2006/09/07

7 razões para não acreditar em sentidos únicos

Refundação da direita e liberalismo em sentido único:

  1. Direita liberal em Portugal, só faz sentido enquanto conceito abstracto. Um movimento político concreto para existir tem que ser visível e palpável ao eleitorado, e neste caso corresponder à sua noção de direita. Ora o eleitorado da direita portuguesa segue esta ordem (da direita para a esquerda): (1) começa no nacionalismo reaccionário do extinto MAN, passa pelo (2) bolorento saudosismo salazarista de retornados e outros idosos nostálgicos, segue pelo (3) conservadorismo católico-moralista da família e bons costumes do CDS e pelo (4) populismo demagógico de subsídio à agricultura e pensões aos velhotes do PP e acaba no (5) keynesianismo do progresso e das autoestradas, "dos hipermercados ao domingo e da fé no euromilhões" - a famosa direita de boliqueime. E é a partir daí que maioria dos portugueses traça a thin red line onde acaba oficialmente direita e começa a esquerda.
  2. Consequentemente, é bom entender que quem vota na direita em Portugal, vota sobretudo numa identificação com os valores acima: o eleitorado de direita em Portugal não é na sua maioria um eleitorado liberal. Por boa razão, a robustez intelectual e política da tese liberal nunca passou de um devaneio marginal de alguns membros do CDS e do PSD. Por alguma razão as "bases" nunca aceitaram essa orientação liberal. Não digo com isto que não haja eleitorado liberal, acho até que tem crescido a olhos vistos, mas vem tanto da esquerda como da direita. E embora com os seus defeitos, os seguidores do MLS são um exemplo disso. Dirigir a agenda liberal a um eleitorado de direita, apresentando-a como uma solução da direita, é quanto a mim um erro para a afirmação de um país mais liberal.
  3. Há também quem afirme que a direita partidária nacional (o PSD, o CDS) é na verdade uma esquerda pois é igualmente socializante, e que mesmo, mesmo, mas mesmo a sério de direita são os liberais. E quanto mais liberais mais de direita. Bom, por muito jeito que esta nova definição de direita possa dar a alguns e por muita justificação semântica que isto possa ter no campo da filosofia política, a verdade é que é uma definição completamente afastada da realidade do eleitorado em Portugal. Ora como diz o JM, uma definição é uma definição e vale pela aceitação que tem. E redifinir todo o espectro político de direita como sendo de esquerda para poder comprar o liberalismo em exclusivo, é daquelas definições de aceitação muito limitada.
  4. Identificar a esquerda com socialistas e comunistas é tão redutor como identificar a direita com nacionalistas e fássistas.
  5. Assim sendo, dizer que Portugal é um país demasiado centrado à esquerda também não me convence . É um país onde o estatismo é omnipresente, e o liberalismo residual, seja à esquerda ou à direita. Portugal é dos últimos países da Europa a ainda punir judicialmente o aborto, o que é no mínimo estranho num país centrado à esquerda. O que acho é que Portugal é um país demasiado centrado a norte do compasso, e isso é o essencial a combater.
  6. Tem se mostrado tão difícil (ou tão fácil) para a esquerda abdicar do intervencionismo económico e do welfare state como para a direita abdicar da sua moral conservadora. Aliás, segundo o Index of Economic Freedom o nível de liberdade económica diminuiu com o PSD, voltando a aumentar com o regresso da "esquerda", o que seria incompreensível se o liberalismo económico fosse uma opção exclusiva da direita.
  7. Parece-me que seria bem mais importante e construtivo forçar a mudança de paradigma, e mudar as mentalidades, de forma transversal. Ser de esquerda ou direita é irrelevante e levantar esta dicotomia é seguir uma agenda política esgotada e inconsequente . É urgente que saibamos pôr essa mudança de paradigma à frente das agendas de direita ou esquerda que os partidos e a comunicação social vão ditando. Mas infelizmente, não é isso que vejo. Os blogs liberais - maioritariamente de direita, é verdade - preocupam-se com a agenda política da direita e não com a agenda política liberal, pior, em caso de conflito entre ambas, colocam não raras vezes o liberalismo na gaveta. De outra forma não se entende a simpatia generalizada pelo governo de Bush, o isolamento do AMN no que diz respeito ao casamento homossexual, a teoria da imoralidade dos morangos com açúcar, ou o voluntarismo mostrado na defesa de religiosos radicais, quando são atacados pela liberdade de expressão artística. Esta direita pode ser liberal, mas, pese embora todos os atributos que lhe reconheço, não é um liberalismo de direita, é uma direita de pendor liberal. E isso quando se vai a votos, faz toda a diferença.

10 comentários:

Vasco Figueira disse...

Clap, clap, clap. Andava a matutar de há uns tempos para cá exactamente isso. Ainda não me tinha saído um caracter que fosse, mas agora já não vale a pena. Já está escrito, e bem.

Anónimo disse...

Caro Francisco Miguel Pires,

Há coisas no seu post com que concordo, outras de que, naturalmente, discordo. Vai-me desculpar mas vou apenas referir as segundas.

" a teoria da imoralidade dos morangos com açúcar"

Deixou-me embasbacado a estranheza hostil com que alguns liberais receberam o ensaio da MFM. Só se pode justificar com falta de leitura. O artigo insere-se numa longa tradição liberal. Karl Popper fez da televisão e dos maleficios que ela poderia provocar nas sociedades liberais o principal tema do seu trabalho na última década de vida. Elegeu a televisão - a sua enorme influência e a indigente qualidade de muito que produz - como o principal inimigo da sociedade aberta nestes tempos. O que nunca foi liberal foi abdicar do juízo crítico. O indeferentismo, cultural ou moral, que eu saiba, não é uma característica do liberalismo.

"Portugal é dos últimos países da Europa a ainda punir judicialmente o aborto,"
"Tem se mostrado tão difícil (ou tão fácil) para a esquerda abdicar do intervencionismo económico e do welfare state como para a direita abdicar da sua moral conservadora"
““o isolamento do AMN no que diz respeito ao casamento homossexual,””

Basicamente, moral e costumes. É de uma ironia quase cómica ver como muitos dos liberais portugueses hoje não gostam de moralismos. David Hume, um dos founding father, era, essencialmente, um moralista. O debate entre virtude e liberdade - desde Hume e a questão do "é" e do "devia ser" até hoje - sempre foi central no liberalismo. O liberalismo sempre reconheceu o papel fundamental da Moral e da Família – incluindo, a título de exemplo, e com muito vigor, Hayek. E fazer a sua defesa, inclusive na definição de políticas públicas, principalmente contra posições assentes em príncipios doutrinários e na coerência lógica, é igualmente uma tradição do liberalismo.

Ainda há pouco li um texto d’o insurgente (linkado num post do José Barros) onde se defendia o casamento entre homossexuais invocando o conceito de liberdade negativa de Berlin. Utiliza-se o conceito precisamente de uma forma quantittativa, mecânica, extensiva. Como se a liberdade fosse um princípio que não estivesse sujeito a cotejamentos e a limitações, especialmente pelo sentimento generalizado das pessoas – e não apenas do próprio agente. Ou seja, exactamente da forma oposta a que Berlin defendia.. Da maneira para a qual tanto alertou que não deveria ser seguida. Pode-se usar o conceito da liberdade negativa, mas aquele não é o de Berlin. Ou se lê até ao fim ou abstemo-nos de referências.

“Por alguma razão as "bases" nunca aceitaram essa orientação liberal”

Qual orientação liberal? Excepto se assumirmos que existe algum referencial estável e perpétuo para o liberalsmo, a direita portuguesa no pós 25 de Abril, com Sá Carneiro e Amaro da Costa, era iminentemente liberal. Aliás, os textos de Sá Carneiro são uma defesa apaixonada do liberalismo.

“Os blogs liberais - maioritariamente de direita, é verdade - preocupam-se com a agenda política da direita e não com a agenda política liberal,”

Há razões históricas para a identificação da direita com o liberalismo. Mesmo em Portugal. Desde, pelo menos, a paradoxalmente chamada revolução liberal.

"voluntarismo mostrado na defesa de religiosos radicais,"

O que tem isso de iliberal? Existe alguma antinomia entre liberalismo e religiosidade? As organizações religiosas não têm direito a defender o bom-nome? Os religiosos radicais usaram de violência ou defenderam a proibição de ler livros ou ver filmes? Se sim, dou-lhe razão. Se não, iliberal é a sua crítica.

"Ser de esquerda ou direita é irrelevante e levantar esta dicotomia é seguir uma agenda política esgotada e inconsequente"

A grelha liberalismo/estatismo tem tantas ou mais limitações que a grelha esquerda/direita. Mas, essnecialmente, uma não invalida a outra.

"Parece-me que seria bem mais importante e construtivo forçar a mudança de paradigma, e mudar as mentalidades, de forma transversal."

Mudar as mentalidades? Mudar o paradigma? Isto sim, são objectivos que pouco têm de liberal. Escreve-se muito sobre “atavismos” e “medos”. Suspeito que muitos liberais andam a confundir atavismos com concepções de vidas boas diferentes das suas. O respeito pela questão identitária é outro património liberal.

Parece-me que muitos liberais se doutrinaram a ler posts e artigos avulso – isto é uma observação que não é dirigida ao Francisco Miguel Pires. Cada um pode usar as palavras a seu belo talante, mas exclusivismos são inconvenientes. O liberalismo não é apenas uma garrafa vazia onde coloquemos tudo aquilo que defendemos e excluímos o resto. Ao ler alguns liberais tenho uma sensação semelhante à que teria ao ler um auto-proclamado marxista a defender o marxismo dizendo que Marx, Gramsci e Althusser só escreveram disparates.

JLP disse...

Em primeiro lugar, Francisco, os meus reiterados parabéns pelo excelente artigo, extremamente oportuno.

"Deixou-me embasbacado a estranheza hostil com que alguns liberais receberam o ensaio da MFM. Só se pode justificar com falta de leitura. O artigo insere-se numa longa tradição liberal. Karl Popper fez da televisão e dos maleficios que ela poderia provocar nas sociedades liberais o principal tema do seu trabalho na última década de vida."

Caro HO,

Como autor de uma das referidas críticas por esta paragens, esclareço o meu ponto de vista em concreto, que de qualquer modo acho que foi acompanhado pela generalidade dos comentários que li vindos de autores liberais na blogosfera: a crítica não foi feita essencialmente à substância da critica moral feita por MFM, apesar de tal do ponto de vista liberal ser perfeitamente legítimo. Concerteza ninguém esteve a defender os Morangos com Açúcar como algum padrão desejável de moralidade alternativo ao da MFM. O que foi essencialmente criticado foi a sugestão implícita e explícita na prosa de MFM de que deveria haver uma "resposta social" ao "flagêlo", nomeadamente por intervenção do estado no sentido de fazer o enforcement de uma determinada moral pré-estabelecida (que curiosamente coincidia com a de MFM).

Ninguém fez a apologia do alheamento ou do indiferentismo moral. O que foi sim dito foi que a acção correspondente a essa avaliação moral compete em exclusivo a quem, em termos liberais, tem a autoridade de o fazer: os próprios ou, constatando-se serem menores, os seus responsáveis, nomeadamente os pais. Ninguém fez a apologia de uma sociedade amoral e moralmente acrítica. O que se disse foi que não compete ao estado a tarefa de ser arauto e enforcer de quaisquer padrões morais.

"O debate entre virtude e liberdade - desde Hume e a questão do "é" e do "devia ser" até hoje - sempre foi central no liberalismo."

Sem dúvida que há debate. Pessoalmente, como já aliás o expressei várias vezes, não concebo o liberalismo como uma teoria moral, não inviabilizando que a partir dele possam ser construídas teorias morais. Para mim, o domínio do liberalismo é sem dúvida o do "é" e não o do "deve ser".

"O liberalismo sempre reconheceu o papel fundamental da Moral e da Família – incluindo, a título de exemplo, e com muito vigor, Hayek. E fazer a sua defesa, inclusive na definição de políticas públicas, principalmente contra posições assentes em príncipios doutrinários e na coerência lógica, é igualmente uma tradição do liberalismo."

Eu diria antes: "ALGUM liberalismo sempre reconheceu o papel fundamental da Moral e da Família". Não o ignoro, mas concluir desse atitude como sendo uma verdade absoluta liberal é, quanto a mim, uma visão limitada e parcial do liberalismo. O liberalismo não é só Hayek.

Sem dúvida que há correntes do liberalismo que previligiam a tradição e a moral. A perspectiva hayekiana do "surgimento de ordens expontâneas" assenta que nem uma luva a esse género de raciocínios e de argumentação.

O que eu já tenho muitas dúvidas é da conclusão que tira que a defesa de políticas públicas de índole moral já seja uma "tradição do liberalismo". Para qualquer liberal.

Não vejo ninguém que se considere liberal a defender uma autonomia moral do estado para ditar políticas públicas nela baseadas. Quando muito é aceite que o estado é remetido ao papel de fazer o enforcement das medidas que emergem espontaneamente da sociedade, e são como tal largamante maioritárias. São coisas completamente diferentes.

No caso referido dos casamentos de homossexuais e de um ponto de vista liberal, é completamente diferente a criação pelo estado de legislação descriminatória que define um contrato de casamento baseado em considerações do que acha "moral" ou mais "apropriado", e a perspectiva de um consenso que surja na sociedade de adoptar uma determinada perspectiva de casamento e esperar que o estado zele por ela. A questão é que, no tempo presente, essa moral do estado está há muito dissociada de algo que se possa considerar sequer minimamente consensual na sociedade.

A outra perspectiva, igualmente liberal, é a de constatar que o estado não tem qualquer legitimidade de interferir em algo que se limita no raio de influência aos seus intervenientes espontâneos e voluntários, e que é em última instância um acto de liberdade destes.

"Como se a liberdade fosse um princípio que não estivesse sujeito a cotejamentos e a limitações, especialmente pelo sentimento generalizado das pessoas – e não apenas do próprio agente. "

A liberdade negativa é um valor absoluto para qualquer liberal. Não pressupõe à partida limitações. Se tal acontecesse deixavamos de ter liberdade, e passavamos a ter utilitarismo ou uma "licenciosidade" da liberdade.

O que o liberalismo defende, na minha opinião, é que existem outros valores absolutos que limitam o que é negativo nessa liberdade. Como a propriedade ou a liberdade negativa dos outros. A violação destas faz com que deixemos de estar perante liberdade negativa, mas sim liberdade positiva, essa sim já nao um valor absoluto e que deve ser portanto limitada ou penalizada no seu excesso. Ora o que é defendido é que a fronteira do que é considerado liberdade negativa não são esses valores absolutos mas sim um "sentimento generalizado" do colectivo das pessoas. No fundo, a moral colectiva. Ora isso não é liberalismo. É sim utilitarismo.

"Há razões históricas para a identificação da direita com o liberalismo. Mesmo em Portugal. Desde, pelo menos, a paradoxalmente chamada revolução liberal. "

Esse mesmo argumento "histórico" funciona exactamente no sentido inverso nos EUA.

Mesmo a nossa "revolução liberal", de liberal teve pouco. Limitou-se a uma causa concreta de luta contra o absolutismo. Meritória, sem dúvida, mesmo de um ponto de vista liberal (havendo contudo alguns liberais que poderão discordar), mas com pouco mais de liberal.

Mas a pergunta chave será não se essas divisões fizeram sentido no passado, mas sim se o fazem hoje.

"O que tem isso de iliberal? Existe alguma antinomia entre liberalismo e religiosidade? As organizações religiosas não têm direito a defender o bom-nome?"

Nada, nenhuma e todo o direito. Mas qualquer liberal também deverá compreender a necessidade de uma efectiva separação entre estado e religião. Como a separação do estado de qualquer outro grupo de interesse.

"Os religiosos radicais usaram de violência ou defenderam a proibição de ler livros ou ver filmes? "

Não convirá esquecer que a exibição do Código daVinci foi proibida por intervenção de lobbies religiosos em diversos países. Assim como, no passado, diversos outros filmes o foram em diversas paragens pelos mesmos mecanismos de influência. Inclusivé em Portugal.

"A grelha liberalismo/estatismo tem tantas ou mais limitações que a grelha esquerda/direita. Mas, essnecialmente, uma não invalida a outra."

Não invalida, mas naturalmente que uma classificação bidimensional é superior a uma unidimensional. Nomeadamente quando partilha uma das dimensões.

"O liberalismo não é apenas uma garrafa vazia onde coloquemos tudo aquilo que defendemos e excluímos o resto."

Concerteza. Mas isso é válido em mais do que uma maneira.

FMP disse...

Caro ho,

Acho as críticas algo desviadas do assunto maior.

Para dar o exemplo MFM pode defender o que bem quiser para os seus filhos. Já quando alguém com pretensões políticas se associa a essa moral, é normal que arraste consigo os eleitores que com ela concordam, e, uma vez eleito, é também normal que eles exijam o tal "enforcement" dessa moral.

Não estou a falar tanto de identificação com a história da filosofia política mas da identificação com um eleitorado, e da estratégia que melhor serve a ascensão uma sociedade mais liberal em Portugal.

Acresce que no liberalismo há espaço para muitas morais, razão pela qual não se pode defender nenhuma, apenas permitir que haja espaço para todas.

FMP disse...

Para ir de encontro aos vários pontos:

Sobre os morangos:

- MFM defendeu que a TVI não pode perseguir apenas o lucro, uma observação que me custa a inserir nessa longa tradição liberal que referes
- MFM culpa o programa de ter levado um jovem a masturbar-se num autocarro, uma frase de um racionalismo crítico a toda a prova (já que gostas de citar Popper.... : )
- Qual foi a solução proposta por Popper para o problema da TV ?

" liberalismo sempre reconheceu o papel fundamental da Moral e da Família "

O liberalismo não reconheceu nada. Alguns autores liberais reconheceram esse papel, porque assim era a moral predominante na época em que viveram. Hoje certamente defenderiam algo diferente. Fizeram-no sobretudo defendendo a primazia da família sobre o estado em determinadas matérias como a educação. Nunca defenderam que o estado deve retirar aos solteiros para dar aos casados.

"especialmente pelo sentimento generalizado das pessoas "

Subscrevendo as observações do JLP sobre liberdade negativa. Diz-me só, como é que este sentimento generalizado se define, em termos concretos ?


"os textos de Sá Carneiro são uma defesa apaixonada do liberalismo"

Um bocadito de exagero..Mas por acaso estive para citar a efemeridade e o esquecimento vetado a Sá Carneiro, mas depois achei irrelevante. Se calhar mal, concedo.

"Os religiosos radicais usaram de violência ou defenderam a proibição de ler livros ou ver filmes? Se sim, dou-lhe razão."

Sim, defenderam a proibição.


"Existe alguma antinomia entre liberalismo e religiosidade?"

Bom, a mim basta-me separar as águas (estado/religião). Mas de um ponto de vista objectivista pode se argumentar nesse sentido.

"Há razões históricas para a identificação da direita com o liberalismo. Mesmo em Portugal. Desde, pelo menos, a paradoxalmente chamada revolução liberal. "

Se já dizes que é paradoxal, para quê o argumento ?

"A grelha liberalismo/estatismo tem tantas ou mais limitações que a grelha esquerda/direita"

Não sei avaliar o grau de limitações de grelhas. Sei que Portugal apenas se move numa: a da esquerda-direita. É só isso que critico.

"Mudar as mentalidades? Mudar o paradigma? Isto sim, são objectivos que pouco têm de liberal.... O respeito pela questão identitária é outro património liberal."

Eu não falo em impor a mudança.São coisas bem diferentes. Se estiver a pregar sozinho, assim ficarei. A persuasão por exposição racional de uma ideia, é iliberal a partir de quando ? Se fosse assim não faria sequer sentido falar de autores liberais pois todos eles tiveram essa pretensão.

FMP disse...

evidentemente "votado" e não "vetado"....pobre Sá.

Helder Ferreira disse...

Caro Hugo ;-),

Não se defendia o casamento, defendia-se que a doutrina Liberal implica o reconhecimento pelo estado (minúscula: organização burocrática que gere os assuntos do Estado) das uniões homossexuais (subtil diferença), sabendo que o problema é que o casamento é uma união a três. Dois nubentes mais o estado.

Cá em casa leu-se Berlin até ao fim. Não entendo onde a frase acima é o oposto do conceito de liberdade negativa. Se se refere ao ensaio sobre as duas concepções de liberdade historicamente em confronto, reconheço que não é fácil, mas tanto quanto percebo, os cotejamentos e limitações dependem apenas de “não pôr em causa direitos análogos de outros ou prejudicar a ordem que permite tal estado de coisas”. Não vejo porque é que a utilização é “quantitativa, mecânica extensiva”. Aliás, a questão moral nestas coisas valeu uma discussão interessante entre o JLP, o Migas e eu próprio que, espero, há-de continuar.
Quanto a outras objecções, numas concordo consigo, noutras com os “Pequenos Irmãos.”
Caro Francisco,

Excelente post, falta-lhe no entanto o problema não resolvido de um enquadramento moral. Vou pedir ajuda ao Migas. :-))

P.S. A crítica ao AAA é injusta. Poucos defendem a separação estado/religião como ele o faz.

JLP disse...

"Aliás, a questão moral nestas coisas valeu uma discussão interessante entre o JLP, o Migas e eu próprio que, espero, há-de continuar."

Mea culpa, mea culpa.

Eu é que estou em falta.

Já agora, para referência, o Migas que é referido é este.

"A crítica ao AAA é injusta. Poucos defendem a separação estado/religião como ele o faz."

Falo por mim, e naturalmente não pelo Francisco, ao dizer que não acho que a crítica tenha sido pessoal. Do que conheço e leio do AAA, já há algum tempo, só posso constatar o maior respeito intelectual e pessoal, mesmo dentro do "meu" liberalismo.

O AAA tem todo o direito de sentir particularmente a peito a questão da religião. Eu se a tivesse (institucionalizada), provavelmente também o faria. Mas, para ser sincero, acho que algumas vezes se torna um pouco difícil de ajuizar, no que escreve, à semelhança de outros na "blogosfera liberal", onde é que reside a prioridade do discurso, se na defesa do liberalismo ou da religião católica. E isso é uma dúvida que faz uma grande diferença, e que fará a quem os lê, habituados a correlacionar religião com conservadorismo e com uma moral ditada do palanque do estado.

Adicionalmente, e particularmente nessa área (há outras, mas não vale a pena ir por aí), com honestidade (e construtivamente), acho que se envereda muitas vezes n'O Insurgente por um registo um bocado partizan e extremo que se torna muitas vezes muito difícil de distinguir de quem critica e acusa, muitas vezes do mesmo extremismo e registo. Uns mais do que outros, uns dias mais do que outros.

Como difícil se torna de perceber algumas defesas um pouco "cegas" da direita em deterimento do liberalismo, como por exemplo em algumas defesas do Bush que muitas vezes soam a defesas que são feitas por alguns de outros de esquerda porque "são de esquerda", no que acaba por redundar numa mera "marcação de território", mas de uma território que se calhar muitas vezes não faz sentido em termos de liberalismo.

Mas adensa-se a dúvida se numa questão como a discussão política faz sentido combater fogo com fogo.

As minhas desculpas pela sinceridade da crítica, mas para mim a sinceridade e a honestidade são coisas para se utilizarem! Principalmente com aqueles que o merecem! ;-)

Abraço.

FMP disse...

Caríssimos,

Obrigado pelos comentários. Restam-me só duas precisões:

- Sou economista e a minha área é finanças. Tenho uma visão pragmática das coisas. Gosto da abordagem moral de Rand, mas não sou especialista em filosofia moral nem política. Tenho mesmo alguma dificuldade em seguir determinadas discussões que se geram nessas áreas. É natural que haja essa falta de enquadramento, mas precisaria de ter lido muito mais para a poder estruturar. Dito isto, também não me considero o "leitor de websites" de que o HO fala...
- Admito que possa ter sido injusto ao referir o post do AAA, porque haviam muitos mais exemplos a dar. Mas tal como diz o João, tem a ver com a prioridade do discurso, e o impacto que tem junto dos leitores. De resto, partilho do mesmo respeito intelectual que o João fala e tenho o seu livro aqui na estante ao lado ( esta foi só pra dizer que ainda leio algumas coisas de filosofia política... ;)

Abraços

João Vasco disse...

Não podia concordar mais!

Tudo o que está escrito no texto me parece sensato e razoável.


No "Veu da Ignorância" também se tem escrito sobre a importância da esquerda ser mais liberal, sem deixar de ser de esquerda. Muitas reformas de pendor liberal podem ser feitas à direita ou à esquerda, e aumentar a prosperidade geral.


Os países nórdicos têm tido políticas de esquerda, no sentido da redistribuição da riqueza, combate à pobreza, etc... mas tudo isso com uma legislação laboral bastante flexivel, uma função pública mais "leve", menos empresas públicas, etc...


De resto, seria difícil ter uma "direita liberal" em Portugal a governar quando algumas figuras incontornáveis dos partidos de direita são o Paulo Portas, o Alberto João Jardim, o Major Valentim Loureiro, Pedro Santana Lopes, etc... Existe todo um universo populista na direita que de liberal tem muito pouco...


No parlamento Europeu o partido liberal não é conotado nem com a esquerda, nem com a direita, e parece-me que tem feito um excelente trabalho. E tem tido uma importância "central", por poder apoiar qualquer um dos lados, formando maiorias.