2007/01/31

O Ministério-Público-Sondagem

O Ministério Público do Tribunal da Relação de Coimbra defende a libertação de Luís Gomes, considerando que perdeu "interesse ou utilidade" para a justiça a sua prisão preventiva pelo sequestro da criança de cinco anos que acolhe desde os três meses de idade.

O procurador do Tribunal da Relação de Coimbra refere, num recurso em separado do Ministério Público de Torres Novas, que a prisão preventiva já não se justifica por não existir perigo de fuga ou de continuação de actividade criminosa.

[...]

Luís Gomes está detido preventivamente por se recusar a entregar a criança de cinco anos que lhe foi entregue pela mães aos três meses pela mãe biológica, Aidida Porto, e a revelar o seu paradeiro. No dia 16 de Janeiro, o Tribunal de Torres Novas condenou-o a seis anos de prisão por sequestro agravado da menor.

[...]

O risco de fuga é também desvalorizado pelo procurador, até porque o arguido é "um militar de carreira, inexistindo quaisquer indícios ou sequer alegação de incumprimento de deveres processualmente impostos".

No que respeita ao risco de continuação do crime — o pressuposto em que se baseou o colectivo para ordenar a prisão preventiva, o Ministério Público considera que "nem na pronúncia ou em momento anterior ao início do julgamento, foram esquadrinhados bons fundamentos" para essa decisão.

Público Última Hora (com negritos meus).
Não sou jurista, mas como observador atento do funcionamento do Estado de Direito, parece-me que esta iniciativa do Ministério Público é mais o ceder ao vox pop do que propriamente cumprir para com as suas funções de apuramento da verdade.

Dizer que o comportamente do arguido, condenado em primeira instância (naturalmente sem transitar ainda em julgado e passível de recurso) por sequestro e por já anteriormente ter desrespeitado decisões e ordens da justiça (desrespeito que ainda se mantém), não indicia ou sustenta alegações de violação de deveres processualmente impostos, e além disso que não há risco de continuação do crime quando a criança se encontra ainda em parte incerta e já existe uma decisão de primeira instância que atribui a culpa do facto ao pai, muito para além da "prenúncia ou em momento anterior ao início do julgamento" referidos, parece-me mais navegar ao sabor da apaixonada reacção que o caso tem despertado no público (de maneira mais ou menos informada), do que uma posição de consciência e orientada pela Lei e pelo Direito.

A influência populista e a tentação de dar ao MP um pendor de justiceiro popular, quando este tem deveres de neutralidade e de isenção, e goza de meios e de estatuto que não está ao alcance das outras partes, é um caminho perigoso e repreensível para uma das principais instituições judiciárias. Esperemos que não seja por actos populistas e de "relações públicas" que o MP queira expiar os seus recentes flops e a sua credibilidade enfraquecida aos olhos da opinião pública.

1 comentário:

Anónimo disse...

Exclente post. Concordo totalmente.

Luís Lavoura