2006/04/09

(1) A minha perspectiva sobre: a Educação

Sem dúvida um dos temas mais fracturantes, provavelmente na companhia da Saúde e da Segurança Social, a Educação tem sido a vítima e o alvo por excelência das tentativas socialistas e/ou sociais democratas de promoção de ideários de "igualdade de objectivos", da promoção do "eduquês" e das teorias bem pensantes do lixo da "psicologia da educação", promovidos ao estatuto de doutrinação das massas e doutrina oficial do que é ser "educado", alicerçado nos programas (provavelmente de computador) e curricula oficiais iluminados pelo Deus da Educação.

De uma maneira curta e simples, até porque o assunto (mesmo por entre os liberais) ganha mais com a discussão do que com o enunciar de novas Tábuas dos Mandamentos, aqui fica a minha visão de um assunto sem dúvida delicado mas também sem dúvida merecedor da maior atenção. Antes de mais porque, na minha opinião, se trata do sector mais apto à promoção de verdadeiras estratégias de promoção da igualdade de oportunidades e da promoção efectiva da Liberdade, contudo que se tenha o cuidado de não cair em "dirigismos" e em raciocínios de superioridade moral.

Actualmente em Portugal, quem quiser dispôr de um serviço de educação que se afaste da doutrina sancionada, tem que pagar o seu custo duas vezes, já que como contribuinte é alvo do abuso de força fiscal do estado que o obriga, quer goste ou não goste, quer concorde ou não concorde, quer use ou não use, a sustentar a máquina da educação pública e a sua doutrina oficial. Além de se estabelecer na prática um verdadeiro abuso de posição dominante do estado face às instituições privadas de educação, elas próprias forçadas por intermédio das suas contribuições a financiar o seu concorrente, está-se novamente a cair numa forma de equívoco muito comum à perspectiva socialista de ver as coisas: a de que o estado, além de assegurar financeiramente o funcionamento da Educação, tem que ser também ele próprio o fornecedor efectivo do serviço. O estado arroga-se a estabelecer para além de qualquer discussão que "faz melhor", e em impôr o custo desse serviço à generalidade da população, acrítica e impotente face à posição de monopólio da força do estado. Cumpre portanto rapidamente separar a problemática do financiamento do ensino da prestação efectiva do serviço, sendo perfeitamente defensável que o estado proceda à alienação das suas infrastruturas de educação, ao nível do ensino básico, secundário e superior, mesmo que no actual panorama de "Estado Social" continuasse a ser o responsável único pelo financiamento. Promover-se-ia assim uma efectiva concorrência de métodos de ensino e curricula, bem como uma efectiva concorrência no mercado da prestação de serviços de educação, sem concorrentes de primeira e de segunda, e garantindo efectiva liberdade de Educação.

Quanto à questão do financiamento propriamente dito, as mentalidades das pessoas, principalmente das que frequentam o ensino superior, têm que mudar, e estas têm que se convencer que essa educação, mais do que um suposto investimento da "sociedade" em si, deverá ser vista como um investimento que cada indivíduo deverá ter a opção de fazer em si próprio. Em nenhum lado do Mundo, salvo paragens como a nossa em que um diploma universitário é ainda visto como um degrau social e não numa perspectiva de utilidade, o ensino superior é considerado como um requisito absoluto de dignidade, de liberdade ou um estatuto mínimo de pertença na sociedade. A felicidade, a realização pessoal dos indivíduos e os seus projectos pessoais devem passar para além de formatações pré-concebidas de homens-novos. Senão o que temos é o nosso cenário de pessoas realizadas, que têm mérito profissional e que se encontram bem de vida, e que tomaram conscientemente a opção de não perder tempo com cursos, muitos votados ao desemprego, a financiar com os seus impostos os cursos universitários de outros. Um curso superior não é um critério de igualdade de oportunidades. Deve ser sim visto como uma possível estratégia pessoal de maximização da afirmação do seu mérito.

Ressalvo em relação ao anterior apenas uma situação: a da escolaridade obrigatória, pelos motivos que avanço a seguir. Em primeiro lugar, o facto de o estado a estabelecer como "obrigatória" faz com que, do meu ponto de vista, este tenha que promover os meios para que esta seja acessível à generalidade das crianças e jovens, correndo-se o risco de, se tal não acontecer, se perder a perspectiva da própria abstracção de aplicação da lei. Mesmo se entendo que perspectiva de "educação obrigatória" é pouco liberal e não concordo com ela, entendo também de outro modo que, pelo facto de o estado retirar direitos efectivos de cidadania e restringir liberdades às pessoas menores (alguns sem duvída defensáveis, mesmo para liberais), adquire perante estes uma particular responsabilidade durante esse período. Além disso, o entendimento corrente, com o qual concordo, é que a Educação deve ser vista como um direito das crianças e dos jovens, e não dos seus pais sobre estas. Como tal, concordo que o estado providencie no sentido de tornar esse direito separado da realidade dos pais, se bem que garantilho-lhes (aos pais) suficiente liberdade de escolha do caminho e da concretizaão desse direito, quando não comprometa os interesses dos filhos.

E como materializar tudo isto? Pessoalmente, a minha tese é que a participação do estado no financiamente de crianças e jovens menores em termos de ensino passaria por este, enquanto estes mantivessem a menoridade, e independentemente do ano de ensino (ou seja, se alguém se tornasse maior estando no 6º ano perderia também o direito ao financiamento), deveria custear num valor contruido a partir do preço médio de admissão nos estabelecimentos de ensino cada criança, entregando directamente (para evitar que os pais desviassem o dinheiro para outros fins) o dinheiro à instituição de ensino da escolha dos pais. O "pacote" financiado deveria incluir as principais refeições diárias, bem como um seguro de saúde, condições mínimas de integridade individual. Sinto que, deste modo, se poderia providenciar efectiva igualdade à partida ou de oportunidade em todos os cidadãos, não especificando objectivos e garantindo a todos os intervenientes (incluindo aos contribuintes) a desejada liberdade.

E qual o restante papel do estado em termos do ensino? Um papel certificador de competências mínimas, tão somente, por exemplo pelo estabelecimento de testes nacionais de certificação de competências (reforço:mínimas) em momentos que poderiam condizer com o termo dos actuais ciclos de ensino. Deste modo criar-se-ia uma certificação clara dessas competências, que poderia ser utilizada sem ambiguidades profissionalmente ou no acto de concurso a instituições de ensino, não inviabilizando que cada instituição de ensino podesse conquistar mérito, "nome" e reputações próprias no mercado que até suplantassem a própria credibilidade da certificação estatal.

Na Educação há sem dúvida muita coisa a mudar. Que deve começar pelo estado perder a sua postura de dono da Verdade e de apontador do Caminho.

Venha a discussão!

10 comentários:

Vítor Jesus disse...

não discuto discursos dogmáticos exemplificados por
- "possível estratégia pessoal de maximização da afirmação do seu mérito."
- "a perspectiva da própria abstracção de aplicação da lei"
- "pelo estado perder a sua postura de dono da Verdade e de apontador do Caminho"

:D

--vj

JLP disse...

Vitor:

Naturalmente (e felizmente!), tenho os meus dogmas, mesmo eu que me considero relativista. Mas dificilmente encontro algum resquício de dogmatismo nas afirmações que transcreves, ou num artigo que desde o início se submete à discussão. Vejamos:

"possível estratégia pessoal de maximização da afirmação do seu mérito."

Cada pessoa deve ter o direito de definir a sua estratégia de sucesso. Se nuns passa por tirar um curso superior, muito bem. Se para outros em não o tirar, também muito bem. O que não aceito é um estado que define estratégias "oficiais" de sucesso e do que é "bom" e "correcto" à custa do dinheiro dos contribuintes.

"a perspectiva da própria abstracção de aplicação da lei"

O desígnio e princípio de se ter leis abstractas é, para mim, um principio básico de Direito, que no fundo consubstancia a igualdade de todos perante a lei. Tens alguma coisa quanto a isso? Porque a partir do momento em que tenhas leis que não sejam abstractas, e que passem a estabelecer alvos raciais, de nível económico, de estrato social, de género, etc., além da questão constitucional, deixas de ter leis e passas a estar a fazer engenharia social.

"pelo estado perder a sua postura de dono da Verdade e de apontador do Caminho"

Esta afirmação pouco tem de dogmático: é o constatar de um facto. Quando tu tens um mercado e um universo da Educação em Portugal que gira praticamente na sua totalidade em torno do estado, um estado financiador, prestador de servições, certificador, e fazedor das regras, só podes concluir que a perspectiva vigente é de que o estado está numa posição e goza de uma superioridade moral em relação aos outros que o fazem pensar que só ele faz bem e que tudo, para existir, ser válido ou estar bem feito tem que directa ou indirectamente passar pelo seu aval e sofrer a sua interferência. Basta olhares em volta.

Agora deixa-te de bocas ad hominem para empatar e ataca as medidas, não o estilo!

Fico à espera!

:D

Abraço!

Vítor Jesus disse...

Olha que não é só estilo. :)

1. "mérito" é (ou devia ser) o resultado da avaliação de um indivíduo por parte dos outros. "estratégia pessoal" é um plano individual que o indivíduo deve (ou pode) redigir sozinho e, qdo muito, tendo em conta os outros. Agora, "possível estratégia pessoal de maximização da afirmação do seu mérito" é que não. Isto pq se confunde muito as coisas e o "mérito" é frequentemente um conceito cuja utilidade e raíz é generalizadamente mal compreendida.

2. as leis não devem ser abstractas nem tem de haver nenhuma abstracção de princípio. As leis querem-se reguladoras e genéricas q.b. para ninguém se diferenciar aos olhos dela. Espero que com isso queiras dizer que por vezes é complicado apalavrar o espírito da lei.

3. Estado dono da verdade e afins: qdo o liberalismo toca na educação mete os pés pelas mãos. E muitas vezes devido a dogmas como "O Estado não deve apontar o caminho". Isto não é nenhuma verdade universal e se o Estado não deve, efectivamente, apontar caminhos, não quer dizer que não deva criar as condições para esse(s) caminho(s) surgir(em).

--vj

JLP disse...

1. O mérito, quanto a mim, é uma questão individual, que passa pela capacidade demonstrada de cada um satisfazer os seus objectivos. Se grande parte desses objectivos podem ser também partilhados por grande parte dos outros indivíduos, aceito que possa haver uma percepção social do mérito. Mas não aceito que se defina por decreto que essa é a forma do mérito "oficial" que todos têm que procurar.

2. Não, não tem a ver com a dificuldade em redigir a lei. Tem a ver com o facto de que a lei deve ser enunciada e ter objectivos abstractos que valham por si, e não ser orientada para determinadas regiões ou populações, grupos étnicos, géneros... Senão começas a ter leis feitas para um grupo de cidadãos e não para toda uma população, subvertendo o Estado de Direito e a igualdade perante a lei, porque a própria lei não é concebida para ser igual para todos. Não podes dizer que "a educação é obrigatória", porque estás a partir do princípio que essa é uma mera opção independente de cada um, mas no fundo crias uma lei que só pode ser cumprida por quem tenha meios económicos.

Sinceramente, acho que temos aqui uma diferença de semântica. Não estou a dizer que a lei não deve ser objectiva, reguladora e genérica. Estou a dizer isso mesmo. Abstracto não é antónimo de objectivo.

3. Não acho que na Educação seja o Liberalismo que "mete os pés pelas mãos." Basta olhares em volta e sim veres o que é meter os "pés pelas mãos."

De resto, volto a dizer que não é um dogma. É o simples constatar de um facto que advém da simples observação da maneira de actuar do estado.

Abraço,

JLP

JLP disse...

P.S. Ainda estou à espera de comentários e críticas às medidas concretas... ;)

JLP

FMP disse...

Estou de acordo em bastantes pontos. Dúvidas pragmáticas :

1 - A atribuição de vouchers (chamando as coisas pelos nomes) é de montante fixo ou o estado paga o que a escola onde o aluno for colocado pede ? Admitindo que é fixo, como se evita que as escolas de uma dada zona não sejam todas mais caras que o "voucher" ? Que tipo de limitações teriam de ser feitas a nível das instituições de ensino ?

2 - O mercado escolar ficaria plenamente aberto ? Quem gere as licenças para novas escolas ? Se a entrada de novas escolas for rígida, como garantir que as existentes não sobem os preços do ensino além do "mercado" ?

3 - Admites controlo de preços ? Se sim, como ficam as escolas que já são privadas sem limite de preço ?

4 - Segundo percebi o voucher pára aos 18 ou 12º, e a universidade , existem bolsas, ou pede-se empréstimo ?

Estou plenamente de acordo que o estado não deva definir programas nem curricula, que não deve gerir as escolas, e que não deve interferir para além do financiamento e da certificação. Mas é um assunto muito complexo e a melhor maneira de o tornar simples se calhar é "pragmatizar"...

Abraço

JLP disse...

Viva!

Tens aqui um aliado no pragmatismo... ;)

1-

a) É de montante fixo, igual ao custo médio da matrícula no ano específico de escolaridade. Eventualmente poderá ser um valor médio por área geográfica, mas não aceito geralmente este princípio, porque não acho que ninguém tem o direito adquirido a morar numa determinada zona do país. Se o faz de livre vontade, neste caso acho que deve pagar a diferença

b) Não se evita! O mercado é que deve funcionar. Não julgo que o estado tenha qualquer obrigação que vá para além do valor médio.

c) Nenhumas. Toda a instituição de ensino deveria ter o direito a abrir nos moldes que quiser, com os curricula a preços por que optar. Eventualmente, poderá ser estabelecida uma cláusula que condicione a manutenção do apoio à aprovação nos testes de aptidões mínimas estabelecidos pelo estado, para impedir que sejam defraudadas pela escolha pelos pais das escolas as legítimas espectativas e direitos dos filhos. Reforço mais uma vez o "mínimas", que poderiam ser, por exemplo, o saber ler, escrever e as operações básicas matemáticas no final da primária, e requisitos mínimos de português, história, geografia, matemática e uma língua estrangeira no final do secundário (9º ano).

2-

a) Sim

b) Ninguém. O processo não deve carecer de licenciamento específico, e limitar-se a cumprir as regras de qualquer actividade económica.

3- Não

4- Acho que deve parar aos 18 anos, independentemente do ano de escolaridade. A partir daí, o mecanismo de financiamento deve ser livre e independente do estado. Naturalmente não impede que instituições privadas possam conceder bolsas ou que existam mecanismos de crédito ou de apoio estimulados peloas bancos e seguradoras.

Abraço,

João

FMP disse...

Pragmatizando:

1-"É de montante fixo, igual ao custo médio da matrícula". Existem algumas boas razões para este sistema não funcionar do ponto de vista económico. Se eu fosse director de uma escola e tivesse uma matrícula de 50, e observasse que o custo médio era 100, obviamente que subiria assim que pudesse o preço para 100, pois tinha o mesmo número garantido de consumidores. Se todos reagissem da mesma forma, o custo médio subiria para 200, e o processo repetir-se ia até ao limite do suportável... ;)

2- "Não se evita! O mercado é que deve funcionar" - Estás a limitar o direito à educação de uma criança que mora numa zona em que as escolas estão todas acima do custo médio. Ou obrigas coercivamente os pais a mudar de cidade, ou obrigas a criança a separar-se dos pais, ou afastas a criança da escola. Nenhuma situação é boa. Existem boas razões para o mercado não dar resposta a essas crianças, porque a rentabilidade de uma escola exige escala (e de que maneira).


4- Acho que deve parar aos 18 anos, independentemente do ano de escolaridade. Acho que pode incluir o curso superior mediante financiamento compulsivo, a taxa de juro mínima, reembolsável durante a vida activa. É importante garantir que um jovem com ambições numa área que exiga licenciatura, possa ter acesso aos estudos, caso demonstre vontade para isso. Não vejo razão para obrigar um estudante brilhante a ir trabalhar durante uns tempos para poder financiar os estudos superiores.

FMP disse...

Falta o 3 ! :)

3 - O não controlo de preços com o subsídio ao custo médio (ver acima) implica o estabelecimento de um preço mínimo.

Abraço !

JLP disse...

1- Tens razão! A minha sugestão passaria por estabelecer um mecanismo de licitação no início do ano lectivo, e em pagar a quem licitar abaixo da média (eventualmente estabelecendo-se uma "banda morta") um prémio em "cash" proporcional ao desvio em relação à média. Os preços apresentados à licitação seriam fixos para todos os concorrentes durante esse ano. Mas estou aberto a sugestões... ;)

2- Continuo a manter a minha posição. A igualdade de oportunidades está garantida, e os pais têm toda a liberdade de optar. Quanto a questão do "factor de escala", existe sempre a possibilidade de, em núcleos pequenos e isolados, os pais se associarem e contratarem um tutor particular, que receberia o financiamento.

3- Vide 1 ;)

4- A partir do momento em que o estado assegurasse "juros mínimos", estavas a retirar a legitimidade reguladora ao estado, nomeadamente no mercado financeiro, porque o transformavas num "player". Esse género de ofertas deve surgir do normal funcionamento do mercado de crédito, não ser uma imposição estatal. Acredita que se houver procura, vai surgir oferta. Até as próprias escolas terão todo o interesse em abrir mecanismos de bolsas a jovens promissores, numa perspectiva de recrutamento futuro, ou até mesmo numa perspectiva de deferimento do lucro, se virem que esse mercado é significativo e que se não o fizerem vão ter as salas às moscas.