2006/08/07

O limite dos pais como agentes educativos

Escreve David Byrne (sim, o dos Talking Heads...) no seu blog, denunciando uma situação exposta por um documentário a estrear brevemente (duvido que por cá...):

Saw a screening of a documentary called Jesus Camp. It focuses on a woman preacher (Becky Fischer) who indoctrinates children in a summer camp in North Dakota. Right wing political agendas and slogans are mixed with born again rituals that end with most of the kids in tears. Tears of release and joy, they would claim — the children are not physically abused. The kids are around 9 or 10 years old, recruited from various churches, and are pliant willing receptacles. They are instructed that evolution is being forced upon us by evil Godless secular humanists, that abortion must be stopped at all costs, that we must form an “army” to defeat the Godless influences, that we must band together to insure that the right judges and politicians get into the courts and office and that global warming is a lie.

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There were some perfect sound bites — at one point Pastor Fischer instructs the little ones that they should be willing to die for Christ, and the little ones obediently agree. She may even use the word martyr, which has a shocking echo in the Middle East. I can see future suicide bombers for Jesus — the next step will be learning to fly planes into buildings. Of course, the grownups would say, “Oh no, we’re not like them” — but they admit that the principal difference is simply that “We’re right.”

[...]

They want to turn the U.S. into the "Christian" version of Iran or Saudi Arabia. A theocracy. The separation between church and state, already shaky with Bush in charge, is under full frontal assault by this bunch — and they are well organized, too. The megachurches tell their parishioners who to vote for, what judges to support, letters to write, and where they should stand on the issues.

[...]

When one sees religion perverted — in the U.S. or in Israel, Pakistan, Afghanistan or India, one wonders if the spiritual seeds, planted by visionaries and enlightened prophets like Jesus, Mohammed, Marx and others, are just too volatile for large societies to deal with. One asks if religious visions are better off kept as a personal thing, or at least confined to a small group — otherwise the death and destruction sown by and in the name of religions more or less balances out their moral and personal virtues (which are many.)
Não tenho nada contra a intervenção das religiões na sociedade como lobby político. Aliás, não faz sentido que uma associação religiosa ou que a formalização como grupo de uma religião tenham de algum modo a sua intervenção política limitada na sociedade. O facto higiénico de o estado dever estar formalmente separado da religião e de ser laico não significa, quanto a mim, que seja banido o papel das religiões na sociedade e que lhes deva ser tirada a voz qua assiste a qualquer grupo de cidadãos e a qualquer indivíduo tão somente por tentar defender consequências sociais tiradas da sua constituição religiosa.

Não me repugna portanto que as religiões e os seus representantes apelem ao voto em forças partidárias, no caso americano apoiem a nomeação de determinados juízes, façam lobby ou demonstrem publicamente a sua posição. O facto de uma pessoa ter uma religião não lhe deve conferir nem mais nem menos direitos à luz do estado. Inclusivé à luz do direito português sou muito critico em relação à lei que impede os padres de apelarem ao voto ou tentarem condicionar este, na prática retirando-lhe liberdades inalienáveis de valor bem mais alto como a de religião e a de expressão, amordaçando-os na sua condição de indivíduos.

Mas também não posso deixar de me insurgir contra o comportamento repugnante descrito no artigo em causa. Travestida de "liberdade educativa", o que se assiste (quer no caso referido como no de outras religiões) é a uma autêntica máquina de condicionamento mental, moral e religioso de pessoas que, pela sua idade e nível de maturidade estão à mercê daqueles que lhes estão mais próximos.

O facto de a generalidade dos liberais defender que a competência de deliniar um projecto educativo para as crianças deva dizer respeito e ser uma responsabilidade dos pais, e não do estado nos seus esforços dirigistas de criação de "homens bons" através de centralismo pedagógico e de programas delineados pelos pedagogos do regime, não pode deixar nunca de centrar a esfera dos principais interessados e cujos direitos e liberdades é necessário defender na criança. A referida responsabilidade deve ser exactamente como isso: uma responsabilidade. Não um direito ou o reflexo de um qualquer mecanismo de "posse" dos pais sobre os filhos. Deverá haver mecanismos estabelecidos pela sociedade, e aplicados pelo estado (nomeadamente judicialmente), de aferição do cumprimento mínimo da capacidade e responsabilidade parental de assegurarem essa sua missão. Acima de tudo, deverá haver a possibilidade de impedir mecanismos de condicionamente que acabam por limitar as liberdades presentes dos filhos e o reflexo do presente naquelas que só possam ser usufruidas por eles no futuro.

Os comportamentos acima descritos são, quanto a mim, exercícios de condicionamento intoleráveis. Tornam em última instância os filhos não em indivíduos, mas sim (pelo exercício de falta de escrúpulos dos pais) em mais um número para as fileiras da "guerra de religiões", contra outras religiões ou contra o "ateísmo" e o "seculatrismo". Acima de tudo impedem que uma possoa possa vir a existir por si própria e condicionada somente pelas suas decisões, pelo seu exercício de espírito crítico e liberdade religiosa, acabando por se tornar tão somente no prolongamente para uma geração seguinte dos seus pais e das suas prioridades.

Porque, não nos podemos esquecer, como todos os indivíduos (e com toda a legitimidade), os pais também têm prioridades. Só que muitas vezes estas não coincídem com os melhores interesses dos que estão a seu cargo, nem sequer se coadunam com o seu estatuto de indivíduo.

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