2006/05/17

Provocação liberal do dia


Steven Stahlberg

A criação, venda e posse de material pornográfico pedófilo inteiramente construído a partir de imagens de síntese (cada vez mais indistinguíveis da realidade) deve ser crime ou alvo de restrições adicionais às impostas ao vulgar material pornográfico?

19 comentários:

JoaoMiranda disse...

Não.

Aliás, uma lei desse tipo seria um incentivo ao uso de crianças reais para fazer os mesmos filmes.

FMP disse...

crime.

já bastam alguns comics manga para esses efeitos....

Carlos Guimarães Pinto disse...

Não. A perversão sexual não é um crime em si.

FMP disse...

"A perversão sexual não é um crime em si"

Certo, as consequências que podem daí advir é que são.

Mas eu também não concordo com a legalização de posse e venda de armas nucleares, embora isso também não seja crime em si.

Carlos Guimarães Pinto disse...

"Mas eu também não concordo com a legalização de posse e venda de armas nucleares, embora isso também não seja crime em si."
A posse e venda de conteúdo pedófilo é crime bem como a compra e venda de material nuclear. O que não seria crime era a posse e venda de armas nucleares de plástico.

Anónimo disse...

Não. Não há nenhum bem jurídico que seja lesado aí. Qualquer restrição adicional, seja qual for a justificação teórica que lhe apontem, está pura e simplesmente a fazer o enforcement de um determinado conceito de moralidade e é, no que me diz respeito, profundamente anti-liberal.

Anónimo disse...

Aliás, se a questão de princípio não for o suficiente para sensibilizar consciências, acho que basta reparar bem no ridículo daqueles jogos japoneses que trazem o disclaimer "todas as personagens deste jogo (=meros desenhos, portanto) têm mais de 18 anos".

FMP disse...

Precisamente.

Também não há nenhum bem jurídico que saia lesado do facto de eu ter uma ogiva em casa ou uma AK-47. Isso só acontece se a(s) utilizar.

Voces estão a ver a pedofilia como uma liberdade aceitável desde que não hajam terceiros envolvidos. Eu vejo-a como uma patologia clínica e portanto não encaro restrições à mesma como uma restrição de liberdade.

Por outro lado, uma lei que incentiva práticas extremamente lesivas para as crianças é uma agressão clara à sua liberdade.

O liberalismo implica muitas vezes arbitrar entre esferas de liberdade e neste caso parece-me mais lógico defender a esfera das crianças

Carlos Guimarães Pinto disse...

Continuo a não concordar contigo e com os teus paralelos. Se fizermos uma comparação entre a pedofilia e o homicidio, a venda e posse de armas ilegais corresponde à venda e posse de materia pedófilo autentico. Por outro lado, a posse de material pedófilo construído a partir de imagens de síntese será o correspondente ao assassino em potencia se limitar a jogar DOOM na consola (desculpem o anacronismo da comparação).

Anónimo disse...

«Eu vejo-a como uma patologia clínica e portanto não encaro restrições à mesma como uma restrição de liberdade.»

Onde é que está a linha para o que é uma patologia clínica? Para o padre da paróquia alguém que faz sexo sem ser na posição de missionário é um tarado. Até há bem pouco tempo, a homossexualidade não recebia outro rótulo. Quem é que somos nós para querer etiquetar os gostos do próximo?

Por outro lado, uma lei que incentiva práticas extremamente lesivas para as crianças é uma agressão clara à sua liberdade.

O liberalismo implica muitas vezes arbitrar entre esferas de liberdade e neste caso parece-me mais lógico defender a esfera das crianças


Quais crianças? Que criança é que vai sair lesada de uma prática virtual?

2:13 PM

JLP disse...

"Também não há nenhum bem jurídico que saia lesado do facto de eu ter uma ogiva em casa ou uma AK-47. Isso só acontece se a(s) utilizar."

Há sim! A segurança colectiva. No primeiro caso por não garantires as condições para o armazenamento em segurança da ogiva, e no segundo (reconhecidamente mais polémico) porque adquires um potencial de, caso venhas a participar num crime contra a integridade de outrem, os danos possam ser mais alargados e desproporcionados. Bem como de que alguém te roube ambos e os use para fins menos claros.

No caso do material descrito, não advém nenhum incremento de gravosidade para nenhum crime potencial da sua posse ou criação. Ninguém é ofendido no processo nem potencialmente será ofendido por qualquer outro uso deste.

"Voces estão a ver a pedofilia como uma liberdade aceitável desde que não hajam terceiros envolvidos. Eu vejo-a como uma patologia clínica e portanto não encaro restrições à mesma como uma restrição de liberdade. "

Não estou a ver quem é o terceiro envolvido!

Mesmo no caso da patologoa clínica (o que é um caminho de argumentação perigosa), se for efectivamente uma questão psicótica, duvido que o indivíduo faça a separação entre "pedofilia real" e "pedofilia virtual", o que faz com que: o cenário da permissão não agrave o problema; possam ser implementados os mecanismos penais existentes de protecção preventiva da sociedade caso comprovadamente seja inimputável e perigoso.

"Por outro lado, uma lei que incentiva práticas extremamente lesivas para as crianças é uma agressão clara à sua liberdade."

Não estou a ver qual é a "lesão". Potencialmente (e no seguimento do que diz o JM), até fazes com que pessoas que potencialmente enveredassem por práticas ou materiais efectivamente pedófilos deixem de o fazer por que se satisfazem com a alternativa.

"O liberalismo implica muitas vezes arbitrar entre esferas de liberdade e neste caso parece-me mais lógico defender a esfera das crianças"

A esfera das crianças não é violada. Nem há violação de qualquer liberdade negativa destas.

FMP disse...

"adquires um potencial de, caso venhas a participar num crime contra a integridade de outrem, os danos possam ser mais alargados e desproporcionados"

"potencial", "caso", "possam ser".... ou seja, proteges um risco...

Parte-se de um pressuposto de que o homem dificilmente controlará os seus impulsos se tiver acesso a uma arma, um argumento de probabilidade baseado no nosso conhecimento da natureza humana. Também podemos argumentar que se todos tivermos arma, eu vou ter mais receio de sacar da minha....

Da mesma forma, eu acredito que o desenvolvimento de uma indústria e de um mercado de material unicamente orientado para a satisfação de pedófilos (ou pedófilos em potência), tem um risco potencial para crianças..... tal como nas armas, também se pode argumentar que os pedófilos ficariam satisfeitos com esse mercado e deixariam de importunar as crianças....

não se pode é defender as duas coisas ao mm tempo....

PS1 : A comparação da pedofilia com a homossexualidade não faz sentido.... não usei critérios morais, mas sim legais. Um pedófilo, por natureza comete um acto atentatório contra menores

FMP disse...

K,

O doom tem um carácter lúdico, se me conseguires provar que existe outro fim para as imagens pornográficas manipuladas que não seja o estímulo de desejos pedófilos eu fico de acordo contigo....

abraço

FMP disse...

depois de almoço/discussão com jurista, dúvida técnica caro João:

estamos a falar de imagens de crianças manipuladas/transformadas em conteúdo pornográfico ou bonecos virtuais tipo "final fantasy" ?

JLP disse...

"Parte-se de um pressuposto de que o homem dificilmente controlará os seus impulsos se tiver acesso a uma arma, um argumento de probabilidade baseado no nosso conhecimento da natureza humana."

Não. O meu raciocínio é que, caso surja uma situação em que uma pessoa deixe de controlar os seus impulsos, a posse de uma arma aumenta a extensão dos danos prevista. existe portanto um risco efectivo, ao contrario do cenário descrito em relação aos pedófilos.

"PS1 : A comparação da pedofilia com a homossexualidade não faz sentido.... não usei critérios morais, mas sim legais. Um pedófilo, por natureza comete um acto atentatório contra menores"

Os critérios legais são normalmente morais. Não é difícil arranjares legislação (noutros países) em que poderias dizer o mesmo em relação à homossexualidade baseado em critérios legais.

"O doom tem um carácter lúdico, se me conseguires provar que existe outro fim para as imagens pornográficas manipuladas que não seja o estímulo de desejos pedófilos eu fico de acordo contigo...."

A liberdade de expressão do seu criador.

Olha a licenciosidade... ;)

"estamos a falar de imagens de crianças manipuladas/transformadas em conteúdo pornográfico ou bonecos virtuais tipo "final fantasy" ?"

Estamos a falar de imagens de síntese (portanto tipo FF, mas pressupondo um nível de realismo, como o da apresentada a ilustrar o artigo, que não as permita destinguir de uma foto "real"), ou em imagens manipuladas/transformadas de modo a que não se torne possível identificar a(s) criança(s) retratada(s).

Mas a dúvida, mais que técnica, pretende-se que seja ideológica... ;)

FMP disse...

"O meu raciocínio é que, caso surja uma situação em que uma pessoa deixe de controlar os seus impulsos, a posse de uma arma aumenta a extensão dos danos prevista" - ou não. Pode diminuir por medo que o outro também tenha arma.
Ora se uma imagem "indistinguível" da realidade for legal, tanto faz se é real ou não, pois ninguém conseguirá provar uma coisa ou outra. É esse o conceito de "indistinguível". Bastará no limite mascarar a imagem um pouco para que não se distinga. Isto é uma motivação forte para os pedófilos que com uma ajuda teconlógica poderão trocar as suas façanhas sem problemas.

"Os critérios legais são normalmente morais" - Queria apenas dizer que do ponto de vista de uma "legalidade" liberal, um é feito por abuso o outro por consentimento mútuo...e referia-me a regimes minimamente democráticos e liberais....

"A liberdade de expressão do seu criador." OK. Se eu for capaz de fabricar notas "indistinguíveis" das reais, como obra de arte, onde fica a minha liberdade de expressão ? Não tenho nada contra o David Hamilton por exemplo, mas parece-me que estamos a falar de algo diferente..

"que não as permita destinguir de uma foto "real"), ou em imagens manipuladas/transformadas de modo a que não se torne possível identificar a(s) criança(s) retratada(s)"

A diferença é que na segunda tens o problema adicional de estares a usar imagens de crianças reais, e entras na subjectividade do "o que é identificável" ? um sinal por ex. ?

Já no caso tipo FF, ou como falei no princípio tipo "manga", em que os bonecos são claramente distinguíveis da realidade, não tenho nada a opor, por isso quis confirmar que tinha percebido bem o tema.

A questão ideológica é simples. Não tenho o direito de satisfazer os meus devaneios a qualquer custo, muito menos quando esse custo implique, por motivação legal, a proliferação de um crime. Por muito liberal que isso possa parecer.

JLP disse...

"Ora se uma imagem "indistinguível" da realidade for legal, tanto faz se é real ou não, pois ninguém conseguirá provar uma coisa ou outra. É esse o conceito de "indistinguível". Bastará no limite mascarar a imagem um pouco para que não se distinga. Isto é uma motivação forte para os pedófilos que com uma ajuda teconlógica poderão trocar as suas façanhas sem problemas."

A distinguibilidade será provavelmente sempre possível, mesmo que não a olho nu. Mas mesmo que o não seja, a questão passa a ser um indício e uma questão de prova em tribunal como outra qualquer.

O facto de alguém dizer que gosta de simular e fotografar a mutilação de bonecas realistas não impede que seja levantada a dúvida em relação a uma foto concreta sobre se não era uma boneca. Poderá sempre apresentar em tribunal prova de que a imagem foi gerada sinteticamente (no caso da "pedofilia virtual"), ou de que era efectivamente uma boneca (neste caso). Mas terá sempre que ser o tribunal a provar o contrário.

"Queria apenas dizer que do ponto de vista de uma "legalidade" liberal, um é feito por abuso o outro por consentimento mútuo...e referia-me a regimes minimamente democráticos e liberais..."

No caso de a imagem ser sintética, não há abuso, porque não há sequer interacção com ninguém. Não estou a defender a pedofilia.

Já agora, haviam diversos estados nos EUA que proibiam até há pouco tempo certas condutas sexuais entre "consenting adults". Os EUA só são minimamente democráticos e liberais só desde 2003? ;-)

"OK. Se eu for capaz de fabricar notas "indistinguíveis" das reais, como obra de arte, onde fica a minha liberdade de expressão ?"

Se forem claramente em quantidade condizente com o serem "obras de arte", não vejo qualquer problema, e são um claro exercício de liberdade de expressão. Mas já se for em quantidade, passas a ter que acautelar, como as armas, os danos potenciais que advêm de uso fraudulento, por exemplo se forem roubadas. Passa a ser uma questão de arbítrio entre a liberdade de expressão e o risco de violação do direito de propriedade dos potenciais lesados. Mas, materialmente, não tens nenhum deste tipo de mecanismos que possa acontecer com a "pedofilia virtual". A mera existência desses artigos não é material nem pode ser material para a prática de um potencial crime, ou para o agravamente deste.

"A diferença é que na segunda tens o problema adicional de estares a usar imagens de crianças reais, e entras na subjectividade do "o que é identificável" ? um sinal por ex. ?"

Passa como há pouco a ser uma questão de prova. Se eu fizer um patchwork de um braço de uma criança no corpo de uma porn-star numa imagem explícita passa a ser pedofilia?

"A questão ideológica é simples. Não tenho o direito de satisfazer os meus devaneios a qualquer custo, muito menos quando esse custo implique, por motivação legal, a proliferação de um crime. Por muito liberal que isso possa parecer."

Não acho que "pareça liberal". Até concordo contigo na primeira parte. Mas estás a fazer uma correlação que não faz sentido entre possuir e produzir imagens de síntese e potenciais crimes.

Há comportamentos criminosos e o resto é a liberdade. Não há "devaneios imorais que implicam a proliferação de um crime".

É um bocado como dizeres que uma pessoa não deve comer bolos porque o roube de bolos é crime! :-)

daniel disse...

Acho lamentável que se tenha usado uma imagem de steven stahlberg, um dos mais brilhantes ilustradores digitais da actualidade, para acompanhar um texto sobre pedofilia. Triste ignorância.

JLP disse...

Caro Daniel,

O mérito da imagem é exactamente o de fazer perceber melhor o dilema que está em discussão, e o seu uso só pode constituir, quanto a mim, um extremo elogio à destreza técnica e artística do autor. O seu uso nesta discussão, que pretende ser séria, sobre um assunto que é ele também extremamente sério e polémico, não acho que constitua em si nada de "lamentável". Bem como o uso de uma das obras paradigmáticas do Dadaismo alguns artigos acima para ilustrar um ponto de vista sobre o recente filme do Código da Vinci seja também, quanto a mim, particularmente desprestigiante para esta, largamente superior em qualidade às obras em cuja discussão está envolvida.

De qualquer modo, esclarecidos os créditos da imagem, que não constavam do site original de onde foi retirada, fica feita a correcção no artigo, bem como adicionada a ligação para a página do autor.