram entre si por tratados (como presentemente pela aplicação do "costume" ou de "princípios gerais de direito"), é quanto a mim um abuso, quer de direito, quer contra a soberania dos povos.

- Efectivamente não há nenhum estado que suporte o direito internacional. Nem tal seria, quanto a mim, legítimo, já que se teria que supôr a existência (unânime e consensual) de um estado que primasse sobre os outros, e que nunca se viesse a sujeitar ao escrutínio dos que julga. Mas isso, quanto a mim, não é o problema essencial. Acho que poderia ser contornado. O problema é mesmo a coercividade das decisões. Enquanto num documento de direito privado se pode estabelecer cauções ou garantias que assegurem a responsabilidade contratual, como é que tal pode ser feito num tratado?

CN disse...

"O direito privado também é regulado pelo Estado e também o tem como suporte. "

O direito privado, infelizmente, é monopolizado pelo Estado. Mas o direito privado, e os direitos naturais, existem para além da capacidade de monopolio da coerção dos Estados.

O bom do estado de anarquia internacional, é tornar claro, que as relaçoes internacionais e o Direito Internacional entre Estados são empre anarquicas, e por isso mesmo voluntariamente auto-imposto (e só no limite com recurso à violência).

O outro ponto, é que também fica claro que as próprias disputas do dominio internacional não passam de discussões de status-quos. A cada momento a comunidade internacional defende um status-quo mas ao longo do tempo este vai mudando.

Isso torna visivel que a própria esfera do Estado é um status quo.

No final, o Direito só é objectivo quando falamos de individuos, os seus direitos de propriedade, arbitrio e contrato.

Problemas de fronteiras entre Estados, problemas de secessão, ou sobre os actos de soberania como desenvolvimento de tecnlogia nuclear e capacidade defesa, não são questões de Direito mas de status-quos entre monopolistas geográficos de violência (Estados).

CN disse...

Mas para um anarquista como eu a observação das relações internacionais ente monopolistas geográficso da violência (Estados) permite tirar conclusões sobre a validade do anarquismo.


Tal como seria de esperar, quando é necessário, vários grupos armados (Estados) juntam-se para combater um deles que por qualquer razão, se "porta mal".

O problema do ponto vista liberal, é que como falamos de "Estados" (organizações não contratuais não baseadas em direitos de propriedade) a incompetência, erros, falácias, na gestão internacional é muito elevada (tal como o é na ordem interna de intervencionismo social).

Ou seja, no final, existem muitos mais conflitos do que aqueles que seriam necessários, sendo um razão é que os decisores socializam os seus erros - não são as elites decisoras que pagam os custos desses conflitos.

Essa é principal razão para os Liberais defenderem extrema prudência a que o conceito de defesa nacional saia das suas fronteiras, e como princípio geral (sujeito a excepções) a neutralidade para minimizar a probabilidade de escaladas (como aconteceu dramaticamente na WWI).

Anónimo disse...

JLP:

O que, para mim, significa que não existe.

Fine with me; mas pareceu-me, e acho que não me enganei, que tu estavas a partir dos contornos da figura enquanto figura jurídica, estranhando que aquilo a que se chama (na comunidade jurídica) direito de ingerência extravasasse para além da sua definição. Ora, não extravasou; o facto de se aplicar a Estados que não prestaram o seu consentimento para isso FAZ PARTE do conceito de ingerência.

Por falta de legitimidade ( (pré-)acordo do país visado) de qualquer entidade que dele faça enforcement, qualquer acção de ingerência é para mim, do ponto de vista do país cuja soberania é violada, equivalente e confundível a uma declaração de guerra por parte dos países que se propõe tomar essa acção.

Contra isso, nada; parece-me justo que o direito de ingerência só deva ser exercido por quem estivesse disposto a envolver-se numa guerra em nome da defesa dos direitos que supostamente está a tentar proteger. Todavia, isto é uma apreciação moral; juridicamente, mais uma vez, o direito de ingerência como que exclui a ilicitude do acto e por isso não pode ser considerado uma declaração de guerra.

Não vejo porque não.

Um estado que se comprometa voluntariamente, por via de um tratado, a definir e reconhecer critérios justificatívos de ingerência (num tratado que poderá impôr penalizações pela saída de um signatário), mesmo que posteriormente mude de ideias e não aceite uma determinada atitude em retaliação da violação de uma dessas cláusulas (ou que por exemplo internamente a lei nacional superior ao direito internacional para desvirtuar a validade interna dos compromissos do tratado), continuará a opôr-se à ingerência, mas esta estará em toda a linha justificada internacionalmente.

É um pouco à semelhança do que acontece com os presentes signatários da Carta. Esta não legitima a ingerência, mas previne que possam ser utilizados meios militares (o que será naturalmente uma ingerência, já que irão naturalmente contra os desejos e a soberania do país visado, que até se poderia querer demarcar da Carta nessa altura) caso ele agrida outro país signatário (ou não, dada a "esquizofrenia" referida no texto).


Isso que estás a descrever não é ingerência; é meramente um mecanismo de cumprimento de um acordo, quase uma execução específica. Cuja possibilidade desapareceria mal o contrato fosse denunciado. É um pouco como a ideia de que os países da EU não estão a ver violada a sua soberania, e efectivamente não estão, porque foram eles que voluntariamente a auto-limitaram. O que se entendeu na comunidade internacional foi que esse mecanismo não bastava e que em nome de determinados direitos e valores devia haver um mecanismo independente do assentimento do Estado violador.

Anónimo disse...

Caro JLP,

A Coreia do Norte não saiu do TNPN de acordo com uma provisão prevista no próprio tratado. A claúsula de abandono, textualizada no artigo X, prevê que um país possa abandonar o tratado se, ipsis verbis, "extraordinary events, related to the subject matter of this Treaty, have jeopardized the supreme interests of its country". No caso da Coreia do Norte, quais foram esses "extraordinary events"? A acusação americana de que estariam a enriquecer urânio para fins militares (o que era verdade e constituía, de per si, uma violação do tratado)? Assim, configura-se o caso de um estado que se comprometeu "voluntariamente, por via de um tratado, a definir e reconhecer critérios justificatívos de ingerênci" mas quem posteriormente mudou de ideias e não aceitou "uma determinada atitude em retaliação da violação de uma dessas cláusulas" o que justifica, "em toda a linha", a ingerência.

Não percebo a relevância dos casos da Indía e do Paquistão. Estes sim, são países não signatários do TNPN e não contraíram nenhuma obrigação. São também potências nucleares e o tratado apenas proíbe a transferência de tecnologia nuclear militar para países sem armamento nuclear. Para além disso a tecnologia transferia é apenas civil.

Quanto à carta, a existência de armamento nuclear não indicia a intenção beligerente, de acordo; mas as contínuas declarações belicosas dos dirigentes norte-coreanos, os testes efectuados ao mísseis balísticos de longo alcance (com provocações continuadas a países vizinhos) e as sucessivas recusas em cumprir com as obrigações contraídas em tratados e acordos internacionais configuram um aumento do nível de perigosidade do país.

Ligeiramente e só aparentemente off-topic: parece considerar o TNPN ferido por falta de autoridade moral dos signatários. Como é que compatibiliza isso com a defesa que fez das Convenções de Genebra? O TNPN tem funcionado aceitavelmente na defesa dos seus objectivos principais; pelo menos, muito melhor que as Convenções de Genebra. A propos, considerar que o Senador McCain beneficiou do estatuto que lhe conferiu pelas Convenções de Genebra só pode ser humor negro: o senador foi torturado anos a fio e ainda hoje apresenta mazelas físicas que resultaram desse período.

JLP disse...

"A Coreia do Norte não saiu do TNPN de acordo com uma provisão prevista no próprio tratado."

Não? O caro HO tem alguma informação sobre algum procedimento tomado contra esta por eventual "saída indevida"? Já lá vão três anos, o que mesmo para a escala temporal do direito internacional, é um pedaço...

Além disso, é um direito quanto a mim básico e soberano de qualquer país o poder abandonar tratados ou convenções por ele ratificadas no passado. Naturalmente sofrendo as consequências dos seus actos e/ou as repercursões de eventuais cláusulas que penalizem objectivamente os signatários dos tratados que os abandonem. Se o TNPN não estabelece dessas sanções e se isso aparentemente não foi um compromisso interessante aos seus signatários, temos pena.

"Não percebo a relevância dos casos da Indía e do Paquistão."

Tem toda a relevância para compreender o "double standard" tomado pelos signatários do tratado com principais responsabilidades. O andarem a "chatear" o Irão, co-signatário, quando ainda não conseguiram provar que a utilização feita por estes do nuclear não é somente pacífica, e logo aceite pelo tratado, enquanto não "chateiam" e até colaboram com estados de fora do tratado (uns sim e outros não, à vontade do freguês) que violam claramente dois dos pilares do próprio tratado que acharam tão importante assinar, como a posse de armamento nuclear e a escalada do seu arsenal.

Além disso, esqueceu-se de Israel. Será que tem a ilusão que a transferência de tecnologia e "know-how" americano se limitou ao âmbito não-militar, e de que o tratado não foi violado?

Ou seja, ontem foi importante assinar um tratado para promover o desarmamento e o controlo dos arsenais, mas hoje até já se dá uma mãozinha aos que o não o assinaram e não se submeteram às suas regras. Qual é então a motivação para ficar dentro do tratado?

"mas as contínuas declarações belicosas dos dirigentes norte-coreanos, os testes efectuados ao mísseis balísticos de longo alcance (com provocações continuadas a países vizinhos) e as sucessivas recusas em cumprir com as obrigações contraídas em tratados e acordos internacionais configuram um aumento do nível de perigosidade do país."

E isso é sancionado por que disposição internacional que a Coreia do Norte tenha subscrito? O que é isso de "nível de perigosidade"? Mede-se em alguma escala? Invadiram alguém? Declararam guerra a alguém? Violaram a soberania de algum país?

"Como é que compatibiliza isso com a defesa que fez das Convenções de Genebra? O TNPN tem funcionado aceitavelmente na defesa dos seus objectivos principais; pelo menos, muito melhor que as Convenções de Genebra."

Não me parece. Qualquer um dos três pilares do TNPN parecem ter sido, no mínimo, ignorados de facto.

A posse de armamento foi contornada pelo estacionamento de arsenal nuclear em países que a ele não deveriam poder aceder, no âmbito das parcerias da NATO.

A perspectiva do desarmamento deve ser concerteza uma piada.

A questão do uso para aplicações não militares é largamente marginal e irrelevante.

Entretanto, as Convenções de Genebra já deram provas em duas Guerras Mundias, além de outros conflitos. Além de que elas não estabelecem só provisões relativamente ao tratamento de prisioneiros. Existem muitas outras disposições de grande relevo e importância para além dessas.

Até ao despontar da questão de Guantanamo, e da problemática dos "combatentes irregulares", a sua aceitação era pacífica e os termos das suas regras aparentemente claros. Durante mais de 70 anos.

"A propos, considerar que o Senador McCain beneficiou do estatuto que lhe conferiu pelas Convenções de Genebra só pode ser humor negro: o senador foi torturado anos a fio e ainda hoje apresenta mazelas físicas que resultaram desse período."

Será que não foi somente "interrogatório duro", para utilizar a terminologia vigente?

Concerteza então será masoquista ou hipócrita. Só dessa maneira se poderá perceber a sua defesa pública do seu papel, e a vontade de assegurar que não se perca, por banalização das violações, a protecção que confere aos soldados americanos.

JLP disse...

CN:

"Mas o direito privado, e os direitos naturais, existem para além da capacidade de monopolio da coerção dos Estados."

Isso é outra guerra... ;)

"O problema do ponto vista liberal, é que como falamos de "Estados" (organizações não contratuais não baseadas em direitos de propriedade)"

Aí discordamos. Acho perfeitamente concebível do ponto de vista liberal uma visão contratualista do estado, materializada num contrato social que o sustenta e que emerge duma clara (e reforço, clara) maioria do seu povo. Continua a haver a ligação ao direito de propriedade, porque nessa circunstância o estado passa a ser mandatado (e fiel depositário das contribuições voluntarias estabelecidas no contrato social para esse efeito) de funções, entre as quais estão a defesa e a representação e participação internacional do estado.

Naturalmente estamos a falar em termos filosóficos, não em nenhum dos "contratos sociais" vigentes na generalidade do Mundo.

JLP disse...

Já agora, CN, em que é que distingue a sua perspectiva de "anarquia internacional" e de "status quo" que defende em termos das relações internacionais, de uma situação de puro caos em que somente imperem as regras naturais do "mais forte"?

Onde é que se faz a distinção entre a anarquia e o caos?