2006/07/31

O mito do política internacional a preto-e-branco

Escreve o Migas em prosa a não perder nas respectivas crónicas, em resposta ao exercício de simplismo do JCD do Blasfémias:

É evidente que, racionalmente, só há uma escolha possível quando essa escolha é entre a liberdade e o terrorismo. Igual lógica usou Durão Barroso no caso do Iraque ao dizer que, mesmo preferindo uma solução diplomática, apoiaria sempre um aliado democrático face a um regime opressivo e ditatorial.

Vejo contudo dois problemas nesta ideia, ambos derivados da formulação incompleta por ela apresentada:

Em primeiro lugar, ela ignora a opção de não "tomar partido". Elementos neutrais nos conflitos são necessários e muitas vezes essenciais para a sua resolução. Se toda a gente se colocásse atrás das barricadas todos os conflitos eram globais. Não existindo uma necessidade premente, de vida ou morte, de fazer a dita escolha, corre-se o risco de resvalar para um simples warmonger.

Em segundo lugar, a escolha, por mais evidente que seja, não exime quem a faz de manter o sentido crítico por forma a não aceitar todas as acções do "seu lado" at face value, nem de assumir tudo de mau relativamente ao outro lado. A desumanização do adversário pode ser comum entre os combatentes como forma de eliminar a dissonância cognitiva, mas não deveria ter lugar na apreciação e julgamento morais de quem não está directamente envolvido.
A História é pródiga de exemplos (entre os quais os apresentados pelo Migas) que desmentem esta mera análise bipolar do JCD, de "nós e os outros", um exercício afinal dos mesmos trâmites de superioridade moral e de ingerência que nos colocaram exactamente no ponto em que estamos.

Se a coisa fosse assim tão simples, não havia necessidade de estabelecer regras de direito internacional, de diplomacia ou de Guerra. Estivesse tudo tão arrumadinho, não haveria problema em separar as plantas das ervas daninhas e também todos se arrumariam nos respectivos cantos do ringue. Mas o JCD esquece-se de duas coisas: do adágio de que são os vencedores que escrevem a História, quer esta vitória tenha sido justa (o que quer que isso seja) ou não (excelente o exemplo da Resistência Francesa apresentado) e de que a margem que separa a Ordem da Barbárie é ainda mais ténue no que toca às relações internacionais entre os povos. Se já é dificil estabelecer estados em que neles próprios vigorem regras sãs de convivência e se construam Estados de Direito, tentando debelar os instintos primários humanos, mais difícil (e acima de tudo mais difícil de avaliar do exterior por critérios de bons e maus) se torna construir um puzzle em que se tenta encaixar todas estas realidades diferentes.

Eu por mim o meu partido é muito simples: que percam ambos, isso sim, e com pesadas baixas. Talvez isso lhes permita, à falta reinante de Razão, perceber na linguagem do "bicho Homem".

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