2006/08/23

Da publicidade

Pablo Picasso, the painter, was dining at a restaurant in New York City. A fan introduced herself to him and gusshed at how thrilled she was to meet the great artist and how she loved his work. Encouraged by Mr. Picasso's polite acceptance, the fan begged, "Oh, Mr. Picasso, would you draw me a sketch?" Picasso grabbed some paper, and with a pen, promptly sketched the waiters passing parfaits. As the woman reached for the sketch, Pablo Picasso said, "Madame. That will be $10,000." Shocked, she replied, "But that only took you 5 minutes." "No Madame," replied Picasso, "it took me 50 years."

(fonte)
A actividade profissional dos publicitários consiste em conhecer a psicologia dos consumidores, para melhor poder distorcer e controlar a sua tomada de decisão quando está indeciso entre marcas diferentes, ou entre comprar e não comprar um produto.
Assim sendo, o consumidor não será influenciado apenas pela qualidade e pelo preço de um produto, mas também por toda uma série de mensagens com o intuíto expresso de condicionar e distorcer a racionalidade da sua decisão.

O que é curioso nisto tudo é que acaba por ser o consumidor a pagar pela publicidade de que é alvo, visto que os custos desta se reflectem no valor do produto final.

Falácias da Ética Neo-Liberal IV - a publicidade


Vamos considerar duas marcas e modelos de automóveis: o Nissan X-PTO, e o Reanult n-sei-qts. São modelos de carros familiares, e vamos imaginar que são os únicos à venda num determinado mercado.

Nesse mercado nenhum dos vendedores faz qualquer anúncio.
Cada produtor tem uma determinada fatia de mercado, e vende o o seu modelo a um determinado preço.

Quando um consumidor quer comprar um automóvel, ele vai decidir entre esses dois modelos. Em que é que se baseia a sua decisão? Ele leva em conta o preço de cada um dos produtos, ele vê quais das características se adaptam mais às suas preferências. Se percebe pouco de automóveis, pode pedir a opinião a alguém que perceba mais. Percebendo ou não, pode dar uma vista de olhos nas revistas da especialidade.

No fim de tudo houve dois factores fundamentais que condicionaram a sua decisão: o preço do produto, e a sua qualidade (na óptica desse consumidor específico).

A motivação de cada um dos produtores acaba por se centrar em dois vectores: o aumento da qualidade e a redução dos custos.

Depois surge a publicidade.
Uma das marcas (a Nisan, por exemplo) opta por lançar uma campanha publicitária para promover o seu produto.

Este produto mantém-se igual, mas devido aos custos da campanha publicitária, o seu custo aumentou. Os consumidores terão de pagar mais por este produto.
Seria de esperar que, sendo o produto igual, e o custo superior (sem que a margem de lucro do produtor aumente), as suas vendas diminuíssem.

Isso faria todo o sentido, mas se isso acontecesse dificilmente algum produtor apostaria na pubilicidade, visto que estaria a deitar dinheiro para o lixo.

Então vejamos com atenção: o Nissan X-PTO é o mesmo, mas mais caro. No entanto as vendas do Nissan X-PTO aumentaram. Pessoas que antes optavam pelo Renault n-sei-qts passaram a optar pelo Nissan.
Como a opção anterior era baseada no preço e na qualidade do produto (e ela foi alterada sem que a qualidade melhorasse, e tendo o preço piorado) isso mostra que a publicidade neste caso só pode ser eficiente caso tivesse condicionado a decisão do consumidor de forma irracional.
A publicidade só pode ter feito sentido se ENGANOU o consumidor.

É tão simples quanto isto: se a publicidade não tivesse enganado o consumidor, ela não teria sido paga. Não teria sido feita em primeiro lugar.

Mais sobre publicidade


Até porque em tempos o assunto já foi abordado privadamente em conversa entre os small-brothers, não resisto a abordar o tema do papel da publicidade no mercado.

Em primeiro lugar, há uma ressalva a fazer. Basicamente, o que está expresso na perspectiva apresentada pelos artigos da Esquerda Republicana acima é uma perspectiva muito próxima da teoria do valor baseado no trabalho, típica e popular nas visões socialistas da economia. Segundo ela, o valor de um determinado produto é o somatório de todo o trabalho envolvido na sua produção, e tem como corolário o facto de que, para não ignorar a lei da oferta e da procura, o equilíbrio entre oferta e procura se estabelece no preço natural do bem, associado então tão somente à quantidade de trabalho que foi envolvida na sua produção.

Desse modo, a perspectiva da introdução da publicidade no mercado serve somente para o tornar menos eficiente, já que, tendo que ser paga, altera o preço de produtos iguais em termos de valor de trabalho e como tal não se justifica.

Ora essa teoria está longe de ser uma tautologia, tendo sofrido críticas ferozes, nomeadamente de distintos economistas liberais. O substrato da crítica é que o consumidor não tem a visão comparativa desse custo de produção dos produtos, do seu "valor em trabalho", e como tal não os leva em conta na sua decisão, intervindo no mercado sim baseado na sua perspectiva de valor do bem, em função da sua visão de utilidade pessoal deste para si. Há assim, na prática, um total desacoplamento entre o custo de produção de um determinado bem e o valor que lhe é atribuído pelo consumidor. Aliás, é fácil de perceber a distinção: entre dois fornecedores do bem "ouro", um que perdeu longos anos em prospecção deste e outro que descobriu uma jazida por acaso, tal é irrelevante na fixação do preço de mercado deste, uma vez que o factor determinante é qual é a visão da utilidade dos consumidores de ouro deste.

Sendo assim, quanto a mim a publicidade tem essencialmente dois efeitos benéficos:

O primeiro é o relativo à disseminação da informação no mercado. O factor chave na eficiência do mercado, e na interacção com este é, quanto a mim, a informação e o modo como esta se distribui neste. Se a informação fosse perfeita, toda a economia podia estagnar e toda a concorrência poderia ser eliminada, convergindo os bens para os seus "preços verdadeiros". Mas tal não acontece, e é exactamente a heterogeneidade da distribuição dessa informação que faz funcionar o mercado. Quem tem mais informação (quer produtor quer consumidor) tem uma melhor visão do mercado e como tal uma maior probabilidade de com ele interagir com sucesso.

Ora uma das vantagens da publicidade é exactamente essa. Se o melhor carro para mim, que melhor me satisfaz (ou, no caso da visão apresentada o que tem "melhor qualidade e mais baixo preço") está à venda na Estónia sem se divulgar a ninguém, só sendo discoberto "por acidente", naturalmente que é de esperar que eu continue a consumir os produtos inferiores disponíveis localmente. É um bocado como a perspectiva do produto bom e inovador, com uma massa de potenciais clentes potenciais, que só no dia que se anuncia na TV é que passa a ter acessibilidade ao mercado e a ser visível pelos seus potenciais consumidores.

Outro efeito é na alteração da curva de utilidade dos consumidores. Como se viu pela introdução, para quem critica a teoria do valor baseado no trabalho a perspectiva é a seguinte: o encontro em termos de oferta e procura não se dá baseado no factor preço, mas sim baseado no encontro entre o valor oferecido pelo produtor e o valor anseado pelo consumidor. Ora, desse modo, a missão do produtor não é a de fornecer o produto mais barato e de melhor "qualidade", mas sim em se conseguir adequar ao perfil de valor ou utilidade dos seus potenciais consumidores. Deste modo, é natural que este tente estabelecer um perfil psicológico do mercado de modo a que, recorrendo a estratégias de marketing, consiga sensibilizar o consumidor de que o seu produto é o que mais o consegue satisfazer. Não precisa de enganar nem defraudar. Basta-lhe saber qual é a mensagem certa que tem que passar. As premissas do negócio são claras, o cliente fica (ainda mais) satifeito.

Terminemos com um exemplo. Existem no mercado diversos produtos que se apresentam como "socialmente responsáveis", como por exemplo café que garante ter dado as recompensas justas aos produtores durante o seu processo de fabrico, ou diamantes que publicitam não serem "de sangue", ou seja, provenientes de locais em que servem para custear conflitos e exploração de populações. Segundo a tese apresentada, gastar dinheiro a divulgar esta informação por quem vende estes produtos, sendo publicidade, é enganar o consumidor: tanto a qualidade é a mesma como até potencialmente o custo é o mesmo.

Contrariamente, para um liberal, a perspectiva é diferente: tanto o mercado beneficiou por ter mais informação acessível, podendo melhor julgar os efeitos secundários das suas compras, como por parte dos produtores dos referidos "produtos socialmente conscientes" foi tão somente agarrada uma oportunidade de aumentar a utilidade do seu produto que, relembro, objectivamente pode ser o mesmo do concorrente, a um determinado segmento do mercado que atribui utilidade adicional a um produto que seja apresentado desse modo.

62 comentários:

João Vasco disse...

«o que está expresso na perspectiva apresentada pelos artigos da Esquerda Republicana acima é uma perspectiva muito próxima da teoria do valor baseado no trabalho, típica e popular nas visões socialistas da economia. Segundo ela, o valor de um determinado produto é o somatório de todo o trabalho envolvido na sua produção, e tem como corolário o facto de que, para não ignorar a lei da oferta e da procura, o equilíbrio entre oferta e procura se estabelece no preço natural do bem, associado então tão somente à quantidade de trabalho que foi envolvida na sua produção.»

Eu não penso nada disso.

Para mim, por exemplo, não me interessa o trabalho que um escritor teve a escrever um livro. Só me interessa a qualidade final do livro.

João Vasco disse...

«Terminemos com um exemplo. Existem no mercado diversos produtos que se apresentam como "socialmente responsáveis", como por exemplo café que garante ter dado as recompensas justas aos produtores durante o seu processo de fabrico, ou diamantes que publicitam não serem "de sangue", ou seja, provenientes de locais em que servem para custear conflitos e exploração de populações. Segundo a tese apresentada, gastar dinheiro a divulgar esta informação por quem vende estes produtos, sendo publicidade, é enganar o consumidor: tanto a qualidade é a mesma como até potencialmente o custo é o mesmo.»

A qualidade não é a mesma.

Um produtor oferece apenas café; outro oferece café E uma dádiva a uma instituição que eu respeito (banco alimentar, sopunhamos)

Se o custo for o mesmo, e a qualidade do café em si igual, optarei pelo segundo.

Note-se bem: estamos perante produtos diferentes.

João Vasco disse...

De resto, eu olho para 99% da publicidade e dificilmente vejo "esclarecimento" e "informação".

Isto porque o publicitário competente é aquele que vai influenciar, mais do que esclarecer. E obviamente a actividade publicitária reflecte isso.

JLP disse...

"Para mim, por exemplo, não me interessa o trabalho que um escritor teve a escrever um livro. Só me interessa a qualidade final do livro."

Agora é a minha vez: os bens culturais são casos particulares!

Mas mantenho a minha afirmação: entre duas materializações concretas desse livro, vendidas por dois livreiros (que é o que poderia adquirir) mantenho o facto de achar que a sua análise se enquadra na perspectiva que refiro.

JLP disse...

"Um produtor oferece apenas café; outro oferece café E uma dádiva a uma instituição que eu respeito (banco alimentar, sopunhamos)"

Uma tentativa subtil, mas não é isso que eu refiro: eu não digo que o vendedor faz qualquer tipo de donativo adicionalmente ao café que vende. O que eu digo, e o que é anunciado por esse género de produtos, é que é alegado por esses vendedores que a sua cadeia de produção recompensa "adequadamente" e "justamente" os produtores. Não há nenhum "serviço adicional" prestado.

Como tal o único serviço prestado é o café que é vendido.

JLP disse...

"De resto, eu olho para 99% da publicidade e dificilmente vejo "esclarecimento" e "informação"."

Só leu metade do artigo: o interesse em termos de disseminação da informação e escarecimento é somente um dos dois benefícios apresentados. Falta o segundo, que é exactamente o de tentar alterar a curva de utilidade dos consumidores ou tentar enquadrar-se melhor nela. Naturalmente isso é feito por um processo de influência, mas com a argumentação que faço no artigo, não vejo em que é que isso é negativo.

Já agora, um esclarecimento: não faço naturalmente qualquer abordagem em relação a publicidade enganosa, ou seja, publicidade que anuncia dolosamente como factos dados que tem a perfeita noção que não correspondem à verdade. Isso é um problema completamente diferente, que se pode enquadrar criminalmente na fraude e civilmente no incumprimento contratual.

Não é também isso o que me parece que o João Vasco critica, uma vez que apresenta a crítica como generalizada ao próprio conceito de publicidade em si.

João Vasco disse...

«Agora é a minha vez: os bens culturais são casos particulares!»

Ok.

Mas em relação a qualquer bem, a minha perspectiva é essa.

Até mesmo por causa da minha formação mais tecnológica.


Se alguém teve uma ideia genial de uma máquina, que, sem dar trabalho nenhum a ser construída, é extremamente útil, parece-me muito positivo que os fabricantes e o inventor sejam generosamente recompensados, mesmo que tendo tido pouco trabalho.

Isso é uma forma de incentivar a que as pessoas tenham esse tipo de ideias.


Aliás, esta minha visão de que não me importa muito o trabalho envolvido em si, mas apenas a utilidade final está implícita no meu texto quando descrevo a situação anterior à publicidade.

Aí, não obstante os problemas o oligopólio (que tem problemas que não referi), eu faço uma descrição muito positiva da situação, dizendo que os fabricantes são "empurrados" pelo mecanismo de oferta e procura a fazerem carros bons e baratos.
Não me interessa incentivá-los necessariamente a trabalhar mais: incentivá-los a procurar soluções melhores (que resultem num produto melhor sem que isso envolva mais trabalho) pode ser ainda melhor para os consumidores.


Conclusão:
Foi dito que eu tenho uma visão que MANIFESTAMENTE não tenho.
Não valorizo particularmente o trabalho que os produtos dão.

Até mesmo porque sou todo favorável à tecnologia, industrialização, etc... que são coisas que têm como consequência poder-se produzir o mesmo produto com muito menos trabalho humano. O que me parece óptimo!

João Vasco disse...

«O que eu digo, e o que é anunciado por esse género de produtos, é que é alegado por esses vendedores que a sua cadeia de produção recompensa "adequadamente" e "justamente" os produtores. Não há nenhum "serviço adicional" prestado.»

Err... tinha realmente percebido mal, mas creio que existe à mesma uma diferença no produto.

Recompensar "justamente" os produtores acaba por ser uma forma de distribuição de riqueza em tudo análoga à dádiva ao banco alimentar.
Com a diferença que pode ser considerada mais "eficiente" pelos seus proponentes :)

João Vasco disse...

De resto, tem razão quando digo que a "publicidade enganosa" (de acordo com o quadro legislativo actual) não é aquilo que critico.

Isso parece-me ainda mais grave do que tudo aquilo que critico, mas o mal desse tipo de publicidade é algo relativamente consensual.

(Se bem que, absolutizando o conceito de liberdade, será que faz sentido não estar contra a proibição dessa publicidade em particular?)


«Falta o segundo, que é exactamente o de tentar alterar a curva de utilidade dos consumidores ou tentar enquadrar-se melhor nela. Naturalmente isso é feito por um processo de influência, mas com a argumentação que faço no artigo, não vejo em que é que isso é negativo.»

Parece-me que alterar a curva da procura sem alterar o produto (assumindo que não estamos no campo do "informar" do 1º argumento) só pode ser feito enganando ou manipulando.

Os exemplos que são dados de que isso não tem de ser assim são exemplos em que eu vejo um produto diferente.
Vejo que podem existir bons argumentos para passar a escolher esse produto. Passar a comprar um Diamante, apesar do preço ter aumentado, porque não é de sangue, é algo que pode fazer sentido.
Mas passar a escolher um carro, que não mudou, e cujo preço aumentou, porque o anúncio diz que "É mal comportado" já é mais difícil de justificar.

JLP disse...

"Se alguém teve uma ideia genial de uma máquina, que, sem dar trabalho nenhum a ser construída, é extremamente útil, parece-me muito positivo que os fabricantes e o inventor sejam generosamente recompensados, mesmo que tendo tido pouco trabalho."

Sim, mas não é isso que está em discussão e o que é apresentado. A I&D é naturalemente só uma parcela do custo do produto final. O que eu referi foi que, no caso de produtos finais próximos entre si, o João Vasco faz a aferição entre eles baseado no "custo e na qualidade", ao invés de mim, que os comparo em termos do nível de utilidade que têm para um determinado comprador potencial.

A diferença é essa: entre 2 produtos acabados "próximos", acha que estes só se podem comparar objectivamente de acordo com o seu custo de produção e com a sua "qualidade", e é isso que eu critico.

JLP disse...

"Err... tinha realmente percebido mal, mas creio que existe à mesma uma diferença no produto.

Recompensar "justamente" os produtores acaba por ser uma forma de distribuição de riqueza em tudo análoga à dádiva ao banco alimentar."

Não, o produto é exactamente o mesmo: café.

O que acontece é que num dos casos foi publicitado de acordo a se encaixar melhor no seu padrão de utilidade do que no outro. Ora há duas conclusões que se podem tomar:

- Nada foi considerado em relação a qual foi o mecanismo que motivou esse pagamento adicional aos produtores. Não é dito sequer que é altruista. O mais provável até é que tenha sido uma decisão do departamento de marketing, que optou por investir nesse ponto em particular ao invés de numa campanha de media mais abrangente. Ou seja, a publicidade foi feita custeando mais os produtores ao invés de gastar mais em gráficas e empresas de média que, recorde-se, também sustentam famílias. O objectivo era simples: manipular pessoas que têm o tipo de utilidade semelhante ao João Vasco.

- Se não houvesse publicidade, mesmo que tal contributo existisse, não descobriria que ele existe. O que aconteceria é que teria à venda tão somente marcas de café diferentes, não tendo a oportunidade de escolher dos dois produtos aquele que claramente o satisfaz mais. Sem dúvida mais uma concretização da importância da publicidade junto do consumidor.

JLP disse...

"(Se bem que, absolutizando o conceito de liberdade, será que faz sentido não estar contra a proibição dessa publicidade em particular?)"

O conceito que é "absolutizado" é o de liberdade negativa. Como tal não existe a "liberdade de enganar".

De qualquer modo, mesmo que se aceite uma sociedade liberal em que a publicidade não é regulada, e que se repercutem nas relações comerciais desse modo também a noção do risco da compra e da credibilidade de quem compra e quem vende, em última instância tudo é determinado pelos termos do contrato de venda que é estabelecido. Ora o enganar o cliente, ou seja, vender-lhe algo descrito por atributos objectivos falsos é uma clara violação contratual que não pode fugir ao domínio de um Estado de Direito e sem consequências ao nível da liberdade negativa.

"Parece-me que alterar a curva da procura sem alterar o produto (assumindo que não estamos no campo do "informar" do 1º argumento) só pode ser feito enganando ou manipulando."

Manipulando, ou essencialmente escolhendo a informação ou agindo sobre a utilidade aferível do produto pelo cliente sim, como aliás se verifica no exemplo acima do café. Não necessariamente enganando, o que já passa a ser do domínio da publicidade enganosa que está excluído da discussão.

O que tem demenstrado é que isso não é de todo mau.

Está claramente a cair em contradição. Começou por enunciar nos seus artigos que os critérios de comparação de dois produtos são o "custo" e a "qualidade". Agora, já qualifica diamantes de acordo com factores que são do domínio exclusivo da sua esfera de utilidade. Ou seja, no fundo, parece que o que se está a queixar é que a publicidade que domina o mercado não é feita para si, para tentar enquadrar os produtos no seu padrão de utilidade, mas para os outros, que serão motivados segundo os seus valores por manipulações baseadas em critérios frívolos e sem sentido.

Terá que reconhecer aliás que, no caso dos diamantes, ao ter sido decidido pela casa que os vende dizer que não são "de sangue", está a apontar para pessoas que têm o seu tipo de padrão de utilidade, mas está a alienar outros que se estão marimbando para o facto e só alimentam a sua utilidade baseados no preço do artigo. Trata-se tão somente de uma aposta desse vendedor, tendo em vista a sua análise de mercado de que há mais pessoas como o João Vasco que aceitam pagar mais por esse género de produto e que como tal compensam a perda do outro mercado.

João Vasco disse...

«o João Vasco faz a aferição entre eles baseado no "custo e na qualidade", ao invés de mim, que os comparo em termos do nível de utilidade que têm para um determinado comprador potencial.»

Isso é semântica.

Obviamente que o que deve importar ao comprador é a utilidade que tem para ele (a que chamei "qualidade") e o preço (a que chamei "custo").

Nesse ponto inventou que eu tinha uma opinião que não tenho.
Nesse ponto ainda não vi nada em que discordemos.

Tendo isto em conta, nada do que escreveu nesta mensagem faz sentido. Passarei às outras.

João Vasco disse...

Na segunda mensagem coloca uma questão muito interessante:

Se um café afirma que paga um preço "justo" ao produtor, eu, como cliente passo a considerar que o produto deixa de ser café para ser café+"atitude altruista".

Então:

a) Se isso corresponde à verdade, não terá sido a publicidade que alterou o produto. Foi a decisão do produtor de tornar esse produto um produto diferente que engloba em si um "pacote" altruista.

b) Se, tal como colocou a hipótese, o fabricante não fez as coisas por forma a que o gesto seja altruista, então nesse caso, ao darem isso a entender ao cliente estão a enganá-lo, pois este pensa que está a comprar algo que na verdade não está.

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Quanto à questão de "precisávamos de publicidade para informar o cliente que o produto não era apenas café", voltamos ao seu primeiro argumento, o da informação.

Quanto a esse argumento, eu concordo que a informação é importante. Mas estou convencido (isso seria um ponto a discutir) que a "informação" consome menos de 1/10 dos recursos da publicidade.

No final do artigo não desafio os consumidores a não se deixarem influenciar pela "informação", ou pelo menos o apelo não deve ser interpretado dessa forma.

Acho é que devem evitar ser influenciados por 99% da publicidade: a tentativa de influenciar irracionalmente a escolha (daí o exemplo dos automóveis do artigo).

João Vasco disse...

«Como tal não existe a "liberdade de enganar".»

Ah não?
Credo!

Então eu não posso, se tiver um jornal, colocar lá uma notícia OBJECTIVAMENTE falsa? Não tenho esse direito?

E quanto à questão contratual, ela não seria suficiente para proteger o consumidor da publicidade enganosa numa sociedade em que a liberdade de expressão fosse levada ao extremo, ou seja: eu poderia mentir factualmente desde que não fosse sobre o produto.

Imaginemos este anúncio: "o cancro dos pulmões é a primeira causa de morte entre os desportistas; agora as novas pastilhas de nicotina, com eficácia comprovada, blablabla". Se o produto tiver eficácia comprovada, o vendedor não estaria a violar qualquer contrato se a primeira frase do anúncio fosse objectivamente falsa. E em termos da liberdade de expressão, não vejo com que base é que pode ser proibida.

A menos que "relativize" a liberdade de expressão. Aí pode achar razoável a legislação que pune a publicidade enganosa.

João Vasco disse...

«Manipulando, ou essencialmente escolhendo a informação ou agindo sobre a utilidade aferível do produto pelo cliente sim, como aliás se verifica no exemplo acima do café.»

O exemplo que me deu, em que o produtor vende uma coisa que não é aquilo que o cliente pensa que está a comprar parece-e altamente condenável, e acaba por ser um corolário do meu texto.


«Não necessariamente enganando, o que já passa a ser do domínio da publicidade enganosa que está excluído da discussão.»

O JPL pode enganar alguém sem nunca dizer nada objectivamente falso. (Concorda?)
Assim sendo, como os anúncios não podem dar informações objectivamente falsas (por causa da legislação) acabam por ter de enganar recorrendo a outras soluções.


«Agora, já qualifica diamantes de acordo com factores que são do domínio exclusivo da sua esfera de utilidade.»

Esta confusão decorre toda daquilo que esclareci na primeira mensagem: partiu do princípio que eu tinha uma visão qualquer de "qualidade" que não tenho.

No caso dos diamantes, o processo de fabrico altera a utilidade que têm para o consumidor. Se este quer ter "diamante belo+consciência tranquila" a sua escolha pode estar mais limitada.


«Ou seja, no fundo, parece que o que se está a queixar é que a publicidade que domina o mercado não é feita para si, para tentar enquadrar os produtos no seu padrão de utilidade, mas para os outros, que serão motivados segundo os seus valores por manipulações baseadas em critérios frívolos e sem sentido.»

Hãa?
Nos exemplos que me deu, não era a publicidade a questão importante, mas sim a alteração do processo de fabrico - que obviamente leva a um produto diferente.

Ora que os produtos adaptem os seus processos de fabrico às preferências dos clientes (por parvas que sejam, não estamos a falar sobre isso) eu acho óptimo!!

Outra coisa é o produto não ter sido alterado (possivelmente nem o processo de fabrico) e a campanha publicitária tentar influenciar as pessoas.

Note que no caso dos diamantes que exempleficou, mesmo sem publicide, esse seria um produto diferente.

Agora, no que respeita a carros e isso tudo, a publicidade não altera o produto - apenas a sua percepção.
E isso é como o exemplo que deu do café: vende-se ao cliente algo que não é aquilo que ele julga estar a comprar: ENGANA-SE o cliente.

João Vasco disse...

«Ora que os produtos adaptem os seus processos de fabrico às preferências dos clientes (por parvas que sejam, não estamos a falar sobre isso) eu acho óptimo!!»

Produtores, queria eu dizer (escrever)

JLP disse...

"Isso é semântica."

Agora talvez já compreenda as minhas objecções à discussão expressas abaixo...

"Obviamente que o que deve importar ao comprador é a utilidade que tem para ele (a que chamei "qualidade") e o preço (a que chamei "custo")."

Aparentemente, o João Vasco entende "qualidade" como "utilidade". Partindo do princípio que estava a utilizar os dois termos, achei que seria de perceber que estava a utilizar "qualidade" como representado a medida de excelência intrínseca de um determinado bem, o seja, a sua avaliação de acordo com critérios objectivos de fabrico, e "utilidade" como o valor extrínseco da adequação de um determinado bem ao seu consumidor.

Aparentemente, quer misturar as duas coisas. Das duas uma: ou considera "qualidade" do meu ponto de vista, e tal permite que estabeleça, como no seu artigo, a "equivalência em termos de custo e qualidade" dos automóveis (uma vez que são critérios objectivos), podendo então partir para a sua tese ou então esta deixa pura e simplesmente de fazer qualquer sentido, já que quando exprime a equivalência dos dois carros em termos de utilidade tem que se limitar à observação de um consumidor que faz essa avaliação, de acordo com a sua (do consumidor) avaliação de "utilidade".

A introdução do factor "publicidade" vai alterar essa perspectiva de "utilidade", sendo que portanto a sua premissa de que o aumento de custo não se justifica não é verdadeiro, já que por consequência da acção da publicidade essa visão de utilidade do observador mudou, deixando os carros de ser idênticos (mas porventura até passando a ser do ponto de vista de outro observador).

JLP disse...

"Então eu não posso, se tiver um jornal, colocar lá uma notícia OBJECTIVAMENTE falsa? Não tenho esse direito?"

Tem, porque não está a vender notícias. Está a vender jornais. Já seria publicidade enganosa se publicitasse que o seu jornal só publica notícias verdadeiras. Aí já está a estabelecer umas premissa contratual com as pessoas que compram o seu produto.

"E quanto à questão contratual, ela não seria suficiente para proteger o consumidor da publicidade enganosa numa sociedade em que a liberdade de expressão fosse levada ao extremo, ou seja: eu poderia mentir factualmente desde que não fosse sobre o produto."

Não percebi... O limite da publicidade enganosa não diz respeito somente ao produto que quer vender? O que é alvo do contrato são as afirmações objectivas que sejam feitas que qualifiquem o objecto. Tudo o resto não deve ser limitado. Se eu quiser fazer um anúncio de automóvais que diga que os duendes existem, isto não se trata de publicidade enganosa.

Liberdade de expressão não implica desresponsabilização. O facto de um tribunal não poder limitar a sua liberdade de expressão quando o está a ouvir, deixando-o dizer o que quiser, não quer dizer que o irresponsabilize se se provar que está a mentir.

Liberdade de expressão não tem nada a ver com irresponsabilidade nem com publicidade enganosa.

JLP disse...

"O exemplo que me deu, em que o produtor vende uma coisa que não é aquilo que o cliente pensa que está a comprar parece-e altamente condenável, e acaba por ser um corolário do meu texto."

Onde é que eu disse isso???

"O JPL pode enganar alguém sem nunca dizer nada objectivamente falso. (Concorda?)"

Concordo. Por omissão de informação.

"Assim sendo, como os anúncios não podem dar informações objectivamente falsas (por causa da legislação) acabam por ter de enganar recorrendo a outras soluções."

O que acontece é que, no cenário que está em comparação, que é o de haver ou não publicidade, a omissão de informação não faz sentido como critério, uma vez que quer o publicitário tenha optado por omitir essa informação, quer não houvesse publicidade, em nenhum dos dois casos o consumidor teria acesso a ela. incrementalmente não tem relevância para a discussão.

"Esta confusão decorre toda daquilo que esclareci na primeira mensagem: partiu do princípio que eu tinha uma visão qualquer de "qualidade" que não tenho."

Vide comentário acima.

"Nos exemplos que me deu, não era a publicidade a questão importante, mas sim a alteração do processo de fabrico - que obviamente leva a um produto diferente."

Desculpe lá, mas em que é que o facto de se pagar mais aos produtores faz com que grãos de café iguais sejam diferentes? "Produto diferente"? "Processo de fabrico diferente"? Andamos a brincar com as palavras?

Já agora também seriam se numa das empresas fossem todos jantar à pala do patrão uma vez por ano e na outra não, presumo...

"Note que no caso dos diamantes que exempleficou, mesmo sem publicide, esse seria um produto diferente."

Ai sim? Presumo então que conseguiria olhar para os dois e distingui-los, sem qualquer forma de publicidade, somente por analisar os dois num teste cego em laboratório?

"Agora, no que respeita a carros e isso tudo, a publicidade não altera o produto - apenas a sua percepção."

E qual é o problema disso?

E isso é como o exemplo que deu do café: vende-se ao cliente algo que não é aquilo que ele julga estar a comprar: ENGANA-SE o cliente."

Respondo a essa no comentário seguinte, já que falhei esse comentário.

JLP disse...

"Se um café afirma que paga um preço "justo" ao produtor, eu, como cliente passo a considerar que o produto deixa de ser café para ser café+"atitude altruista".

Então:

a) Se isso corresponde à verdade, não terá sido a publicidade que alterou o produto. Foi a decisão do produtor de tornar esse produto um produto diferente que engloba em si um "pacote" altruista.

b) Se, tal como colocou a hipótese, o fabricante não fez as coisas por forma a que o gesto seja altruista, então nesse caso, ao darem isso a entender ao cliente estão a enganá-lo, pois este pensa que está a comprar algo que na verdade não está."

Desculpe, mas esse argumento é absolutamente ridículo. Portanto já não basta vender determinado café, dizer que se paga o preço "justo" ao produtor, mas além de tudo ainda é requisito que sejamos "sinceros". Senão... estamos a enganar o cliente. Está a ser enganado o consumidor dizendo que foi pago por este o preço "justo"?

Para quem já em outros artigos foi tão crítico em relação a "influências morais religiosas", parece-me um discurso surpreendente próximo dos de "bom cristão". O que é que era preciso para o satisfazer nesse caso "moralmente"? Que o vendedor incluisse o relatório do polígrafo com o produto para essa pergunta? A preocupação era com a recompensa justa aos produtores ou com o vendedor ser um "good sport"? O dinheiro que estes recebem passa a ser "sujo"?

"No final do artigo não desafio os consumidores a não se deixarem influenciar pela "informação", ou pelo menos o apelo não deve ser interpretado dessa forma."

Se eu disser que determinado desodorizante agrada mais às mulheres que todos os da concorrência, baseado numa sondagem de opinião que obedece a critérios estatísticos validados, isso é informação ou estamos a "influenciar irracionalmente"?

"E isso é como o exemplo que deu do café: vende-se ao cliente algo que não é aquilo que ele julga estar a comprar: ENGANA-SE o cliente."

Mais uma vez reitero: o cliente sabe perfeitamente o que está a comprar. Se não houvesse publicidade, ele olhava simplesmente para dois montes de café. Com a publicidadee passou a ter informação adicional e a poder passar a tomar uma decisão mais informada em termos dos critérios de utilidade que acha importantes. A informação que teria adquirido sem publicidade pode continuar a ser adquirida sem qualquer prejuízo.

João Vasco disse...

"Agora talvez já compreenda as minhas objecções à discussão expressas abaixo..."

Naaa.
Diz que já tinha entendido o meu ponto de vista.
Como pude verificar nesta mensagem isso é manifestamente falso.

João Vasco disse...

«Aparentemente, quer misturar as duas coisas. Das duas uma: ou considera "qualidade" do meu ponto de vista, e tal permite que estabeleça, como no seu artigo, a "equivalência em termos de custo e qualidade" dos automóveis (uma vez que são critérios objectivos), podendo então partir para a sua tese ou então esta deixa pura e simplesmente de fazer qualquer sentido, já que quando exprime a equivalência dos dois carros em termos de utilidade tem que se limitar à observação de um consumidor que faz essa avaliação, de acordo com a sua (do consumidor) avaliação de "utilidade".»

Aquilo a que chamo qualidade do produto pode ser explicado da seguinte forma:

o produtor sabe que as vendas são influenciadas fundamentalmente por três factores:

a) A publicidade

b) O preço

c) A qualidade do produto

o factor c) corresponde aos aspectos que influenciam a escolha do consumidor relativos à avaliação que este faz a respeito do artigo, e da utilidade que o mesmo tem para com ele, devido às características do próprio artigo.

Ou seja: no caso dos diamantes, eles são produzidos por um processo de fabrico que não envolve algo que devesse deixar o cliente de consciência pouco tranquila, é óbvio que isso torna o produto diferente.
Claro que se o cliente não souber, isso não vai influenciar a sua escolha, mas eu posso mostrar um campo em que existe bastante informação disponível para o cliente, e quase não existe o tipo de publicidade que critico: produtos industriais.
Se uma empresa produz amoníaco para outras indústrias, vai espalhar informação. Se mudar o método de fabrico, vai informar os seus clientes. Assim podemos ter a informação a espalhar-se sem as campanhas publicitárias habituais, mesmo que o número de clientes seja muito elevado.

Portanto, num caso o produtor altera o seu produto para se adaptar às preferências dos clientes.
Pode gastar uma pequenina parcela de recursos a comunicar isso aos clientes, mas se o fizer sem tentar influenciar a sua escolha (e deixar que sejam as catracterísticas do produto per se a fazerem-no) a sua atitude não terá nada de imoral.

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Claro que tudo isto é diferente daquilo a que me refiro.
Porque uma coisa é adaptar o produto ás preferências do cliente, e outra é adaptar as preferências do cliente ao produto.

Numa situação estamos a prestar um serviço ao cliente.

Noutra estamos a tentar tirar proveito dele.

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Então "qualidade" refere-se à utilidade que o produto teria para o cliente pelas suas características, se descontarmos qualquer processo de tentativa de manipulação psicológica.

Adaptar as características o produto às preferências do cliente E informá-lo disso corresponde a "aumentar a qualidade".

Adaptar as preferências do cliente às características do produto corresponde a manipulação psicológica. E o cliente PAGA por lhe ser vulnerável.


A grande questão é que esta segunda alternativa é MUITO eficiente pelo que a esmagadora maioria do negócio da publicidade corresponde a esta situação.

João Vasco disse...

«Tem, porque não está a vender notícias. Está a vender jornais. Já seria publicidade enganosa se publicitasse que o seu jornal só publica notícias verdadeiras. Aí já está a estabelecer umas premissa contratual com as pessoas que compram o seu produto.»

Mas referia-me ao facto de ter dito que não existe a "liberdade de enganar".

Se não existe, mesmo que eu esteja a vender jornais eu não teria o direito de anunciar notícias falsas, visto que posso estar a enganar as pessoas.


Fico espantado até que um liberal diga que não deve existir liberdade de enganar.


Afinal não entendo: considera que existe liberdade de enganar ou não?

João Vasco disse...

«Liberdade de expressão não implica desresponsabilização. O facto de um tribunal não poder limitar a sua liberdade de expressão quando o está a ouvir, deixando-o dizer o que quiser, não quer dizer que o irresponsabilize se se provar que está a mentir.»

Isso não é bem verdade.
É óbvio que o facto de eu poder ser responsabilizado criminalmente posteriormente me limita a liberdade de expressão.

É óbvio que não poder caluniar ou difamar limita (e bem) a liberdade de expressão.

No "Diário Ateísta" existiu um artigo que rejubilava por João césar das Neves ter sido condenado por textos que escreveu claramente homofóbicos.
Por muito que rejeite a homofobia, etc..., e por muito disparatado que ache aquilo que ele escreveu, considero que a liberdade de expressão está limitada quando se pode res responsabilizado criminalmente por dizer disparates como os que ele disse (que a homossexualidade era uma doença, que estava relacionada com a pedofilia, etc..), e vendo bem, tenho pena dessa limitação.

Portanto, no nosso país a liberdade de expressão pode não estar limitada "a priori", no sentido em que não exste censura governamental - E AINDA BEM!!!

Mas está limitada a posteriori no sentido em que se pode ser responsabilizado cirminalmente, por exemplo, pela difusão de certas ideias.


Na grécia um artista foi preso por publicar um livro de BD em que Jesus fuma umas ganzas. Se isto não é limitação em relação à liberdade de expressão, é o quê?

Se os autores dos cartoons dinamarqueses fossem condenados pelos tribunais, eu também acharia esse dia um dia triste para a Liberdade de expressão.


MORAL da história: a liberdade de expressão é limitada, e há limitações que fazem sentido (como impedir a difamação e a calúnia). Não se poder fazer publicidade enganosa é uma dessas limitações. A essa sou favorável.

João Vasco disse...

«"O JPL pode enganar alguém sem nunca dizer nada objectivamente falso. (Concorda?)"

Concordo. Por omissão de informação.»

Só?

Havia um anúncio muito interessante de um jornal brasileiro - é engraçado falar dele numa conversa a criticar a publicidade, mas deixemos essa irnonia de parte.


Via-se um ponto que ocupava todo o ecrã e o narrador dizia "Este homem pegou num país em ruínas, afectado por uma profunda crise económica e social e em poucos anos esse país tornou-se uma potência económica"

Enquanto ele dizia isto via-se um zoom out, que permitia ver uma série de pontos pretos à volta do ponto preto inicial.

E o narrador continuava com frases elogiosas para com o homem, dizendo que tinha diminuído o desemprego de tal para tal (números impressionantes), que tinha feito isto e a aquilo (já não me lembro bem).

Depois via-se que os pontos constituiam uma fotografia - do Hitler. E a frase final do anúncio era:

"Com muitas verdades se pode dizer uma GRANDE mentira"

----

É óbvio que a omissão pode estar mais ou menos presente neste tipo de engodos.

Mas neste caso, em que a informação que passa é cuidadosamente seleccionada, não podemos garantir que a ausência da informação será sempre mais informativa ou menos enganadora que a informação passada.


Ou seja, é possível enganar sem usar qualquer informação objectivamente falsa.
É possível fazê-lo e os publicitários são profissionais nessa actividade.

E é isto que as pessoas deviam compreender.

João Vasco disse...

«Portanto já não basta vender determinado café, dizer que se paga o preço "justo" ao produtor, mas além de tudo ainda é requisito que sejamos "sinceros". Senão... estamos a enganar o cliente. Está a ser enganado o consumidor dizendo que foi pago por este o preço "justo"?»

Bem, às tantas eu não percebi o seu exemplo do café,

O que eu aqui vejo é que o cliente que favorece essa marca de café compra um produto: "café+gesto altruista".

O cliente está convencido que esse pagamento "justo" é um gesto altruista. Se o produtor faz isso mesmo, então não estou a ver o problema, realmente.

Mas eu não devo ter precebido bem o exemplo do café, nesse caso.
Deixemos o café e fiquemos pelo caso dos diamantes.


Nota:
«Para quem já em outros artigos foi tão crítico em relação a "influências morais religiosas", parece-me um discurso surpreendente próximo dos de "bom cristão".»

Eu estou contra influências morais religiosas caso dogmaticamente se aceite algo e se seja influenciado por isso.

Ou seja, para mim que relativizo toda a ética em função daquilo a que chamo "bem", qualquer dogma é disparatado, e o cristianismo está cheio deles.

Mas obviamente que muita coisa que é defendida no cristianismo faz todo o sentido em termos racionais, e, apesar da ideia errada que temos, está muito longe de ser exclusiva do cristianismo.

A honestidade parece-me algo de louvável, por exemplo. Defenderei sempre a honestidade, e acho condenável (em termos éticos) a desonestidade.
Não me importa que aos olhos de outros isso possa parecer "cristão". O que em si seria assumir que quase todos os asiáticos são desonestos, etc... mas enfim...

João Vasco disse...

«Se eu disser que determinado desodorizante agrada mais às mulheres que todos os da concorrência, baseado numa sondagem de opinião que obedece a critérios estatísticos validados, isso é informação»

É informação.

Se tentar passar a imagem de que agrada, mesmo sem ter qualquer razão para acreditar que isso acontece, tentando passar uma série de situações e imagens que podem levar o consumidor a acreditar que isso acontece (e for esse o objectivo de tais imagens), então estamos perante manipulação.

Devo dizer que me vêm alguns anúncios bem concretos à cabeça. Achei-lhes imensa piada, mas não influenciaram a minha escolha a esse nível. Mas obviamente terão influenciado a escolha de muita gente, pois esses anúncios passaram informação que pode bem ser falsa, mas como não é objectiva está fora do alcance da legislação relativa à publicidade enganosa.

E isso caracteriza grande parte da publicidade actual.


Eu só apelo aos consumidores que encarem o que está a acontecer.

João Vasco disse...

«Mais uma vez reitero: o cliente sabe perfeitamente o que está a comprar. Se não houvesse publicidade, ele olhava simplesmente para dois montes de café.»

Eu não estou contra que se veícule informação objectiva (o seu 1º argumento), esse "coito" intelectual existirá sempre para a actividade publicitária.

Acho é que essa situação consitui uma percentagem ínfima dos recursos gastos em publicidade.

A actividade publicitária é toda aela dominada pela actividade da manipulação, só em muito pequena parte pela informação.
Eu lembro-me de quase todos os anúncios na TV, nos cartazes, etc... e chego a esta conclusão.

JLP disse...

"o factor c) corresponde aos aspectos que influenciam a escolha do consumidor relativos à avaliação que este faz a respeito do artigo, e da utilidade que o mesmo tem para com ele, devido às características do próprio artigo."

Reitero o que disse: utilizando essa definição de "qualidade", a sua tese relativamente aos automóveis (e na generalidade) deixa de fazer sentido, porque a igualdade de "custo e qualidade" deixa de ser uma premissa objectiva, e passa a ser a avaliação feita por UM dos potenciais compradores. Nada impede que, no mesmo cenário que propõe, a pessoa que está ao lado ache que têm "qualidade" diferente.

JLP disse...

"Se não existe, mesmo que eu esteja a vender jornais eu não teria o direito de anunciar notícias falsas, visto que posso estar a enganar as pessoas.

Fico espantado até que um liberal diga que não deve existir liberdade de enganar."

Volta atrás. Leia outra vez o que eu digo. Disse que o jornal têm todo o direito a publicar notícias falsas. Já não tem direito a publicitar que o seu preço é metade do preço real.

A liberdade de expressão, como outras liberdades NEGATIVAS, são absolutas, mas existem situações em que se torna necessário decidir quando há violação conflituante dessas liberdade. Para isso é que existem juízes e um estado de direito.

A liberdade de expressão não justifica que possa matar outra pessoa porque o método que aplica é "artistico". Os contratos não são "formas de expressão". Se o João Vasco não percebe a diferença e se acha que o processo de negociação de duas empresas é somente um acto de liberdade de expressão, está quanto a mim errado mas no seu pleno direito (apesar de eventualmente estar a querer desconversar). Mas lembre-me para nunca fazer negócio consigo.

Quanto às considerações que faz sobre a Grécia, os cartoons dinamarqueses e o César das Neves não têm nada a ver com o assunto.

JLP disse...

"Se não existe, mesmo que eu esteja a vender jornais eu não teria o direito de anunciar notícias falsas, visto que posso estar a enganar as pessoas.

Fico espantado até que um liberal diga que não deve existir liberdade de enganar."

Volta atrás. Leia outra vez o que eu digo. Disse que o jornal têm todo o direito a publicar notícias falsas. Já não tem direito a publicitar que o seu preço é metade do preço real.

A liberdade de expressão, como outras liberdades NEGATIVAS, são absolutas, mas existem situações em que se torna necessário decidir quando há violação conflituante dessas liberdade. Para isso é que existem juízes e um estado de direito.

A liberdade de expressão não justifica que possa matar outra pessoa porque o método que aplica é "artistico". Os contratos não são "formas de expressão". Se o João Vasco não percebe a diferença e se acha que o processo de negociação de duas empresas é somente um acto de liberdade de expressão, está quanto a mim errado mas no seu pleno direito (apesar de eventualmente estar a querer desconversar). Mas lembre-me para nunca fazer negócio consigo.

Quanto às considerações que faz sobre a Grécia, os cartoons dinamarqueses e o César das Neves não têm nada a ver com o assunto.

JLP disse...

"Havia um anúncio muito interessante de um jornal brasileiro - é engraçado falar dele numa conversa a criticar a publicidade, mas deixemos essa irnonia de parte."

A questão é que neste caso está a omitir dados objectivos que são essenciais para o "contrato de compra e venda". Naturalmente que se eu vender um aspirador omitindo que ele vai explodir da primeira vez que for usado, estou a omitir informação que é essencial para a boa-fé do contrato, e para a sua definição objectiva. Assim como se vender algo que tenha o aspecto de um aspirador mas seja uma carcaça vazia.

Contudo, tal não opina em favor da defesa da sua opinião: se tivesse que escolher os aspiradores só olhando para eles, ou em votar no Hitler só por olhar para ele iria ter os mesmos problemas, uma vez que naturalmente essa informação também estaria omitida.

JLP disse...

"Mas eu não devo ter precebido bem o exemplo do café, nesse caso."

Compreendo que talvez não lhe interesse compreender, mas é extremamente simples:

Tem dois montes de café exactamente iguais em termos de preço e de grão (espécie, estado de maturação, propriedades organolépticas...): um que não tem publicidade, e outro que diz que foi pago ao seu produtor o preço justo, demonstrando isso com uma copia das suas contas auditadas em que demonstra quanto pagou ao produtor por tonelada de café e o compara com as contas auditadas do seu concorrente.

A realidade fáctica é de que esse valor adicional foi pago através de uma provisão retirada do orçamento de publicidade, sendo o resto do orçamento de publicidade gasto na produção desse anúncio que acompanha a venda do café. Porque o vendedor, por análise do mercado, conclui que há um segmento muito significativo de pessoas que previligiam essa atitude ao preço.

O que está a dizer é que, para além disso, para isto ser legítimo, a decisão não poderia ser baseada numa acção concertada de marketing, mas sim ser um gesto de altruísmo.

Pergunto-me:

- Mesmo dada a sua premissa utilitarista de "bem comum", o que é que isto tem algo a ver, para lá de um julgamento moral completamente preenchido de preconceitos?

- Qual era o ganho incremental em termos de "bem comum" para a sociedade nesse gesto somente pelo facto de passar a ser "altruísta"?

JLP disse...

"Se tentar passar a imagem de que agrada, mesmo sem ter qualquer razão para acreditar que isso acontece, tentando passar uma série de situações e imagens que podem levar o consumidor a acreditar que isso acontece (e for esse o objectivo de tais imagens), então estamos perante manipulação."

E então se for feito um anúncio do tipo "Axe", em que uma mulher estando em frente a dois homens escolhe aquele usa "Axe", naturalmente numa encenação à altura e baseado nessa realidade estatística, isso é informação ou "manipulação"?

João Vasco disse...

«Reitero o que disse: utilizando essa definição de "qualidade", a sua tese relativamente aos automóveis (e na generalidade) deixa de fazer sentido, porque a igualdade de "custo e qualidade" deixa de ser uma premissa objectiva, e passa a ser a avaliação feita por UM dos potenciais compradores. Nada impede que, no mesmo cenário que propõe, a pessoa que está ao lado ache que têm "qualidade" diferente. »

A questão aqui é que se passou a achar que tinha uma qualidade diferente sem que lhe fosse dada qualquer informação verdadeira a respeito do produto, então foi manipulado.

A questão aqui é simples: vai-se ajustar o produto em função dos gostos dos consumidores, ou o gosto dos consumidores em função do produto?

O vendedor eficiente fará ambas, e ambas custam recursos.

Mas enquanto a primeira alternativa é boa e deve ser recompensada (pelos consumidores) a segunda é má e deve ser penalizada (pelos consumidores)

João Vasco disse...

A liberdade de expressão, como outras liberdades NEGATIVAS, são absolutas, mas existem situações em que se torna necessário decidir quando há violação conflituante dessas liberdade.»

Quando há conflito, aquela que não for priorizada não é absoluta. É relativizável à outra.

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De resto, o jlp disse, em primeiro lugar que "não existe a liberdade de enganar", e só mais tarde é que disse que, mesmo que não fosse isso, havia a questão dos contratos.

Ora o meu exemplo do jornal era dedicado à sua primeira frase de que não havia liberdade de enganar. Chocou-me.

Agora responde-me como se nunca tivesse escrito isso e só tivesse falado na questão dos contratos.

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«Quanto às considerações que faz sobre a Grécia, os cartoons dinamarqueses e o César das Neves não têm nada a ver com o assunto. »

Têm sim. Porque mostram como podem existir limitações à liberdade de expressão que não passam pela censura prévia, contrariando a sua afirmação de que a liberdade de expressão não tem a ver com a responsabilização em tribunal mas apenas com a possibilidade inicial de se dizer o que se quer.

João Vasco disse...

«A questão é que neste caso está a omitir dados objectivos que são essenciais para o "contrato de compra e venda".»

Ok. Postulemos que o cliente deve poder ter acesso a todos os dados.

Isso não me impede de fazer um anúncio em que só anuncio certos aspectos que eu escolhi passar.
Estou a falar de algo que se passa na prática!

Um banco pode dizer "crédito a partir de 2% de juros" omitindo que isso é só durante o 1º ano. Tanto pode que às vezes faz.

Por isso, é possível ENGANAR sem poder ser punido pelas leis da publicidade enganosa: basta gerir convenientemente aquilo que é dito e aquilo que se omite.
E era esse o meu ponto.

João Vasco disse...

«O que está a dizer é que, para além disso, para isto ser legítimo, a decisão não poderia ser baseada numa acção concertada de marketing, mas sim ser um gesto de altruísmo. »

Não. Se dei a entender dizer isso é porque realmente não tinha mesmo percebido o exemplo (apesar da insinuação em contrário...)

Ou seja: tanto me faz que o fabricante altere o seu produto com a intenção de vender mais ou de ser "um bom fabrincante".

No utilitarismo, como no consequencialismo em geral, importam as consequências das acções.


O que eu penso desse exemplo do café é:

O fabricante decidiu "pagar um preço justo", e isso altera o produto café para "café+acção altruista".

Os clientes podem apreciar mais este produto, e comprá-lo por isso.

É legítimo que o vendedor informe os clientes deste facto. A informação gasta poucos recursos (em termos comparativos com o que é gasto em publicidade).

Se ele fizer uma enorme campanha publicitária, está a fazer algo mais do que informar (que gastaria poucos recursos) e a encarecer o seu produto sem que este seja beneficiado por isso.


Para isto tudo é-me irrelevante a sua intenção ao decidir propiciar aos clientes este produto.

----
Nota: devo-me ter enganado a ler as suas mensagens e o equívoco era que eu pensava que tinha colocado a hipótese do fabricante anunciar que pagava um preço "justo" sem o fazer. Dái não entender como é que o jpl não considerava essa prática imoral.

João Vasco disse...

As perguntas sobre o café:

«Mesmo dada a sua premissa utilitarista de "bem comum", o que é que isto tem algo a ver, para lá de um julgamento moral completamente preenchido de preconceitos?»

Não percebo bem a pergunta.
Para quem considera que pagar um preço "justo" é algo bom (do ponto de vista do bem comum), então comprar esse café será algo bom.
Respondi à pergunta?


«Qual era o ganho incremental em termos de "bem comum" para a sociedade nesse gesto somente pelo facto de passar a ser "altruísta"? »

Nenhum.
O utilitarismo é consequencialista.

Não importa se as intenções dos terroristas que se mandaram contra as torres gémeas eram as melhores (darem a sua vida por um mundo mais temente a Alá - um mundo melhor). Até penso que muitos inquisidores deveriam ter óptimas intenções.

Se alguém, pelo mais egoísta dos motivos, tem uma excelente atitude, a atitude não deixa de ser excelente.
E como, em última análise, somos todos egoístas (porque os altruístas são-no por motivos egoístas - talvez o de se sentirem melhor a fazer aquilo que consideram ser "o bem") o que interessa é encorajar os mecanismos que propiciem as pessoas a fazer boas acções, seja porque motivos for.

João Vasco disse...

«E então se for feito um anúncio do tipo "Axe", em que uma mulher estando em frente a dois homens escolhe aquele usa "Axe", naturalmente numa encenação à altura e baseado nessa realidade estatística, isso é informação ou "manipulação"? »

Quando falei num "caso concreto" estava a pensar no Axe.

A resposta é a seguinte: esse anúncio passa uma informação: "as mulheres preferem os homens que usam Axe". A informação não é passada objectivamente.

Há duas hipóteses:

a) A informação é verdadeira: existe muita informação estatística que suporta essa tese, etc...
Então o anúncio em si não me parece grosseiramente enganador.
Fica por explicar porque é que a informação não é passada objectivamente, até mesmo nas embalagens - daria muito que falar e consumiria poucos recursos.

b) A informação é falsa: não existe qualquer razão para que se suponha que as mulheres preferem Axe a outro desotorizante.
O anúncio é grosseiramente enganador porque tenta passar uma informação falsa aos clientes, manipulando as suas opções.
Fica perfeitamente explicado porque é que a informação é passada de forma subjectiva: para não estar ao alcance das leis que condenam a publicidade enganosa, conseguindo, apesar disso, enganar os clientes.

João Vasco disse...

«Não importa se as intenções dos terroristas que se mandaram contra as torres gémeas eram as melhores (darem a sua vida por um mundo mais temente a Alá - um mundo melhor). Até penso que muitos inquisidores deveriam ter óptimas intenções.»

Obvamente aqui estava a dar exemplos de MÁS acções (apesar das boas intenções).
Acabei por não esclarecer.

É óbvio, mas com tantos males-entendidos...

JLP disse...

"A questão aqui é que se passou a achar que tinha uma qualidade diferente sem que lhe fosse dada qualquer informação verdadeira a respeito do produto, então foi manipulado."

Não é isso que está em discussão neste ponto em concreto. O que estava em consideração era a sua argumentação original do artigo, que basicamente dizia que dois artigos "iguais" (em custo e "qualidade"), continua a ser iguais pelo facto de um deles investir em publicidade, refletindo isso no preço, dizendo que não há vantagem para o consumidor por esse investimento ser feito, porque vai pagar mais por um mesmo produto. O que eu lhe estou a tentar fazer perceber é que isso é uma falácia, porque esse juizo que faz de "igualdade" não é uma condição universal porque não é baseada em critérios objectivos, dependendo sim de um julgamente desse consumidor em particular. Nada inviabilidade que, para outro consumidor e nessa mesma situação, a condição de partida fosse que um dos carros era superior ao outro (de acordo com o seu critério de "qualidade"), e que depois da publicidade a sua avaliação seja de que os carros já são "iguais", exactamente porque o efeito da publicidade foi o de alterar a perspectiva de "qualidade" que refere (mesmo que só se tenha repercurtido em termos de efeitos no segundo comprador).

JLP disse...

"Quando há conflito, aquela que não for priorizada não é absoluta. É relativizável à outra."

Não. Quando há conflito é porque (pelo menos uma) uma das liberdades deixou de ser negativa e passou a ter um efeito "positivo" sobre a esfera das liberdades NEGATIVAS de outra pessoa. É isso que é sancionado, não havendo qualquer "relativização entre liberdades negativas".

Se a liberdade de expressão viola o direito à propriedade de outra pessoa (manifestado por exemplo num atentado à sua integridade física), a liberdade de expressão que está em análise deixa de ser negativa, exactamente porque passa a ter influência em outrem.

JLP disse...

"De resto, o jlp disse, em primeiro lugar que "não existe a liberdade de enganar", e só mais tarde é que disse que, mesmo que não fosse isso, havia a questão dos contratos."

Vamos lá a ver se me faço entender. O que eu sempre disse foi que não havia liberdade de enganar, porque tal facto pressupõe a existencia de um "enganado" (ou seja, de alguém que vai ver as suas liberdades negativas violadas), deixando isso de ser uma liberdade negativa.

O que não inviabiliza que ache que seja perfeitamente legítimo a alguém dizer mentiras. É perfeitamente legítimo eu anunciar publicamente que um anel de ouro me foi dado por fadas. Só acredita quem quer. Já não é um acto de liberdade de expressão eu o vender a alguém mentindo e dizendo que ele é de ouro sabendo que ele é de prata dourada.

JLP disse...

"O fabricante decidiu "pagar um preço justo", e isso altera o produto café para "café+acção altruista"."

Não, o que aconteceu foi que ele optou por pagar um preço superior aos produtores que a sua potencial clientela (que quer atingir) vê como sendo mais justo. Além de que em nenhum lugar é referido que o faz altruisticamente.

"É legítimo que o vendedor informe os clientes deste facto. A informação gasta poucos recursos (em termos comparativos com o que é gasto em publicidade)."

Sim, mas o problema é que o custo total desta acção de publicidade não é só o custo da informação: é tambem o somatório dos adicionais que foram pagos aos produtores no seguimento da consumação dessa estratégia de marketing. Mas a "utilidade", não é a mesma que no caso de tal ter sido feito em termos "altruístas"?

"Se ele fizer uma enorme campanha publicitária, está a fazer algo mais do que informar (que gastaria poucos recursos) e a encarecer o seu produto sem que este seja beneficiado por isso."

E onde é que estabelece essa diferença entre informar e passar a ser uma "grande campanha de publicidade"? Na área dos outdoors? Na quantidade de segundos que são utilizados em anúncios na TV? No numero de cores? No número de adjectivos por frase?

JLP disse...

"Não percebo bem a pergunta.
Para quem considera que pagar um preço "justo" é algo bom (do ponto de vista do bem comum), então comprar esse café será algo bom."

Então quer dizer que, numa sociedade utilitarista como defende, a publicidade presta "utilidade", já que tendo sido no exemplo que referi a publicidade o unico motor desse pagamento que uma parcela dominante da sociedade vê como justo, a sua existência tem um benefício.

"Nenhum.
O utilitarismo é consequencialista."

Então se é indiferente, porque é que desde o início dá a intender que o facto de ser não ser um gesto altruista e de ser um gesto de "manipulação", quando as consequências são exactamente as mesmas, deve ser alvo de sanção social? De um julgamento de que é algo "errado" quando tem as mesmas consequências?

JLP disse...

"Há duas hipóteses:

a) A informação é verdadeira: existe muita informação estatística que suporta essa tese, etc...
Então o anúncio em si não me parece grosseiramente enganador.
Fica por explicar porque é que a informação não é passada objectivamente, até mesmo nas embalagens - daria muito que falar e consumiria poucos recursos."

Tenho as minhas dúvidas que aceitasse sequer este primeiro caso, uma vez que provavelmente diria que só era legítimo divulgar as estatísticas, e não em fazer uma encenação ou "grande campanha de publicidade" à volta delas. Estou errado?

De qualquer modo, é para mim já uma forma de publicidade não exclusivamente informativa perfeitamente válida.

"b) A informação é falsa: não existe qualquer razão para que se suponha que as mulheres preferem Axe a outro desotorizante.
O anúncio é grosseiramente enganador porque tenta passar uma informação falsa aos clientes, manipulando as suas opções.
Fica perfeitamente explicado porque é que a informação é passada de forma subjectiva: para não estar ao alcance das leis que condenam a publicidade enganosa, conseguindo, apesar disso, enganar os clientes."

Poderá ser falsa na avaliação dessa premissa que é "as mulheres preferem um homem que use Axe em relação ao uso de qualquer outro". Mas quem lhe diz (e as estatísticas concerteza concordariam), que o que se pretende demonstrar é a informação de que as mulheres gostam mais e acham mais sedutor um homem que cheire bem ao invés de um que cheire mal?

Não é difícil entrar em considerações como estas, perfeitamente legítimas, que alimentam grande parte da publicidade.

João Vasco disse...

«exactamente porque o efeito da publicidade foi o de alterar a perspectiva de "qualidade" que refere (mesmo que só se tenha repercurtido em termos de efeitos no segundo comprador).»

É a isso que eu chamo "manipulação" e "engano". Adaptar os gostos do consumidor ao produto em vez de adaptar o produto aos gostos do consumidor.



«Se a liberdade de expressão viola o direito à propriedade de outra pessoa (manifestado por exemplo num atentado à sua integridade física), a liberdade de expressão que está em análise deixa de ser negativa, exactamente porque passa a ter influência em outrem.»

O critério não pode ser esse. Existe sempre uma fronteira arbitrária. Mas não vou explorar este assunto, porque isso daria toda uma discussão só sobvre isso. Talvez escreva sobre as minhas opiniões a esse respeito no "Banqueiro Anarquista". se o fizer avisarei :)

João Vasco disse...

«O que não inviabiliza que ache que seja perfeitamente legítimo a alguém dizer mentiras. É perfeitamente legítimo eu anunciar publicamente que um anel de ouro me foi dado por fadas. Só acredita quem quer. Já não é um acto de liberdade de expressão eu o vender a alguém mentindo e dizendo que ele é de ouro sabendo que ele é de prata dourada. »

Eu concordo com esta posição.

Só acho é que crontaria o que disse, mas tudo será abordado no meu artigo sobre essa questão do absolutizar valores que não sejam o bem.

João Vasco disse...

«Não, o que aconteceu foi que ele optou por pagar um preço superior aos produtores que a sua potencial clientela (que quer atingir) vê como sendo mais justo. Além de que em nenhum lugar é referido que o faz altruisticamente.»

Sim.
A clientela é que faz o gesto altruista, se acredita que esse gesto o é, ao escolher esse café em prejuízo de outros.
Ou seja a clientela opta por esse café porque o produto além de café inclui "gesto altruísta".


«já que tendo sido no exemplo que referi a publicidade o unico motor desse pagamento »

A publicidade não foi o motor desse pagamento.
As preferências dos clientes é que sim.

Os clientes que gostam de ajudar dessa forma valorizariam mais esse produto, e não tiveram de ser manipulados para o preferirem.

João Vasco disse...

«Então se é indiferente, porque é que desde o início dá a intender que o facto de ser não ser um gesto altruista e de ser um gesto de "manipulação", quando as consequências são exactamente as mesmas, deve ser alvo de sanção social?»

Se dei isso a entender não foi de todo a minha intenção.
Eu já expliquei onde estava o mal entendido numa mensagem anterior: eu pensava que estava a dizer que o fabricante anunciava pagar um preço justo e depois não pagava. Pelo que entendid agora, também concordará que isso é fraude. Grosseira.

João Vasco disse...

«Tenho as minhas dúvidas que aceitasse sequer este primeiro caso, uma vez que provavelmente diria que só era legítimo divulgar as estatísticas, e não em fazer uma encenação ou "grande campanha de publicidade" à volta delas. Estou errado?»

Os consumidores estão protegidos da informação objectiva falsa.

Mas não estão protegidos da informação subjectiva falsa.

Então é do seu interesse deixarem-se apenas influenciar pela informação objectiva.

Se o fizessem o negócio da publicidade ficaria significativamente abalado. A sociedade ganharia muito com isso.
É esse o meu apelo.

JLP disse...

"É a isso que eu chamo "manipulação" e "engano". Adaptar os gostos do consumidor ao produto em vez de adaptar o produto aos gostos do consumidor."

A questão é que, de acordo com a perspectiva de "qualidade" que utiliza, é impossível para um consumidor apontar para um determinado valor dela aquando da concepção/implementação do produto. Sendo um factor que é puramente de avaliação externa, é impossível fazer a adaptação do produto aos gostos do consumidor, ja que o "consumidor" deixa de existir.

JLP disse...

"A clientela é que faz o gesto altruista, se acredita que esse gesto o é, ao escolher esse café em prejuízo de outros.
Ou seja a clientela opta por esse café porque o produto além de café inclui "gesto altruísta"."

Não.

O gesto não é do comprador, é do vendedor. Não há nenhum "bundle", já que não é dada em nenhum lado a garantia de que é altruista, como tal sendo essa perspectiva de que inclui "gesto altruista" uma pura conjectura do consumidor. Se o consumidor opta por valorar esse comportamento do vendedor como positivo, é uma conclusão deste (e uma vitória da publicidade).

"A publicidade não foi o motor desse pagamento.
As preferências dos clientes é que sim."

Não, o motor do pagamento foi a publicidade. Não foi referido que o pagamento era feito à posteriori, do género "cada n% da sua compra vai para o produtor". O pagamento já foi feito ao produtor quer o produto seja vendido ou não, no âmbito de uma pura estratégia calculista.

JLP disse...

"Mas não estão protegidos da informação subjectiva falsa."

O que é "informação subjectiva falsa"?

João Vasco disse...

jpl:

Se a estratégia é calculista é irrelevante.
E dizer que x% vai ser pago a não-sei-quem ou dizer que W foi pago a X-PTO é perfeitamente análogo.
Se isso é altruista, o consumidor está a sê-lo. O produtor está a dar uma oportunidade para os consumidores serem altruistas.

Assim sendo, o motor da estratégia foi a preferência dos clientes e a opinião deles de que esse gesto é altruista.

João Vasco disse...

«O que é "informação subjectiva falsa"?»

A informação objectiva não pode ser interpretada de várias formas diferentes.

Assim sendo pode ser facilmente classificada de "verdadeira" ou "falsa".


A informação subjectiva pode ser interpretada de várias formas diferentes.
Se for constamente interpretada de uma forma que corresponde a uma informação objectivamente falsa, então era a isso que me referia quando usei essa expressão.

Isso não é difícil se a mensagem for especificamente delinieada para que isso aconteça.

JLP disse...

"Se isso é altruista, o consumidor está a sê-lo. O produtor está a dar uma oportunidade para os consumidores serem altruistas."

Reitero: em nenhum lado é afirmado que o gesto é ou não altruísta. Além disso, não há um nexo de causalidade entre a compra e o benefício "extra" para o produtor já que, como afirmei, o "extra" é pago quer o cliente compre quer não, e não como uma percentagem do seu pagamento.

"Assim sendo, o motor da estratégia foi a preferência dos clientes e a opinião deles de que esse gesto é altruista."

Não. O motor foi a publicidade, já que somente a sua estratégia publicitária teve a causalidade de fazer o pagamento "extra" aos produtores, motivada por uma análise do mercado ter concluido que havia um segmento significativo que considerava isso uma mais-valia (ou um "extra ao produto", bastante superior (eventualmente em valor e número) ao segmento que somente está preocupado com o preço do artigo e se está marimbando com o que acontece aos produtores.

JLP disse...

"A informação subjectiva pode ser interpretada de várias formas diferentes."

Se a informação é apresentada como sendo subjectiva, as conclusões que são tiradas a partir dela passam a ser da responsabilidade do consumidor que vai agir de acordo com estas. Se não se está a falsear informação objectiva relativa ao produto cai-se aí sim no domínio da liberdade de expressão e não no âmbito da responsabilidade contratual.

João Vasco disse...

jlp:

«Se a informação é apresentada como sendo subjectiva, as conclusões que são tiradas a partir dela passam a ser da responsabilidade do consumidor que vai agir de acordo com estas. Se não se está a falsear informação objectiva relativa ao produto cai-se aí sim no domínio da liberdade de expressão e não no âmbito da responsabilidade contratual.»

Claro que é da respinsabilidade do consumidor.
Nunca falei em tornar a publicidade ilegal.

Mas se eu tentar enganá-lo com informações subjectivas, estou no meu direitom, e não é por isso que a minha atitude deixa de ser desonesta, e quiçá lamentável e pouco ética.

E se eu for um publicitário competente, é isto mesmo que eu devo fazer, com eficácia.

E era isso que eu defendia no meu artigo, e que não foi refutado.

João Vasco disse...

«Não. O motor foi a publicidade, já que somente a sua estratégia publicitária teve a causalidade de fazer o pagamento "extra" aos produtores, motivada por uma análise do mercado ter concluido que havia um segmento significativo que considerava isso uma mais-valia (ou um "extra ao produto", bastante superior (eventualmente em valor e número) ao segmento que somente está preocupado com o preço do artigo e se está marimbando com o que acontece aos produtores.»

Não.
O motor foi o desejo de encontrar as preferências dos clientes. Isto eu acho óptimo.

Repito: uma coisa é adpatar os produtos às preferências dos clientes, outra é adaptar as preferências dos clientes aos produtos. Ambas são eficazes e as empresas de sucesso fazem ambas.
A primeira actividade é, em geral, dum ponto de vista utilitarista, eticamente louvável.
Quanto à segunda... bom, mantenho o que escrevi no artigo...