2006/08/19

Falácias de quem não percebe o liberalismo II - direito de propriedade e saúde

Sobre este artigo:

Um caçador foi capaz de apanhar um javali, sozinho. A caminho da sua caverna adormece.
Um outro homem passa por lá, e decide levar o javali morto.

O que este homem fez é condenável?

[...]

A resposta mais simples, influenciada pela intuição irreflectida, ou por ensinamentos religiosos rígidos e interiorizados, é que a acção constitui roubo. O qual é condenável.
Mais uma vez o João Vasco tenta erguer um espectro que pura e simplesmente não faz sentido em termos de doutrina liberal. A consideração de que a perspectiva liberal em relação à propriedade emerge de considerações éticas ou religiosas é um equívoco que importa esclarecer.

Enquanto o socialismo, esse sim, associa a propriedade a questões morais de "justiça social", consubstanciados no clássico "a terra a quem a trabalha", estabelecendo uma clara correlação contínua entre o "merecer", pelo esforço do trabalho e o "ter", e transformando a propriedade na prática num direito de ocupação sancionado pelo estado de acordo com critérios discricionários e somente enquanto estes forem cumpridos, o direito de propriedade para os liberais constitui-se geralmente estabelecendo-se critérios legitimadores da transferência e da posse. Essencialmente, a propriedade constitui-se quando alguém demonstra ter trabalhado sem objecção de ninguém para valorizar uma propriedade devoluta, adquirindo a sua posse, ou transfere-se posteriormente quando alguém consegue convencer o seu proprietário a abdicar dela em troca de determinado valor que o motiva à troca.

No caso em concreto do javali, e partindo-se do princípio que foi caçado em domínio público, o acto de o caçar, quando ninguém mais o havia feito nem tinha investido os seus recursos e o seu tempo nisso, legitima plenamente que o caçador adquira a propriedade absoluta sobre o javali. Posteriormente, quem quiser apropriar-se de todo ou de parte do javali terá que convencer o caçador, com contrapartidas, de que este tem interesse em estabelecer determinada troca. Os problemas e as considerações liberais terminam essencialmente por aqui. O caçador adquiriu o javali não porque foi melhor do que os outros ou porque teve um desígnio mais elevado, mas sim porque teve a iniciativa, enfrentou a sua necessidade e arriscou, colhendo posteriormente os frutos.

Em contrapartida, a alternativa socialista seria essa sim moral. O javali não seria nunca propriedade do caçador mas sim (com maior ou menor clareza), propriedade do "bem comum". A possibilidade do caçador poder dispor da sua presa passa a ser alvo de considerações externas: será que há pessoas mais necessitadas do javali que o caçador? Será que este até já tinha outros javalis caçados? Será que o javali engorda e não faz bem ao caçador comé-lo?
Imaginemos agora que o homem que passou por lá, por alguma razão que agora não vou explicar, precisaria desse javali para poder salvar a vida de 7 elementos da sua tribo. Imaginemos que ele sabe que o caçadaor nunca acederá caso ele peça o javali, mesmo que faça inúmeras promessas de pagamento futuro.
Parece óbvio que "roubar" se torna a decisão eticamente correcta.

[...]

O roubo, em geral, é errado porque as suas consequências são nefastas do ponto de vista do bem comum: as pessoas são menos incentivadas a produzir bens, e existirá um gasto desnecessário de esforço e recursos a proteger os nossos bens de terceiros. Isto para não falar nas questões da violência, das mortes, etc...
O João Vasco está a misturar dois problemas, e nesse processo compreende-se que não esteja muito interessado em "explicar a razão". Um problema é o da propriedade, e do roubo efectivo. Outro é o da responsabilidade do estado em zelar pela sobrevivência (leia-se redistribuir parcialmente o risco) dos seus cidadãos. O roubo é sempre um roubo. Quer seja por convenção ou por considerações apriorísticas de direito natural.

Ora o que o João Vasco está a dizer é que o "homem que passou por lá" tem legitimidade para se substituir aos estado, no fundo aplicando uma perspectiva colectivizadora da propriedade do javali. O javali é "de todos", e como tal o homem tem o direito de "acção popular" de intervir e trocar a propriedade de mão. Basicamente, uma perspectiva de que seria legítimo ocupar a minha casa com pessoas em situação extrema. Ora essa competência não é individualmente dessa pessoa nem o caçador se tem também que estar a preocupar com ela. Essa tarefa é uma competência do estado, estado esse sim que é que se tem que preocupar com as 7 pessoas.
O exemplo do roubo do javali para salvar vidas pode parecer disparatado à primeira vista. Mas é uma forte razão para defender o serviço nacional de saúde. Imaginemos que se estima que a esperança média de vida, mantendo o SNS, é superior em um ano àquela que se verificaria se o sistema de saúde fosse inteiramente privado. Em média isso seria o equivalente a dizer que em cada 100 pessoas a vida de 3 tinha sido salva pelo facto do SNS ser público.
O raciocínio enunciado é basicamente uma "self fulfilling prophecy", potenciada pela natural aversão da esquerda à iniciativa privada.

Em primeiro lugar, parte de um princîpio de que os liberais defenderiam que essas sete pessoas seriam deixadas à sua mercê. Mas, para ser justo, terá que reconhecer que uma grande parte dos liberais defendem mecanismos de safety-net atribuídos ao estado. Além disso, é também enganador, porque não tém em conta a realidade. Partindo do princípio que essas pessoas não fizeram nada em proveito próprio para subsistir, ou seja, que não têm recursos próprios e que se entregaram à sorte, a questão seria: e se o caçador tivesse apanhado um coelho ao invés do javali? E se também o caçador precisar do javali para sobreviver e alimentar a família? Os recursos não seriam suficientes para resolver o problema dos oito (pelo menos). Como era?

10 comentários:

João Vasco disse...

«Mas, para ser justo, terá que reconhecer que uma grande parte dos liberais defendem mecanismos de safety-net atribuídos ao estado»

E com esta frase se destroi toda a alegada refutação que este artigo constituiria.

É que o meu ponto é precisamente esse: que pode ser legítimo que o estado possa ter esses mecanismos, mesmo quando isso posso implicar a violação da propriedade privada.

Ou seja: a propriedade privada não deve ser algo absoluto.

Todas as outras considerações e comparações com o socialismo são irrelevantes, visto que nunca defendi o socialismo nesta série de artigos.

JLP disse...

"É que o meu ponto é precisamente esse: que pode ser legítimo que o estado possa ter esses mecanismos, mesmo quando isso posso implicar a violação da propriedade privada."

O problema é que todo o seu artigo acaba por existir para defender, no final, não uma safety-net, mas um SNS público. Ora as duas coisas não são necessáriamente sobreponíveis, e podem passar por regras de operação bastante diferentes. Uma safety-net, além de prestar apenas "serviços mínimos" (leia-se, tão somente o que garante a vida do indivíduo), não permite concluir em nada relativamente ao seu financiamento, nomeadamente em que os custos de a quem ela recorre tenham que ser obrigatoriamente repostos por essa pessoa à posteriori.

Além disso, a conclusão relativamente à propredade absoluta é abusiva: por uma justificação constratualista, o facto de se estabelecer um determinado contrato social com pressupostos liberais, que é aceite pelas partes e que inclui funções de safety-net, com objectivos não de" bem comum" mas de minimização do risco individual, estabelece obrigações ao estado e os individuos, que incorrem em custos para os segundos. Ou seja, por esta lógica, os impostos não são confisco nem estão ao alcançe de ser mudados/impostos/criados pelo estado: são responsabilidades contratuais que foram assumidas pelos indivíduos e a que voluntariamente e de boa-fé se submetem. O que em nada acarreta que tenham mantido sempre o domínio absoluto sobre a sua propriedade.

Além disso, o que referi foi que havia uma "grande quantidade de liberais" que defendiam a existência de safety-nets. Não são todos. Existem outros que não defendem a sua existência, e que acham que uma sociedade verdadeiramente livre baseada num mercado plenamente livre e num estado empurrado para as suas funções mínmas é suficiente para assegurar essas funções, através de esforços voluntários de caridade ou de intervenção (altruista ou não) individual, com argumentos também extremamente válidos.

João Vasco disse...

"O problema é que todo o seu artigo acaba por existir para defender, no final, não uma safety-net, mas um SNS público"

Isso é o que eu defendo, mas não aquilo que o artigo defende.

O artigo defende que essa hipótese deve ser EQUACIONADA, o que parte de uma "dessacralização" da propriedade privada.

Defender a safety-net parte dessa mesma dessacralização, desde que a mesma não se limite aos esforços voluntários ou de intervenção individual.

Ou seja, o artigo é destinado apenas a estes últimos que são os únicos que não relativizam, de todo, a propriedade privada.
É a estes que se destina a pergunta: e nos casos em que fazê-lo prejudica indubitvelmente a comunidade? (Como o exemplo do javali) Que fazer nessa altura?

JLP disse...

"O artigo defende que essa hipótese deve ser EQUACIONADA, o que parte de uma "dessacralização" da propriedade privada."

E o que lhe respondi foi que tal não tem que ser necessariamente assim, que é possível conciliar um desejo expresso de existência de uma safety net com propriedade absoluta. Basta que isso seja o desejo expresso pelos seus proprietários.

"Ou seja, o artigo é destinado apenas a estes últimos que são os únicos que não relativizam, de todo, a propriedade privada.
É a estes que se destina a pergunta: e nos casos em que fazê-lo prejudica indubitvelmente a comunidade? (Como o exemplo do javali) Que fazer nessa altura?"

No caso em que não tenha havido um acordo em relação ao estabelecimento dessa safety net, paciência. Não há prejuízo da sociedade porque nesse cenário deixa de existir uma obrigação e uma responsabilidade assumida por esta em minimizar o risco de cada um dos seus elementos e em zelar pela sua integridade física. Isso passa a ser um assunto da total responsabilidade de cada um. Não há prejuízo em exercícios que não podem ser analisados como um todo.

Se quisesse ser demagógico até poderia dizer que, como um todo, a sociedade até acabou por beneficiar, porque foram eliminados os irresponsáveis e os fracos.

No caso apresentado, os referidos 7 individuos não teriam mais do que arranjar maneira de resolver o seu problema. Se optaram por não se precaver e não assegurar meios para o cenário em que se encontram, indo caçar javalis quando lhes era possível, isso foi uma decisão deles, tomada em liberdade, de que devem ser também os únicos responsabilizados.

João Vasco disse...

«Basta que isso seja o desejo expresso pelos seus proprietários»

Nesse caso estamos a lidar com contribuições voluntárias. Mas fez a distinção entre quem apenas acredita nesta possibilidade e em quem não se limita a ela.

Quem a ela não se limita, relativiza a propriedade privada.

«No caso em que não tenha havido um acordo em relação ao estabelecimento dessa safety net, paciência.»

A questão aqui é se o acordo deveria ou não existir.

«Não há prejuízo da sociedade porque nesse cenário deixa de existir uma obrigação e uma responsabilidade assumida por esta em minimizar o risco de cada um dos seus elementos e em zelar pela sua integridade física.»

Se numa sociedade eu não tiver obrigação de salvar a vida de alguém que está a mrrer e pede socorro, bastando (por exemplo) para isso levá-la ao hospital, a minha recusa em fazê-lo não deixa de ser pouco ética, só porque essa obrigação deixa de existir aos olhos dessa sociedade.
Nesse caso, essa regra social, de não censurar quem se comporta desta forma, é que está errada.

«Não há prejuízo em exercícios que não podem ser analisados como um todo.»

Mas o exercício PODE ser analisado como um todo.
Certamente que o benefício de salvar 7 vidas é superior ao prejuízo causado pela perda de um jvavali nestas circunstâncias específicas.

«Se quisesse ser demagógico até poderia dizer que, como um todo, a sociedade até acabou por beneficiar, porque foram eliminados os irresponsáveis e os fracos.»

Não vou responder a este argumento, visto que é o próprio autor que o considera demagógico.

«No caso apresentado, os referidos 7 individuos não teriam mais do que arranjar maneira de resolver o seu problema. Se optaram por não se precaver e não assegurar meios para o cenário em que se encontram, indo caçar javalis quando lhes era possível, isso foi uma decisão deles, tomada em liberdade, de que devem ser também os únicos responsabilizados. »

O exemplo não refere a razão pela qual os indivíduos precisavam do javali.
Não afirmei que era por algo da responsabilidade dos 7, nem que não era.

Isso lava a dois pontos

a) Essa refutação é falaciosa visto que parte de um princípio que não é necessariamente válido (que a situação em que os 7 se encontravam resultou de uma opção dos mesmos, mesmo que no sentido destes não se terem protegido devidamente)

b) Isso é algo que faz diferença, e portanto deveria ter falado sobre isso.

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Se a causa da situação delicada em que os 7 se encontram foi da sua responsabilidade, torna-se realmente discutível se o javali deveria ser roubado ou não.
Mesmo que exista uma responsabilidade limitada nesta situação, creio que em muitos casos seria ainda assim legítimo, e a atitude correcta a tomar, o roubo do javali.

Nos vários casos que podemos imaginar em que a responsabilidade não era dos 7 elementos (os javalis tinham todos tido uma doença, e não se sabia nada sobre como se precaver das mesmas, etc...; outro exemplo imaginativo qualquer) parece-me claro que o roubo era a decisão eticamente correcta.

E esta última situação será mais restrita, mas suficiente para provar o meu ponto.

JLP disse...

"Nesse caso estamos a lidar com contribuições voluntárias."

Sim, voluntárias e concertadas (à priori). E incluo-me nos que aceitam somente esta possibilidade...

"A questão aqui é se o acordo deveria ou não existir."

Como acho que o liberalismo não deve fazer considerações morais e éticas, desde que consensuais acho que são ambas soluções liberalmente admissíveis.

"Se numa sociedade eu não tiver obrigação de salvar a vida de alguém que está a mrrer e pede socorro, bastando (por exemplo) para isso levá-la ao hospital, a minha recusa em fazê-lo não deixa de ser pouco ética, só porque essa obrigação deixa de existir aos olhos dessa sociedade."

Não é esse o problema original em discussão. O que se discute é se nem eu nem outra pessoa têm dinheiro para a levar ao hospital, se é legítimo eu roubar para assumir a dívida dessa pessoa.

Eu acho que não.

"Mas o exercício PODE ser analisado como um todo.
Certamente que o benefício de salvar 7 vidas é superior ao prejuízo causado pela perda de um jvavali nestas circunstâncias específicas."

Isso é um julgamento que deve caber exclusivamente ao dono do javali.

Já agora, onde parava? E se o custo fossem 6 pessoas, 5, 4, 3, um prédio de apartamentos onde morem n famílias?

"O exemplo não refere a razão pela qual os indivíduos precisavam do javali.
Não afirmei que era por algo da responsabilidade dos 7, nem que não era."

A questão é que se está a discutir não a responsabilidade dessas pessoas no que lhes aconteceu, mas sim a sua responsabilidade em se precaverem antecipadamente e preventivamente das consequências disso acontecer.

O interesse de existir um mecanismo global de atenuação do risco é esse mesmo, de precaver a necessidade de as pessoas se acautelarem antecipadamente de situações, muitas delas que até podem à partida não conceber. Prescindindo desse mecanismo (o que é perfeitamente legítimo), em situações furtuitas passam a responder pelas suas consequências e ninguém tem qualquer obrigação, nem sequer moral (quanto a mim) para com elas.

João Vasco disse...

«"Se numa sociedade eu não tiver obrigação de salvar a vida de alguém que está a mrrer e pede socorro, bastando (por exemplo) para isso levá-la ao hospital, a minha recusa em fazê-lo não deixa de ser pouco ética, só porque essa obrigação deixa de existir aos olhos dessa sociedade."»

«Não é esse o problema original em discussão. O que se discute é se nem eu nem outra pessoa têm dinheiro para a levar ao hospital, se é legítimo eu roubar para assumir a dívida dessa pessoa.»

Sim, mas eu dei um novo exemplo para mostrar que o "problema" não desaparece pelo facto da sociedade não lhe dar importância.


«Já agora, onde parava? E se o custo fossem 6 pessoas, 5, 4, 3, um prédio de apartamentos onde morem n famílias?»

Esse é o ponto do utilitarismo: encontrar o limite.
O limite está no ponto que mais favorecerá a comunidade.

«A questão é que se está a discutir não a responsabilidade dessas pessoas no que lhes aconteceu, mas sim a sua responsabilidade em se precaverem antecipadamente e preventivamente das consequências disso acontecer.»

Mas há inúmeras razões pelas quais lhes poderia ter sido impossível precaverem-se. Podiam ser demasido jovens e terem perdido os pais, etc...

Podiam ser deficientes e não ser capazes de caçar, sei lá...

Com um bocadinho de imaginação encontramos IMENSOS casos em que seria eticamente criminoso considerar que o javali não deveria ser roubado, deixando estas 7 pessoas à morte.

JLP disse...

"Sim, mas eu dei um novo exemplo para mostrar que o "problema" não desaparece pelo facto da sociedade não lhe dar importância."

Qual "problema"?

"Esse é o ponto do utilitarismo: encontrar o limite.
O limite está no ponto que mais favorecerá a comunidade."

Tem a noção da perversidade do que está a dizer?

"Mas há inúmeras razões pelas quais lhes poderia ter sido impossível precaverem-se. Podiam ser demasido jovens e terem perdido os pais, etc...

Podiam ser deficientes e não ser capazes de caçar, sei lá... "

Mais uma vez reitero: isso, a ter sido decidido como tal pelos donos da propriedade aquando do estabelecimento do contrato social, é uma competência do estado, não deve nunca ser uma decisão ao alcance de um indivíduo em particular para lá do domínio da sua propriedade.

Pessoalmente, sou a favor de uma safety net que intervenha nos casos que referiu, ou seja, na atribuição dessa competência ao estado e no aceitar da transferência de propriedade minha para este poder dar andamento a ela.

Assim como é perfeitamente liberal uma sociedade em que os donos da propriedade não concordem que tal aconteça.

Não há nenhum "crime ético". Só há decisões legítimas por quem tem legitimidade para as tomar.

João Vasco disse...

«Qual "problema"?»

Neste caso o problema de não evitar uma morte facilmente evitável


«Tem a noção da perversidade do que está a dizer?»

É preverso querer que as regras sejam racionalmente estabelecidas para serem aquelas que mais favorecem todos?


«isso, a ter sido decidido como tal pelos donos da propriedade aquando do estabelecimento do contrato social, é uma competência do estado, não deve nunca ser uma decisão ao alcance de um indivíduo em particular para lá do domínio da sua propriedade.»

Nesse caso em particular deve ser uma decisão do indivíduo.

Ele sabe quais são as consequências da sua acção ao roubar e ao não o fazer. Se considerar que, analisadas todas as consequências, mesmo as mais subtis, do roubo, os ganhos superam as perdas, ele deve fazê-lo.

«Pessoalmente, sou a favor de uma safety net que intervenha nos casos que referiu, ou seja, na atribuição dessa competência ao estado e no aceitar da transferência de propriedade minha para este poder dar andamento a ela.»

Mas que cada um dê ao estado se quiser, ou a história das contribuições voluntárias é a mesma coisa.

O que está em jogo é em relação aos que não querem dar ao estado.

Repare: o assassino acha a recompensa que recebe por matar mais valiosa que a vida da sua vítima.
Nós consideramos o seu julgamento errado e declaramos tal acção ilegal. Sobrepomos o nosso julgamento ao do assassino.

Da mesma forma, se o dono do javali considerar o seu javali mais importante que as 7 pessoas, devemos analisar as consequências de lhe tirar o javali.

Se esta acção conduzir a uma sociedade pior (tiravam-se tantos javalis que ninguém os quereria ter em primeiro lugar), então não deve ser tomada.
Se esta acção conduzir a uma sociedade melhor (sobrevivem essas 7 pessoas e o resto fuca tudo na mesma), então deve ser tomada.

E são estas as considerações que devem ser feitas a respeito do peso e competências do estado. Até que ponto é que a sociedade em geral fica mais favorecida?
Que regras e competências é que fazem com que as pessoas vivam melhor?

João Vasco disse...

«Não há nenhum "crime ético". Só há decisões legítimas por quem tem legitimidade para as tomar. »

Há dois pontos aqui:

1) A decisão é mesmo legítima? Pode ser legítima à luz do liberalismo, mas não ser à luz do quadro legislativo actual.

2) Supondo que é legítima, será ética?

Enquanto que a questão 1) é dúbia, a resposta à questão 2) é claramente negativa.

Como é que deixar morrer 7 pessoas (neste exemplo sem culpa por acção ou omissão da situação em que se encontram) para não abdicar de uma pequena fatia de bem estar material poderia ser uma decisão eticamente aceitável?