2006/12/19

Sócrates e o TC

O primeiro-ministro, José Sócrates, rejeitou hoje que os pareceres de juristas que enviou ao Tribunal Constitucional sobre a Lei das Finanças Locais constituam uma forma de pressão do Governo sobre o tribunal. "O Tribunal Constitucional não é pressionável", disse o primeiro-ministro.

Público Última Hora.
Por mais que José Socrates tente dizer o contrário, a sua iniciativa de enviar uma carta e cinco pareceres jurídicos relativos à constitucionalidade da proposta de Lei das Finanças Locais ao Tribunal Constitucional é sem dúvida uma clara e flagrante pressão sobre os seus membros. Senão vejamos: o Tribunal Constitucional não se vai pronunciar sobre a constitucionalidade de alguma decisão em tribunal. Aqui, não há prova, não há outra legislação que tenha que ser tomada em contra. O que se trata é de um processo relativamente limitado, em que por iniciativa do presidente da república o Tribunal Constitucional, olhando exclusivamente para a letra do que está na lei e para a Constituição, terá que deliberar da sua adequação ao âmbito desta. É assim completamente despropositado que o governo queira submeter informação adicional aos juizes do TC, uma vez que está claro o âmbito da informação que terá que ser tomada em conta para tomar a decisão.

É assim difícil de compreender uma intenção benévola no gesto de Sócrates. Que, se não me falha a memória, é inédito. O governo não pode pensar que o seu papel constitucional na relação com o TC é algo de semelhante ao ministério público nos tribunais ordinários. Este não é um processo de partes. É um processo no âmbito da relação sim do presidente da república com o TC e com o processo legislativo.

E quais serão então, quanto a mim, as intenções de Sócrates? Em primeiro lugar, por em cheque os membros do TC, que terão que decidir eventualmente contra reputados juristas da nossa praça, no fundo podendo-se inferir um certo desejo de Sócrates em dizer que "atenção, tenho pelo menos aqui cinco que opinavam em determinado sentido", perturbando o espírito de tranquilidade e de isenção que deve presidir à decisão, podendo-se também subententer que Sócrates considera mais o peso jurídico dos seus pareceres do que a valia individual dos membros do TC; em segundo lugar, uma eventual vontade de Sócrates lembrar aos juízes do TC quem é que "lhes paga o arroz e o feijão" e quem lá os colocou. Afinal, convém não esquecer que o passado do TC é o de um tribunal fortemente politizado, nomeadamente na sua constituição, que emergiu ao longo dos anos essencialmente de um concenso do centrão constituido por PS e PSD.

As repercursões da iniciativa dificilmente poderão ser auditáveis. Mas pelo menos assinala-se a tentação e a iniciativa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo. Muito bem.

Luís Lavoura

JLP disse...

Alguma vez teria que ser... ;-)

Pedro Correia disse...

Parabéns pelo novo visual.