2006/05/28

Excitações

Escreve Miguel Abrantes na Câmara Corporativa:

O terramoto ontem anunciado apanhou muita gente de surpresa. Por exemplo, o Blasfémias e O Insurgente, seja por ignorância, seja por não se conformarem com a realidade, andam, desde ontem, ao despique a ver qual dos blogues consegue dizer o maior disparate. A coisa está renhida.
Aparentemente, parece que o caro Miguel Abrantes tenta avançar rápido e em força para disputar o lugar de primazia nesse mercado. Vejamos:
Como concluiu AAA que a liberalização ia ser “condicionada”? Como concluiu AAA que haveria “restrições artificiais à abertura de novas farmácias”? Como concluiu AAA que irá manter-se “uma barreira administrativa à entrada no mercado”? AAA não diz.
Efectivamente nesse caso em concreto o AAA não diz, mas a leitura atenta das várias notícias emanadas sobre o assunto poderiam rápidamente esclarecer porque o terá dito. Senão vejamos o que relata o Portugal Diário (com negritos meus):
Nesse sentido, de acordo com Sócrates, o executivo vai adoptar «um regime de incompatibilidades, já previsto na lei, que será alargado e reforçado, de modo a impedir que possam ser proprietários de farmácias os próprios prescritores de medicamentos, bem como as empresas de indústria farmacêutica ou de distribuição grossista de medicamentos».

Sócrates disse ainda que, para garantir o equilíbrio nas condições de concorrência, «será estabelecido um limite à concentração da propriedade das farmácias, de forma a que nenhuma pessoa ou entidade possa deter, directa ou indirectamente, mais do que quatro farmácias».

Segundo o chefe do Governo, «a distância mínima entre farmácias será reduzida de 500 para apenas 350 metros e a capitação mínima de habitantes por farmácia vai baixar dos quatro mil para 3500».
Será que isto não é condicionamento, tratando-se claramente da imposição de condições? Será que isto são "restições naturais"? Terão sido números emanados do Divino? Porque 4 e não 3 ou 5 ou 10? São ou não são estas barreiras de índole administrativo a qualquer pessoa que em liberdade deseje abrir em qualquer lugar uma farmácia? Será isto a tal "liberdade" na propriedade da farmácia, ou teremos neste campo mais um adepto da "licenciosidade"?

Continua:
João Miranda descobriu que a liberalização da propriedade das farmácias iria provocar um aumento do valor dos trespasses, porquanto haveria uma maior procura. E não vai haver uma maior possibilidade de acesso que resulta da liberalização da propriedade? Quantas farmácias poderão surgir na zona da Expo (em Lisboa), onde agora só há duas? O último período do trecho reproduzido leva a crer que João Miranda ainda não se deu conta de que, a par da liberalização da propriedade, irão poder ser abertas novas farmácias — muitas centenas, provavelmente.
O próprio governo estima em 300 as novas farmácias a serem criadas, segundo os critérios que definiu:
Na sua intervenção, na Assembleia da República, o primeiro-ministro disse que o seu Governo vai autorizar a criação de cerca de 300 novas farmácias, «alterando-se as limitações actualmente existentes».
O universo da procura é estendido do universo dos farmacêuticos para o universo de todas as pessoas interessadas em explorar esse tipo de actividade, resgardadas as restrições acima. Acho que é bastante óbvio o que cresce mais, se é a oferta se é a procura...
João Miranda diz mais: “Acabam de perder o monopólio da propriedade das farmácias. Mantêm o monopólio da venda de medicamentos.” Não é verdade, os medicamentos não sujeitos a receita médica já são vendidos fora das farmácias em mais de 100 estabelecimentos.
Se o Miguel Abrantes me conseguir mostrar que os vendedores de medicamentos de venda livre concorrem com os medicamentos sujeitos a prescrição e vice-versa (salvo em aberrações e originalidades legislativas como as da pílula do dia seguinte), acho que terá o seu argumento provado.

Para já fica por aqui.

Sem dúvida que o passo foi um passo positivo na direcção de uma verdadeira liberalização das farmácias. Acho que ninguém, mesmo entre os liberais, discute isso. Mas vir afirmar que esta é a liberalização quando efectivamente se obteve uma semi-liberalização, longe de um cenário de propriedade efectivamente livre, em que qualquer um que o deseje (salvo naturalmente os casos em que haja conflito de interesses, como o caso dos médicos) terá a liberdade de abrir uma farmácia onde bem entender, ou é mostra de má-fé, de deslumbre socrático ou é demonstração de que não se compreende o que quer dizer "liberalização".

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