2006/10/10

De olhos bem abertos



Inicia-se aqui hoje uma nova rubrica no Small Brother em que, a cada segunda-feira (hoje excepcionalmente com algum atraso), um dos small-brothers dirá de sua justiça qual foi, na sua opinião, o melhor (ou eventualmente, o pior) artigo na blogosfera da semana que passou, acompanhado de um pequeno comentário que justifique a sua decisão. Naturalmente, as razões e a justificação da escolha vinculam somente o autor da semana em concreto, e não o resto dos small-brothers, à semelhança aliás da politica de liberdade editorial da casa.

Face à responsabilidade de abrir o activo, a minha escolha recaiu no artigo "Talvez ensinando-lhe o significado de ser justo", da autoria de Paulo Pedroso, no Canhoto, aliás já referido no artigo anterior do José Barros. O texto parte da análise de um artigo de Tiago Mendes no Diário Económico, particularmente sobre a problemática das pensões numa óptica de solidariedade inter-geracional.

Como convencer um filho, que vai amealhando dinheiro, que é justo que sejam os seus avós a utilizá-lo, mesmo que um dia ele possa fazer o mesmo aos seus netos?


Explicando-lhe quem o alimentou, vestiu e protegeu. Dizendo-lhe quem ficou noites sem dormir quando tinha febres altas. Dizendo-lhe de que se privou para lhe comprar material escolar, pagar as propinas ou a festa de anos, para não falar naquela prenda de Natal que nunca esqueceu. Fazendo-lhe notar que começou a perceber o que é a poupança com a educação que recebeu quanto ao modo como devia gerir a mesada. Contando-lhe como ficou com a vida em pantanas para assistir às urgências da sua crise final da adolescência. Dando-lhe conta de quem pagou a entrada para o carro com que começou a saír à noite e da ansiedade em que ficava, apesar de querer confiar no seu sentido de responsabilidade, quando chegava a casa só na manhã seguinte. Lembrando-lhe que teve tudo o que o avô teve muito mais cedo que o avô e ainda que teve muitissimas coisas que o que o avô nunca teve. Enfim, explicando-lhe que é apenas um elo numa cadeia de gerações e não o centro do mundo, que começou antes dele e continuará depois do seu desparecimento.
Na minha opinião, o artigo de Paulo Pedroso enuncia perfeitamente o paradigma actual, e clarifica no conjunto o desafio ideológico que se apresenta quando tratamos de analisar a situação presente da sustentação das pensões de velhice, ajudando a separar as águas. Além disso, contribuíu para uma interessante (e particularmente elevada) discussão na caixa de comentários, que incluiu o autor do artigo comentado e a participação do Adolfo Mesquita Nunes d'A Arte da Fuga, entre outros.
Eu penso que se consegue melhor justiça social oganizando-a em função das necessidades de "quem precisa" e pensando essas necessidades como direitos. A concepção que explicita centra-se na disponibilidade de quem "dá", num sentido de dávida. Em minha opinião tem vários inconvenientes, mas concedo com facilidade que a disussão direitos/dádiva se coloca dentro de interpretações do espaço da solidariedade e nessa medida são interpretações concorrenciais e antagónicas do apelo egoísta, contido na pergunta que serve de mote a ambos.

Paulo Pedroso, na caixa de comentários.
Pessoalmente, a minha opinião é que fica bem patente a caducidade do próprio modelo moral e social (já nem vale a pena falar do económico) que assiste ao corrente statu quo: fala-se de "famílias", de solidariedade de filhos com pais e pais com filhos, quando o tecido da nossa sociedade é cada vez mais preenchido de novas realidades de parentalidade, em que as gerações são cada vez mais afectivamente distantes, e na proliferação de disfuncionalidades sociais. O Mundo avançou, mas a boa intenção de alguns parou no tempo, no tempo em que familias conviviam a metros de distância e em que os núcleos familiares desenvolviam funções efectivamente significativas e relevantes na sociedade.

Não digo que estas ainda não existam. Existem, mas têm que conviver com uma realidade que se lhes opões e que não permite que se possa utilizar o formato como modelo. Ainda mais quando se pretende pelos mesmos considerandos e boas intenções, empurrar todos para uma espiral irrealista de wishful thinking que, para além de intrinsecamente injusta, porque sendo coerciva (e tendo que se afirmar desse modo), nos faz duvidar da sua razoabilidade e sustentação na opinião dominante, já adquiriu há muito vida própria em direcção ao abismo.

No final, fica a constatação dos dois lados da "contenda": o lado do liberalismo, que crê em cada um como o melhor responsável para cuidar e acautelar as suas necessidades, e que não toma todas as famílias (cada vez mais, o que quer que isso seja) como funcionais, ignorando todos os filhos e pais que se odeiam ou que se abandonaram mutuamente - afinal, se a relação entre pais e filhos é forte, para que é preciso um estado a assegurar o apoio mútuo decorrente dessa relação? - e o socialismo reinante, que continua a viver utupias de condicionamento de mentalidades e de "solidariedade" e "união", nem que tenha que ser à força.

Sem comentários: