2006/05/10

quando se deve meter o blogo-liberalismo na gaveta

Quer o ministro encerrar maternidades cujo número anual de partos está abaixo de um certo limiar. Uns são contra pq se "economiciza" um serviço público essencial como os cuidados de parto; outros pq rouba gente ao interior; outros são a favor pq, se se senão economicizar, pagam (literalmente) uns pelos outros; outros por isto; outros por aquilo; outros pq lhes apetece. Este post não discute esse número nem sequer a decisão. Não sei e só de relatório à frente, 3 dias de papelada e um batalhão de médicos a discutir me atreveria a comentar a decisão por si.

Mas depois há o João Miranda no Blasfémias:
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Curiosamente, as grávidas afectadas pela medida, depois de informadas do risco, preferem corrê-lo.
E este é o cerne do problema. Há uma entidade central que define o que é o risco aceitável e depois há pessoas que preferem correr riscos por razões muito próprias, precisamente aquelas razões que nos distinguem uns dos outros e que distinguem as sociedades humanas dos formigueiros.
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Ficamos a saber:

  • que ser-se grávida (ou candidata a tal) implica um conhecimento completo do problema técnico de avaliação desse limiar. Deve ser como os bebados que sabem como ninguém onde se tem mais acidentes de carro.
  • que o mercado (ou coisa que o valha) tem um mecanismo de acomodação desse risco que passa pelo trial-and-error de cada parturiente. Provavelmente, em sítios sem maternidade morrem mais bebés. Antes de alguém ser mãe consulta o mapa da mortalidade infantil. O mapa fica logo ao lado da secção de arrendamento. Ou então cada mulher vai tendo filhos e experimentando tê-los por aí fora até um dia se decidir a ter o filho-the-one.
  • que a noção de risco, muito pouco amigável da percepção humana, passa por preencher um campo numa espécie de balancete de onde se deriva, na página final, um condensado número sobre o qual se toma uma decisão; nomeadamente, onde parir.
  • que uma maternidade não é um equipamento partilhado e, como tal, sujeito, com toda a legitimidade, a decisões de carácter colectivo; donde, opiniões individuais e necessariamente desestruturadas, desenquadradas e subjectivas pouca validade terão.
  • que neste mundo redondo, se deve sempre aceitar o menor dos males sem considerar a eventual 3ª opção; que a manipulação do risco não é uma das grandes conquistas humanas, em permanente depuração e que, se há algo que só funciona no contexto dos formigueiros, é essa engenharia do risco -- e que o que nos distingue dos formigueiros é (neste contexto) exactamente assumir, conforme a conveniencia e alternadamente, o papel de formigas ou de formigueiro.
  • que, paradoxalmente, se há sistema que lida muito bem com esse risco, sem o resgatar para um individualismo seco e frio, é (pode ser) o liberalismo.

4 comentários:

AA disse...

Um pouco descabido. JM diz que as pessoas não acreditam no risco comunicado pelo Ministério, e que essa justificação é própria de quem determina níveis de risco aceitáveis para a sociedade.

JLP disse...

"ue ser-se grávida (ou candidata a tal) implica um conhecimento completo do problema técnico de avaliação desse limiar. Deve ser como os bebados que sabem como ninguém onde se tem mais acidentes de carro."

Não implica. Mas deve ser a pessoa a informar-se e a decidir em conformidade (e assumindo esse risco), assim como acontece com alguém que decide fazer um impréstimo bancário (e também não é economista), ou a saltar de paraquedas (sem ser paraquedista).

O que o estado faz, neste caso, é que nem resolve o problema do risco nos equipamentos já existentes (risco que até nalgumas das maternidades que vão fechar é diminuto, sendo a questão puramente económica, o que o ministro não diz), nem liberaliza a possibilidade de se arranjarem soluções alternativas de minimização do risco.

Vítor Jesus disse...

Para ser franco, li o post do JM como um certo liberal-politicamente correcto à volta do eterno quem decide, se as pessoas ou se o estado. O problema é que seguiu por uma espécie de demagogia que não suporto. Daí talvez me tenha excedido e feito uma tempestade num copo de água.
Aliás, começo a aperceber-me que, de cada vez que o JM tenta NÃO ser porco-capitalista (private) e mostrar uma face mais "humana" (e.g. paternalo-socialista), saem-lhe destas. O post dele não é nadinha liberal ao mesmo tempo que parece.

JLP disse...

"O post dele não é nadinha liberal ao mesmo tempo que parece."

Não estou a ver em que é que não é liberal (ou que seja demagógico). Para mim (e aparentemente também para ele), a chave está no parágrafo:

"E este é o cerne do problema. Há uma entidade central que define o que é o risco aceitável e depois há pessoas que preferem correr riscos por razões muito próprias, precisamente aquelas razões que nos distinguem uns dos outros e que distinguem as sociedades humanas dos formigueiros."

O problema é antes de mais se o estado pode (ou melhor, se é legítimo) impôr patamares de risco aceitável, nomeadamente quando cada um incorre pelo risco das suas atitudes. Acho que todos os liberais serão unânimes na resposta.

"[...] de cada vez que o JM tenta NÃO ser porco-capitalista (private) e mostrar uma face mais "humana" (e.g. paternalo-socialista) [...]"

O JM a tentar mostrar uma face mais humana e a ser "paternalo-socialista"? Isso é tarefa para estes senhores, sem dúvida!

:-)