Lula I
A gente poderia pegar a história e iríamos perceber que, numa mesa de 12, um traiu Jesus Cristo. Aí poderia pegar a reunião de Inconfidentes, um traiu Tiradentes. E nem por isso Cristo seria menos importante, nem por isso Tiradentes deixou de ver acontecer a Independência pela qual foi esquartejado, sua carne salgada, pendurado nos postes.No domingo passado, confirmou-se o descalabro eleitoral de Lula da Silva, empurrado pelos eleitores para uma segunda volta que negou até ao último momento qualquer possibilidade de vir a existir. Praticamente no espaço de duas semanas foi eclipsada a larga vantagem que o separava nas sondagens do seu opositor Geraldo Alckmin, apagado governador cessante do estado de S. Paulo, que deixou em grande parte a imagem de um erro de casting quando comparado à alternativa José Serra, seu já confirmado sucessor e concorrente de Lula nas eleições anteriores.
Lula da Silva discursando em Sorocaba (S. Paulo), citado pela Folha de S. Paulo de 25 de Setembro.
Aparentemente desta vez o argumento de Lula da Silva de que, em mais um escândalo, não viu, não sabia e não percebeu, e que pairaria impoluto (como acima, qual Jesus Cristo) sobre todo o lodo dos sucessivos escândalos que abalaram (e abalam) o seu mandato, teve nas urnas resposta à altura, ultrapassando-se a espectativa de que o discurso do "sou bandido, mas faço" viesse novamente a surtir efeito. Para os que não acompanharam o sucedido, elementos destacados do PT (Partido dos Trabalhadores) de Lula, bem como da sua esfera de relações pessoais, viram-se envolvidos recentemente, durante a campanha, num escândalo que envolveu a a compra por avultadas quantias de dólares e reais de um dossier supostamente incriminatório do seu concorrente e de José Serra num outro escândalo que envolveu a compra inflaccionada de ambulâncias. O negócio foi desmascarado, e vários elementos próximos de Lula incriminados directamente no sucedido, desde o seu director de campanha (entretanto afastado) e presidente do PT Ricardo Berzoini, até ao seu segurança pessoal e "acessor especial" da presidência Freud Godoy, passando pelo amigo e churrasqueiro oficial Jorge Lorenzetti e pelo amigo dos tempos das lides sindicais Osvaldo Bargas, casado com a sua secretária pessoal. Tornou-se assim, portanto, extremamente difícil de engolir a desculpa avançada por Lula de desconhecimento de todo o processo.
Fica assim a espectativa em relação ao desfecho eleitoral da segunda volta, marcada para o fim do mês, confirmado o esperado apoio de outras candidaturas ao candidato Alckmin e confirmado que já está o (previsível) não apoio da terceira candidata Heloisa Helena (dissidente do PT) a Lula.
Além disso, subsiste também um desafio para as próprias instituições brasileira, já que pela lei eleitoral brasileira Lula poderá ser responsabilizado por uso de dinheiro não contabilizado para fins eleitorais, resultando na impugnação da sua candidatura (pouco previsível de acontecer dados os constrangimentos temporais até à consumação da segunda volta), ou então, caso seja eleito, poderá ser pelos mesmos factos alvo de uma comissão do senado que investigue os factos, podendo deliberar na direcção do início de um processo de impeachment.
Tempos quentes que se adivinham, ainda mais quando se noticía (revista Veja de 27 de Setembro) terem sido descobertas há duas semanas escutas nos telefones do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal.
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